Deixar de recolher ICMS após venda não é crime contra ordem tributária

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Conforme noticiado por este Valor, anteontem a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento do Resp nº 1598005, no qual analisa a existência de crime contra a ordem tributária em função de operações de venda de mercadoria sem recolhimento posterior do ICMS. O julgamento acabou sendo suspenso pelo pedido de vista do ministro Reynaldo Fonseca. O debate se refere à correta interpretação do artigo 2º, inciso II da Lei nº 8.137/1990, que elege como conduta típica “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.  Para o relator, porque o ICMS é repassado no preço do bem, a ausência de recolhimento posterior resultaria em apropriação indevida do montante embutido no preço e pago pelo consumidor – isso, mesmo diante da ausência de informações falsas constantes da nota fiscal.

 

Em regra, sempre que houver uma operação de circulação de mercadorias, por exemplo, haverá a incidência do imposto. O mecanismo pelo qual o sistema jurídico mitiga as incidências múltiplas está no artigo 155, parágrafo 2º, incisos I e II da Constituição: trata-se do princípio da não cumulatividade, que prevê créditos relativos ao ICMS devido na operação anterior, a serem compensados com débitos da operação atual. Essa sistemática pressupõe, então, o repasse do imposto no preço do bem e é exatamente esse repasse que irá dar solidez ao crédito do adquirente.

 

Contudo, a legislação prevê que o ICMS deve ser calculado “por dentro” e, assim, ser computado no preço do bem antes da incidência do próprio imposto. Por essa razão, não se pode falar em cobrança direta de ICMS de terceiro (adquirente). A bem da verdade, o imposto devido na operação se mistura com o próprio preço cobrado pelo bem.

 

Sendo assim, seria descabido tentar qualificar a conduta de não pagamento do ICMS após a emissão da nota, com o imposto respectivo embutido no preço,  como aquela constante do artigo 2º, inciso II da Lei nº 8.137/1990. Tal dispositivo tem por pressuposto a titularidade do adquirente à quantia retida e não paga.

 

Nesse sentido foi a decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura: não há que se falar em apropriação indébita porque o sujeito adquirente do bem não é contribuinte do imposto e as hipóteses do artigo 2o, inciso II da Lei nº 8.137/1990 estariam limitadas a tais casos.

 

Essa postura é coerente com a jurisprudência sedimentada tanto no próprio STJ quanto no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação às causas tributárias. 

 

Na hipótese de recolhimento ou repasse indevido do ICMS no preço da mercadoria, teria o comprador do bem o direito de pleitear a restituição dos valores pagos (repassados) a maior? Segundo o STJ, a resposta seria negativa, exatamente porque não é contribuinte do imposto. A compreensão foi firmada no julgamento do recurso especial nº 903.394, julgado pela 1ª Seção.

 

Na mesma linha é o debate sobre operações com entidade imune na condição de compradora de bens de terceiros não imunes. Diante da imunidade do adquirente, seria possível assegurar o não repasse do ICMS no preço do bem? Segundo decisão unânime do STF, com repercussão geral reconhecida, em fevereiro de 2017 (RE 608.872): “A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido”

 

Sendo assim, é descabida a tipificação da conduta do contribuinte que embute o ICMS no preço do bem, mas não o recolhe posteriormente, como crime contra a  ordem tributária tipificado no artigo 2o, inciso II da Lei nº 8.137/1990. Não há crime algum nessa conduta, mas, tão somente, descumprimento da norma tributária, que deve ser punido com os mecanismos tributários atualmente vigentes. O uso do direito penal nesse caso é abusivo e ilegal.

 

Fonte: Valor – 16/03/2018.


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