Justiça do Trabalho nega pedidos de indenização por dano moral coletivo

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Algumas empresas têm conseguido afastar o pagamento de indenizações milionárias por danos morais coletivos, em ações ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) ou por sindicatos, com base na chamada "teoria da repulsa social". Segundo esse entendimento, já adotado até mesmo no Tribunal Superior do Trabalho (TST), se a irregularidade não afetou a coletividade ou a sociedade envolvida e não causou repulsa social, não haveria motivos para a condenação.

 

A aplicação da teoria, que ainda gera polêmica no TST, depende do caso concreto. Os ministros ainda não têm uma posição definida quanto ao uso desse critério. Quando determinadas, as indenizações nessas ações coletivas são direcionadas, normalmente, para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

 

Em um caso julgado pela 3ª Turma, os ministros foram unânimes ao rejeitar recurso do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados, Frangos, Rações Balanceadas, Alimentação e Afins contra um frigorífico e uma empresa agroindustrial.

 

O sindicato recorria de decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Santa Catarina. O TRT negava indenização por danos morais coletivos por descumprimento de norma coletiva que previa o pagamento de prêmio mensal na forma de cesta básica.

 

Para o TRT "os fatos narrados na inicial não afetam a coletividade, sendo que a recorrente não praticou qualquer ato que seja repugnante perante a sociedade; que, no caso concreto, não existe lesão injusta que extrapola a esfera trabalhista individual, atentando-se contra direitos transindividuais de natureza coletiva".

 

Os ministros mantiveram a decisão por entender ser necessária uma lesão significativa "que efetivamente venha a ofender a cultura jurídica da sociedade, ultrapassando a esfera individual, o que não foi demonstrado nos autos", segundo a decisão do relator, Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Para o ministro, a prova do dano moral "deve ser robusta" (AIRR – 832-52.2013.5.12.0023).

 

A teoria também foi aplicada em decisão unânime da 6ª Turma do TST. Os ministros analisavam o pedido de indenização por danos morais coletivos do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio Grande do Sul contra uma empresa de ônibus que não teria cumprido a cota de 5% de seus quadros de aprendizes.

 

A empresa questionava o fato de o órgão considerar na base de cálculo as funções de cobrador e de motorista de ônibus. Isso porque o Decreto 5.598/2005 exclui do percentual mínimo de contratação de jovens aprendizes as funções as quais exijam habilitação profissional de nível técnico ou superior ou os cargos de confiança.

 

Ao analisar o caso, os ministros encontraram precedentes que excluem esses funcionários da base de cálculo e negaram o dano moral. Segundo decisão do relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, "convém ressaltar que não gera repulsa social, a ponto de justificar a condenação por dano moral coletivo, a violação de lei que ocorre de tal modo fronteiriço que o TRT entendeu não estar a lei violada" (RR-814-04.2011.5.04.0741).

 

Especialista em Direito do Trabalho, a advogada Gislaine Pinheiro, do Ulisses Sousa Advogados, afirma que essas decisões são uma reação à tendência do Ministério Publico do Trabalho (MPT) de pedir, em qualquer ação civil pública, altos valores de indenização por danos morais coletivos. "Atualmente tem sido moda pedir danos morais coletivos em qualquer tipo de violação da legislação trabalhista", diz.

 

Para a advogada, é necessário o cumprimento de requisitos que comprovem que o dano pode repercutir na sociedade, na coletividade, e não somente em alguns trabalhadores – que nesses casos podem pedir em ações individuais a indenização por danos morais.

 

Com base nessa nova teoria, a advogada obteve recentemente duas sentenças favoráveis em São Luís (MA). Na 5ª Vara do Trabalho, uma empresa de construções conseguiu afastar uma condenação de R$ 1 milhão em uma ação do MPT por descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho.

 

Na sentença, o juiz do trabalho substituto Adria Lena Furtado Braga cita literatura a respeito da questão, segundo a qual o que "distingue o dano moral coletivo do individual é a ocorrência de um fato que cause intolerância social, sensação de indignação ou repulsa coletiva, causada por um dano de tamanha monta, que provoque repercussões históricas em um determinado grupo ou à sociedade como um todo" (ACP 0016447-90.2016.5.16.0015).

 

Com a mesma justificativa, a advogada obteve sentença na 4ª Vara do Trabalho de São Luís, em uma ação civil pública contra uma empresa de empreendimentos imobiliários. (ACP 0016297-45.2016.5.16.0004).

 

Os advogados trabalhistas Arthur Cahen e Marcus Mingrone, do Cahen & Mingrone Advogados, também acreditam que essas decisões são resultado da banalização desses pedidos na Justiça do Trabalho. Para eles, os juízes também têm levado em consideração o contexto econômico e político do país. "Uma empresa, que já não está bem economicamente, pode quebrar em consequência de um pedido desses ", diz Cahen.

 

Apesar das decisões, a tendência majoritária no TST ainda é manter a indenização por danos morais coletivos. Em um julgado recente da mesma 6ª Turma, a ministra Kátia Magalhães Arruda afirma que "não cabe perquirir acerca da lesão subjetiva a cada um dos componentes da coletividade ou mesmo da verificação de um sentimento social de indignação, desapreço ou repulsa, mas da gravidade da violação infligida à ordem jurídica".

 

No caso, como se trata de descumprimento reiterado de normas relativas à jornada de trabalho, a ministra entendeu que "atinge toda a coletividade de trabalhadores – antigos, atuais e futuros". Assim, fixou indenização por danos morais coletivos e foi seguida pela maioria (TST-RR-532-67.2012.5.01.0432).

 

O procurador regional do trabalho do Rio Grande do Norte, Xisto Tiago de Medeiros Neto, que também é professor universitário, afirma que essas decisões que excluem o dano moral coletivo com base na repulsa social não são tendência na Justiça do Trabalho. Para ele, "a invocação da ocorrência de repulsa social é juridicamente imprópria para justificar, por si, a configuração ou o valor da reparação do dano coletivo, porque é um elemento de ordem subjetiva e de inviável aferição na prática".

 

Segundo o procurador, o MPT adota critérios objetivos para formular o pedido de danos morais coletivos. Entre eles, a natureza do direito fundamental atingido, a extensão e gravidade do dano, a vantagem econômica obtida pelo infrator com a conduta ilícita, a existência de culpa ou dolo e a eventual reincidência. "Além disso, quanto à expressão do valor postulado, toma-se por base a capacidade econômica da empresa."

 

Por Adriana Aguiar | De São Paulo

 

Fonte: Valor Econômico (17.10.2017)


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