O Magazine Luiza vai lucrar com a Netshoes?

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Em um enredo típico de filme de ação e suspense – com final imprevisível até o último minuto – a rede varejista Magazine Luiza encerrou uma das mais acirradas disputas empresariais no País nos últimos anos. Sob comando do presidente Frederico Trajano, 43 anos, a Magalu, como passou a ser chamada a partir de 2017, travou uma guerra com o Grupo SBF, dono da rede mineira Centauro, pela compra da Netshoes, maior site de artigos esportivos da América Latina. Entre idas e vindas e novas ofertas que cobriam as anteriores, o Magazine Luiza levou a melhor.

 

Na sexta-feira 14, a oferta de US$ 115 milhões foi, enfim, aprovada por 90,32% dos acionistas da Netshoes – uma cifra 85% que a proposta inicial de US$ 62 milhões. O negócio foi fechado com a venda de todas as ações de emissão da Netshoes pelo preço de US$ 3,70. “A compra é muito importante porque endereça, nesse momento específico, uma iniciativa estratégica essencial da companhia, com foco na diversificação de categorias e o aumento da frequência de compra”, disse Trajano, em entrevista à DINHEIRO.

 

A batalha pela aquisição, no entanto, é página virada – e pode ter sido apenas o prólogo do imenso desafio que a companhia tem pela frente. O Magazine Luiza, com valor de mercado acima de R$ 40 bilhões, tem brilhado como uma das maiores estrelas da bolsa. Nos últimos 24 meses, os papeis da empres valorizaram impressionantes 563%, enquanto o índice Ibovespa subiu 61,7% no mesmo período. Por outro lado, a Netshoes, apesar de um faturamento anual bilionário e vendas de R$ 2,5 bilhões em 2018, nunca deu lucro. Ao abrir o capital nos Estados Unidos, em 2017, o plano do fundador, Marcio Kumruian, era financiar uma expansão acelerada por meio de grandes fundos de investimentos.

 

Não deu certo. Logo os investidores perceberam que o modelo de negócio da empresa, ancorado em uma estrutura 100% digital, tinha uma doença crônica. As ações que chegaram a valer US$ 24,15, em julho de 2017, derreteram para US$ 1,67, em março deste ano. “Não havia saída para a Netshoes se a configuração operacional da empresa não mudasse”, diz Jean-Paul Rebetez, sócio-diretor da GS&Consult, consultoria especializada em varejo. “Ela cresceu sua receita nos últimos anos sem atacar questões fundamentais de custo de logística, estoques elevados e margens espremidas.”

 

Sob o guarda-chuva do Magazine Luiza, Frederico Trajano afirma que irá atacar exatamente esses fatores. Toda a estrutura das suas empresas serão integradas a partir de 2020, tornando a operação mais robusta e com maior ganho de escala. Além disso, haverá um mix das operações digitais da Netshoes com a gigantesca estrutura física do Magazine Luiza, com duas mil transportadoras, doze centros de distribuição e mais de mil lojas em todo o País. Já a Netshoes, com suas marcas Zattini, Shoestock e Free Lace, opera de centros logísticos em Extrema (MG), Jaboatão dos Guararapes (PE) e Barueri (na região metropolitana de São Paulo). Diariamente, a empresa processa e despacha 35 mil pedidos, em média. “O grande problema da Netshoes eram as despesas de vendas e administrativas. Ao integrar toda a plataforma, o back office e a logística da Netshoes ao Magalu, vamos reduzir sensivelmente o custo operacional. Com isso, vamos fazer a virada para o lucro, o ’turn around’”, garante Trajano.

 

desafios O problema é não deixar a Netshoes contaminar o Magazine Luiza. Essa será, indiscutivelmente, a principal preocupação da companhia durante o processo de fusão. Assim que a compra foi anunciada, o Banco do Brasil Investimentos (BB-BI) divulgou um relatório em que rebaixa as ações do Magazine Luiza (MGLU3) para “market perform”, além de reduzir o preço-alvo do ativo no fechamento do ano de R$ 207,50 para R$ 204,70. O sinal de alerta indica que os investidores estão em compasso de espera para entender qual será o plano de sinergia entre as duas empresas. “Embora o Magalu possua uma expertise sedimentada no e-commerce, ao trazer vícios e problemas de outra empresa do mercado digital para dentro da sua sala, terá de saber conduzir com cautela a integração”, diz o economista e consultor de varejo Marcos Torres Neto, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Estima-se que a Netshoes precise de uma injeção imediata de mais de US$ 100 milhões para colocar o seu capital de giro em ordem.

 

Apesar da necessidade de cautela na integração, há um sentimento generalizado no varejo de que o Magazine Luiza – tanto pela força de sua marca quanto pela gestão milimetricamente ajustada – conseguirá levar a Netshoes ao seu primeiro lucro em breve. “Na nossa visão, a aquisição está em linha com a estratégia de expansão de sortimento da empresa. As vendas online da Netshoes foram de R$ 2,5 bilhões nos últimos 12 meses e se comparam às vendas online da Magazine Luiza, de R$ 7 bilhões em 2018”, avaliam os analistas da XP Investimentos. “Se existe uma companhia com know-how e capacidade de fazer essa virada é o Magazine Luiza. É uma empresa diferenciada. Basta compararmos a performance dela na bolsa com suas rivais nos últimos anos e poderemos constatar que se trata de uma gestão de excelência”, diz a analista de investimento no varejo Bárbara Juniac.

 

A julgar pela reputação, de fato o Magazine Luiza está bem na foto. Segundo levantamento da consultoria Kantar, o Magazine Luiza teve a marca que mais cresceu em 2018. Com um salto de 273% em faturamento, engajamento de clientes e valor financeiro, a varejista aponta como uma das dez marcas mais valiosas do Brasil, de acordo com o estudo. “Marcas valiosas permanecem relevantes com ações inovadoras, com proposta de valor e posicionamento da companhia”, definiu a diretora de marketing do Magazine Luiza, Ilca Sierra. E, dentro desse posicionamento, a Netshoes surge como peça-chave para a rede varejista.

 

“Nenhuma empresa de e-commerce 100% digital dá lucro no Brasil”

 

Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza

 

A aquisição da Netshoes é a mais importante do Magazine Luiza?

Não gosto de comparar aquisições. Cada uma delas cumpre um objetivo importante, dentro de uma etapa evolutiva da companhia. Então, digo que a Netshoes foi para nós mais uma importante aquisição. Não considero a maior compra, mas foi uma operação importante, que endereça, neste momento específico, uma iniciativa estratégica essencial da companhia.

 

Houve aquisição tão importante?

No passado, tivemos a da Lojas Maia, que nos ajudou a entrar com lojas físicas no Nordeste. Tivemos, em 2018, a Softbox, que é uma empresa de tecnologia focada em digitalizar empresas analógicas. Então, estrategicamente, tanto as menores quanto as maiores aquisições cumprem sempre o papel de nos ajudar a preencher alguma lacuna na operação. Fazer isso organicamente nos segmentos de esporte e moda demoraria muito tempo. Por isso, a aquisição da Netshoes foi um movimento estratégico.

 

A decisão foi uma oportunidade ou já existia a intenção de entrar no segmento?

A gente já tinha definido, em 2018, que a principal estratégia para este ano seria diversificação de categorias, para ter uma maior presença no “pocket share” (pedaço do bolso) do consumidor. Para isso, tenho de aumentar o número de clientes ativos e a frequência anual de compras. Fazer algo assim na categoria de bens duráveis (eletrodomésticos, por exemplo) é muito difícil, para não dizer impossível. Quando a gente olha para as empresas que podem ampliar o número de clientes e a frequência de compras, necessariamente esbarra no segmento de materiais esportivos e moda. Com a Netshoes, incorporamos os dois segmentos numa tacada só, já que a empresa também é dona da Zattini, de moda.

 

O “rally” com a Centauro não tornou a Netshoes cara demais?

A gente tinha a vantagem de sempre dar a última palavra. Isso constava do nosso contrato inicial, quando foi apresentada a primeira proposta. Então, se eu não achasse bom, com certeza não teria feito. Somos uma empresa muito racional, sempre com avaliações do fluxo de caixa. Concretizamos a oferta porque sabíamos que havia o fator racional muito forte na proposta. Se a gente colocar a Netshoes em perspectiva, o valor do negócio é pouco mais de 1% do valor do Magazine Luiza, que hoje está em R$ 40 bilhões na bolsa.

 

A entrada de um concorrente na disputa já estava prevista?

Quando iniciamos o processo, estávamos praticamente sem concorrência. Como a Netshoes é negociada na Bolsa de Nova York, entre o final de abril e o “closing” em junho, pelas leis americanas a empresa negociada tem de deixar a oferta exposta ao mercado até a assembleia. Desde o início, a gente sabia que poderia haver uma oferta concorrente. Estávamos preparados.

 

Em algum momento você imaginou que o Magazine Luiza perderia?

A vantagem era nossa. Em nenhum momento a gente poderia perder. Poderia desistir do negócio, se achasse que o valor escalaria para um nível irracional, inaceitável. Não foi o caso.

 

Você comprou uma empresa que nunca deu lucro. Uma operação não pode contaminar a outra?

Quando decidimos fazer a proposta, desenhamos um planejamento para saber como poderíamos rentabilizar a operação da Netshoes. O ponto é: nenhuma empresa de e-commerce, 100% digital e “stand alone” dá lucro no Brasil. Todas as empresas de e-commerce do País que compram, estocam e vendem mercadorias, dão prejuízo. Não vou citar nomes, para não ser deselegante, mas é só qualquer um analisar a operação dos e-commerces puros, não integrados com lojas físicas, que é o nosso modelo omnichannel.

 

Como será o processo de integração?

O grande problema da Netshoes eram as despesas de vendas e administrativas. Ao integrar a plataforma, o back office e a logística da Netshoes ao Magalu, vamos reduzir sensivelmente os custos. Temos convicção de que, ao usar as nossas duas mil transportadoras, doze centros de distribuição e mil lojas, vamos aumentar as vendas e estabilizar a operação. Com isso, vamos fazer a virada para o lucro.

 

Fonte: Istoé Dinheiro

 


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