No México, o garoto prodígio da Ambev

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Graduado em Direito aos 16 anos, Ricardo Tadeu Soares preside, desde 2013, a subsidiária da gigante cervejeira AB InBev no México; no último semestre, pela primeira vez, a operação mexicana superou a brasileira em rentabilidade

“Esse garoto é um fenômeno”, anunciava Silvio Santos, em seu programa de auditório, num domingo de 1984. “É extraordinário. Nunca vi uma coisa igual.” A plateia recebeu o menino de dez anos com aplausos e silenciou para ver do que ele era capaz. Com a cabeça baixa, apertando os olhos para se concentrar, Ricardo Tadeu Soares ouviu o apresentador: “387 mais 429 mais 926...” Antes de Silvio Santos concluir a pergunta, o menino veio com a resposta certeira: “1.742”. Estava comprovado: ele conseguia ser mais rápido que uma calculadora.

Nos anos seguintes, provaria também ser mais precoce que qualquer outra criança de sua idade. Aos 12, quando ainda cursava a oitava série no Colégio Santo Agostinho, no Rio, passou no vestibular e começou a estudar Direito, com aval da Justiça. Frequentava a escola pela manhã e, à noite, a Faculdade Cândido Mendes. Formado aos 16 anos, entrou para o Guinness Book como o advogado mais jovem do mundo.


Os feitos de Soares foram noticiados por todos os grandes jornais do País na época. Sua história chegou a ser contada em horário nobre na TV. Hoje, ele não dá entrevistas com tanta facilidade, nem gosta de relembrar o passado. Aprendeu com os chefes Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, os fundadores da Ambev, a ser mais reservado. Teve tempo para isso, afinal já faz duas décadas que ele segue a cartilha do trio de bilionários. Seu desempenho na companhia, conhecida por ter uma forte cultura de premiar quem dá resultados, levou Soares a seu primeiro cargo de comando dois anos atrás.

Desde junho de 2013, o menino prodígio do Rio – agora com 39 anos e quatro filhos – preside a subsidiária mexicana da AB InBev, a maior fabricante de cervejas do mundo. No primeiro semestre deste ano, os números o colocaram novamente em destaque. Pela primeira vez, o Grupo Modelo, dono da marca Corona, superou a brasileira Ambev em rentabilidade.

A margem Ebtida, indicador que mostra o quanto a operação da empresa é eficiente, foi de 50,6% na subsidiária do México e de 49,8% na do Brasil. “A diferença é muito pequena e pode mudar ao longo do ano, já que os meses de verão, os mais fortes para a Ambev, ainda estão por vir”, ameniza Soares. Mas é um resultado inédito (uma vez que a operação brasileira é historicamente a mais rentável do grupo no mundo) e simbólico (porque pode ser visto como reflexo do trabalho que Soares vem realizando nos últimos dois anos por lá).

Os dois mercados são muito parecidos, embora o brasileiro seja o dobro do mexicano em receita. No último semestre, no entanto, enquanto o Brasil registrou uma queda no volume de vendas (em hectolitros), o México viu esse indicador avançar. Nesse período, a operação global da AB InBev faturou US$ 21,5 bilhões – 5,7% menos que em 2014, por causa das baixas temperaturas e da economia mais fraca em alguns mercados.

Desafios. A chegada de Soares ao México, em 2013, coincidiu com uma estagnação na venda de cervejas no país, que já começou a se recuperar. Em maio, a empresa anunciou a construção de sua oitava fábrica no país. Líder entre os fabricantes de cervejas mexicanas, com 51% de participação, o Grupo Modelo registrou uma discreta perda de espaço para a rival Heineken no ano passado – uma diferença que não chegou a um ponto porcentual. “A demanda foi maior que a esperada e tivemos um problema com falta de garrafas no verão”, justificou o presidente. Para frente, embora as perspectivas sejam de aumento no consumo de cerveja pelos mexicanos, o futuro não deve ser menos desafiador. “Por decisão de órgãos regulatórios, as empresas tiveram de restringir em 20% seus contratos de exclusividade com clientes”, diz Mark Strobel, analista da Euromonitor. Essa situação, diz ele, tem impulsionado o avanço das bebidas artesanais e premium.

Em meio a esse cenário, que estava longe de ser confortável, o carioca tinha uma equação truncada para resolver, cujos números carregavam muito mais zeros do que os que Silvio Santos lhe ditava no programa de auditório. Soares tem até 2017 para cumprir a meta de cortar US$ 1 bilhão em custos na operação do Grupo Modelo. Até agora, já eliminou US$ 770 milhões. Logo nas primeiras semanas de trabalho, deu jeito de se desfazer do clube Santos Laguna, time mexicano que pertencia à fabricante de cervejas. “Mesmo fanático por futebol, não podia ter a responsabilidade de decidir quem seria o novo centroavante”, diz o torcedor do Fluminense.

Nos meses seguintes, quase 4 mil pessoas foram demitidas. A imprensa local diz que os contratos com fornecedores foram renegociados e os valores reduzidos em até 30%. Os caminhões que saíam para fazer entregas com 50% de ocupação, hoje saem com 80%. E o consumo de água para a produção de um litro de cerveja caiu de 3,7 para 3,2 litros. “Sempre vendi o sonho do que podemos ser a melhor operação possível dentro da InBev”, diz o executivo.

No início, muita gente não acreditou. Um estrangeiro, de trinta e poucos anos, que vestia camisa polo e calça jeans no escritório devia estar de brincadeira com uma meta dessas. “Mais difícil do que fazer os ajustes, foi conquistar a confiança das pessoas”, diz. Para os funcionários, a mudança foi mesmo radical. Soares assumiu o comando de uma empresa familiar fundada em 1925. A InBev herdou 50% da companhia mexicana ao comprar a americana Anheuser-Busch e adquiriu o restante em 2012, por US$ 20 bilhões. Na ocasião, a empresa era presidida por um sobrinho-neto do fundador Don Pablo Díez Fernández, que sempre andou impecável pelos corredores e se relacionava pouco com a equipe.

“É compreensível que os mexicanos se assustem com ele. Nós, brasileiros, também nos assustamos”, diz um ex-executivo da Ambev que trabalhou diretamente com Soares na época em que ele era diretor de vendas da cervejaria. “Além da pouca idade, ele tem uma inteligência fora do normal, raciocina muito rápido e, por isso, não tem muita paciência para esperar as coisas saírem do papel.” Foi assim desde cedo. “Ricardo aprendeu a ler com a irmã mais velha aos três anos de idade e escreveu um romance policial quando tinha 9 anos”, lembra o advogado José Paulo de Soares, pai do menino superdotado.

Quando Lemann conheceu Soares ele já era o advogado mais jovem do mundo. Foi o fundador do da Ambev que lhe concedeu uma bolsa para fazer mestrado em Harvard, por meio da Fundação Estudar. Na volta, Soares foi contratado pela fabricante com a condição de não trabalhar na área jurídica, mas na comercial, para que pudesse transitar pelas diversas áreas da companhia. O trio provou mais uma vez que tem visão. Vinte anos depois, Lemann, Telles e Sicupira contam com a ajuda de um geninho para engrossar seus bilhões.




Veículo: Jornal O Estado de S.Paulo


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