Investimento em pesquisa volta a cair e ameaça crescimento econômico

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O avanço do ajuste fiscal tem forte impacto sobre o desenvolvimento da pesquisa no País. Considerado fundamental para a expansão da economia, o investimento no setor voltou a cair neste ano.

 

Segundo o Portal da Transparência, R$ 24,444 milhões foram gastos pelo governo federal, entre janeiro e julho de 2017, com o auxílio financeiro a pesquisadores. Assim, seria necessário o investimento de quase R$ 90 milhões, nos próximos cinco meses, para igualar os aportes realizados no ano passado (R$ 111,735 milhões). Alcançar os gastos de 2013, quando R$ 163,3 milhões foram destinados ao setor, será ainda mais difícil, já que o governo não parece ter os pesquisadores entre suas prioridades.

 

Depois de um corte de 44% no início do ano, sobraram R$ 2,8 bilhões no orçamento anual do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), órgão que encabeça o financiamento público em pesquisa e desenvolvimento (P&D). No começo do mês passado, o secretário-executivo da pasta, Elton Zacarias, disse que a situação do ministério é "bastante dramática".

 

Com isso, o pagamento de bolsas para pesquisadores ficou ameaçado. Em entrevista concedida na segunda-feira, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Mario Neto Borges, afirmou que a situação é urgente. "O dinheiro acabou." Vinculado ao MCTIC, o CNPq tem orçamento aprovado de R$ 1,3 bilhão para este ano. No entanto, por causa do contingenciamento de gastos, a agência está autorizada a gastar apenas 56% disso (cerca de R$ 730 milhões).

 

Membro titular da Associação Brasileira de Ciência (ABC), Helena Nader afirmou que o número de trabalhos publicados já diminuiu e que muitos pesquisadores estão deixando o País. Exemplo disso é o caso de Fernanda de Felice. A pesquisadora brasileira, que estuda o papel da insulina no cérebro, mudou-se recentemente para o Canadá.

 

Preocupados com o enfraquecimento da pesquisa no País, especialistas também reclamam do aumento de gastos públicos de retorno duvidoso. "Para evitar o julgamento pelo STF, o governo tem liberado bilhões em emendas parlamentares. Enquanto isso, escolhe reduzir as despesas com P&D, que são fundamentais para o crescimento econômico", comparou Roberto Piscitelli, professor de economia da Universidade de Brasília (UNB).

 

Já Antônio Carlos Alves dos Santos, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), questionou o funcionamento do teto para despesas, defendido pelo governo como uma forma de melhorar a eficiência dos gastos públicos.

 

"A ideia inicial do teto era positiva, já que o governo trazia uma preocupação maior com as despesas, mas isso já ficou para trás. Hoje, setores importantes como pesquisa e saúde, que contam com menor capital político, estão sendo preteridos", disse ele.

 

Panorama global

 

A comparação com outros países mostra que os aportes em P&D já eram baixos antes da crise brasileira. Segundo dados mais recentes do MCTIC, 1,27% do Produto Interno Bruto (PIB) foi destinado ao setor em 2014, quando o ajuste fiscal ainda engatinhava.

 

A maioria dos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) superou os gastos brasileiros. Entre eles, destacam-se Coreia do Sul (4,3% do PIB), Israel (4,3%) e Japão (3,6%), ainda que alguns emergentes, como a China (2%), também tenham investido mais que o Brasil.

 

"É difícil conceber um desenvolvimento econômico sustentável sem a aposta em pesquisa", afirmou Piscitelli, que destaca o papel do P&D no desenvolvimento coreano. "Eles investiram na criação de novas tecnologias e, por isso, enriqueceram rapidamente."

 

O entrevistado também criticou o "baixo interesse" do setor privado pelos aportes em pesquisa. Na opinião dele, a maior parte dos empresários "segue os erros do governo", ao não poupar recursos para áreas que garantiriam um ganho elevado no longo prazo.

 

De acordo com as estatísticas do MCTIC, o setor privado investiu pouco menos que o âmbito público em 2014. Enquanto que o governo gastou cerca de US$ 13 bilhões em pesquisa, os aportes dos empresários ficaram perto dos US$ 11 bilhões.

 

Importância da P&D

 

Em documento enviado ao DCI, a ABC destacou alguns dos benefícios garantidos pelo investimento em pesquisa no Brasil, como o aumento "em quatro vezes da produtividade da agricultura", o aperfeiçoamento da exploração de petróleo em águas profundas e o auxílio para o combate de "epidemias emergentes".

 

De acordo com a associação, os resultados positivos, "que trouxeram retornos para o País muito superiores ao investimento realizado", estão ameaçados pelo corte de gastos.

 

A situação atual é considerada "insustentável" pela ABC. "[A queda do investimento] paralisa laboratórios, por falta de insumos e peças de reposição, impede o pagamento de projetos já aprovados pelas agências de financiamento, e prejudica a formação de uma nova geração de pesquisadores", indicou a instituição.

 

Somada ao aparente desinteresse do governo, a lenta retomada econômica deve impedir uma recuperação do P&D no curto prazo, afirmaram os entrevistados pelo DCI.

 

Apesar de pouco otimista com o futuro, Helena Nader disse que está torcendo para que o MCTIC consiga "sensibilizar" o Ministério da Fazenda. "A situação atual é bastante grave. Se não houver uma retomada do investimento em pesquisa, os efeitos da crise vão durar por muito mais tempo."

 

 

 

Fonte: DCI São Paulo


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