‘Terceirizar pode ajudar retomada do País’

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Para o especialista em mercado de trabalho, regras possibilitam ganhos de produtividade das empresas

 

RIO - A principal vantagem das mudanças nas regras para a contratação de trabalho terceirizado, aprovadas anteontem na Câmara dos Deputados, será permitir que as empresas brasileiras aproveitem ganhos de produtividade surgidos nas últimas décadas na gestão organizacional, segundo o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), especialista em mercado de trabalho.

 

Em entrevista ao Estado, o pesquisador explicou que o avanço das tecnologias da informação permitiu a globalização das cadeias de produção. As empresas deixaram de fazer internamente todas as atividades, como era no passado. Com o fim da distinção entre atividade-fim e atividade-meio, as companhias nacionais poderão entrar nessa era.

 

Qual o principal efeito das mudanças na terceirização?

O problema da distinção entre atividade-meio e atividade-fim é como separar isso. A teoria diz que a firma é uma junção de tecnologias para evitar custos de transação. Por que as firmas faziam muitas coisas no passado? Porque pedir uma peça exata ou um serviço preciso a outra firma não funcionava. Era mais barato fazer ela mesmo, ainda que isso não fosse muito produtivo, do que contratar fora, por causa de toda a negociação necessária.

 

Hoje não é assim?

Hoje não. As relações de trabalho estão mudando. Existe o trabalho remoto. Com a tecnologia da informação, você consegue mandar por computador o projeto de uma peça com detalhes e o fornecedor faz do jeito que você quer. A grande vantagem da terceirização na atividade-fim é permitir ganhos de produtividade elevados, contratando uma firma especializada em determinado segmento. Com isso, a empresa não tem que fazer algo em que não é especialista. As firmas faziam ou gostariam de fazer isso no Brasil, mas a Justiça do Trabalho poderia considerar como atividade-fim e obrigar a contratar o pessoal, aumentando o custo.

 

A legislação não se adaptou à nova gestão das empresas?

Não só não se adaptou como ela não permitia. Algumas firmas gostariam de terceirizar determinadas funções para ganhar produtividade, mas isso não era permitido.

 

Que tipo de entrave ocorria?

Há uma decisão famosa sobre a Vale, que terceirizou a parte de explosão em uma mina. A Justiça decidiu que aquilo era atividade-fim e que a firma não poderia ser terceirizada. E a mina parou, porque a Vale, se não me engano, não tinha autorização do Exército para usar explosivos. Mexer com explosivo requer treinamento específico, que é caro. Uma vez que a empresa explodiu o túnel e as coisas estão prontas, não interessa a ela ter um funcionário especialista em explosivos. Se não explodir, não tem a mina, mas isso quer dizer que é atividade-fim?

 

A nova lei vai estimular a contratação?

Vai estimular a contratação de firmas especializadas, que tenham maior qualificação e produtividade. As escolas vão terceirizar a contratação de professor? Quando você olha a literatura internacional sobre terceirização, as empresas terceirizam aquilo em que não possuem vantagem comparativa. Não faz sentido uma escola, justamente porque ela “vende” educação, terceirizar isso. A lei permite, mas provavelmente não é o que vai acontecer. As empresas vão terceirizar aquelas atividades na qual não têm desempenho adequado, cuja terceirização vai gerar ganhos de produtividade e redução de custo.

 

O modelo atual desestimula contratar?

Engessar muito as relações, muitas vezes, destrói, em vez de proteger o emprego. Existe o caso de uma fabricante de papel, que tinha sua fazenda de eucalipto e terceirizava o corte. Não é só dar um machado para o trabalhador e mandar derrubar a árvore. Se o pessoal não for treinado direito, pode gerar acidentes, se não cortar a árvore adequadamente, vai perder potencial. Daí, uma decisão da Justiça proibiu a terceirização. O que a empresa fez? Foi à Noruega ou ao Canadá, comprou uma baita máquina e mandou todo mundo embora. Não se protegeu nenhum emprego.

 

Qual a vantagem de haver ganho de produtividade?

Para a economia, tem efeitos positivos, como aumentar o crescimento potencial. A gente tem problema de produtividade estagnada e as novas regras dão a possibilidade de um ganho adicional com mudanças na forma de gerência do negócio. O País está crescendo pouco e isso pode ajudar no processo de recuperação.

 

Melhora a competitividade internacional?

Certamente. As firmas lá fora fazem isso. E você era obrigado a produzir domesticamente sem usar os ganhos de produtividade que existem no mercado. Imagina se a Embraer tivesse que fazer tudo no Brasil? Ela não seria competitiva.

 

Não há risco para os trabalhadores menos qualificados?

O projeto do Senado é melhor do que esse, dá mais proteção ao trabalhador. A chave é acabar com o termo atividade-meio. Com isso, poderá haver ganhos de produtividade. Obviamente, quanto mais mecanismos houver para que essa lei não seja utilizada de forma errada, melhor.

 

E no caso da construção civil?

Já existe na construção civil a subempreitada. De certa forma, os tribunais costumam respeitar, mas ainda havia algum grau de incerteza porque não estava na lei. Isso é um ganho grande de produtividade. Uma obra tem fundação, que é um tipo de tecnologia, depois tem alvenaria, elétrica e hidráulica. Você vai poder ter agora firmas com treinamento qualificado. A produtividade do trabalhador vai aumentar. A empresa vai poder investir nele, porque agora vai poder levar esse trabalhador para diversas obras. As firmas já fazem isso em alguma escala e a nova lei acaba com qualquer risco jurídico. Este é o grande benefício que essa lei pode gerar: segurança jurídica para você criar firmas que tenham ganho de especialização e, com isso, tenham maior produtividade.

 

Vinicius Neder

 

 

Fonte: Estadão (24.03.2017)


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