Emissão de ações da BRF torna possível fusão com a Marfrig

Leia em 8min 30s

Operação pode levantar R$ 8 bi, mas uma das maiores acionistas é contra o negócio

 

A aprovação, no começo da semana, de uma oferta secundária de ações (follow on) da gigante do setor de proteína animal BRF em uma assembleia de acionistas abre caminho para a Marfrig aumentar sua participação na companhia e, eventualmente, preparar-se para uma fusão futura.

 

No entanto, analistas de mercado avaliam que outros acionistas relevantes da BRF dificilmente aceitaram diluir suas participações para que a Marfrig assuma o controle da empresa.

 

A Marfrig é uma das maiores produtoras de carne bovina do mundo e comprou ações da BRF em 2021. Atualmente é o maior acionista da empresa, que concentra sua atuação em aves e suínos, com 31,66% do capital.

 

Na assembleia, o fundo de pensão Petros, de funcionários da Petrobras, votou contra a operação; O fundo Previ, dos empregados do BB, se absteve. Os dois fundos de pensão estão entre os principais acionistas da empresa.

 

Para advogados ouvidos pelo GLOBO, o caso deve gerar questionamentos da Petros junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pode até mesmo se tornar alvo de uma arbitragem.

 

Oferta tem potencial de levantar R$ 8 bi

 

Em comunicado ao mercado nesta terça-feira, a BRF afirmou que haverá uma oferta de 270 milhões de ações, que pode ser sucedida de uma oferta adicional de 20%, ou seja, de 54 milhões de ações.

O follow on é restrito a investidores profissionais e só poderá ter participação de, no máximo, 50 investidores.

 

Considerando-se o preço dos papéis da BRF no fechamento do pregão de segunda-feira (R$ 24,75), a oferta poderia levantar entre R$ 6,7 bilhões e R$ 8 bilhões para a companhia, que pretende usar os recursos para reduzir seu endividamento.

 

 

O aumento de capital foi endossado por 81,7% dos acionistas presentes na assembleia, que representam 68,5% das ações disponíveis da BRF.

O mercado reagiu mal às incertezas que rondam o negócio: as ações da BRF caíam 6,59% às 17h, cotadas a R$ 23,12. Já as da Marfrig recuavam 2,54%, avaliadas em R$ 22,66.

 

Petros indica que não vai abrir espaço

 

Se a Marfrig subscrevesse todas as novas ações, chegaria a 51,19% da BRF, considerando-se a composição acionária atual da empresa. Este cenário, porém, é improvável devido à resistência de outros acionistas relevantes da BRF em terem sua participação diluída na operação.

 

É o caso do fundo de pensão Petros, que detém hoje 7% do capital da BRF e votou contra o follow on na assembleia por considerar o momento ruim. Os papéis da BRF estão em um preço considerado baixo.

Outro acionista relevante é a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que tem 6,1% do capital da BRF e se absteve na assembleia.

 

— O follow on hoje foi bastante criticado pela Petros e pela Previ porque hoje as ações da BRF estão descontadas, o que é ruim para o investidor que tem ações da empresa. De qualquer modo, porém, a operação vai ajudar a BRF porque deverá reduzir o nível de endividamento de 2,2 vezes o EBITDA (lucros antes de juros impostos depreciação e amortização), considerado alto, para 1,1 vez — afirma Leonardo Alencar, sócio da XP e diretor do setor de agro, alimentos e bebidas na corretora.

 

Para o analista, a Marfrig deve aumentar sua participação na BRF, mas é improvável que assuma o controle por enquanto.

 

Brecha no estatuto pode ser judicializada

 

A Marfrig pode se beneficiar de uma exceção à cláusula poison pill (pílula do veneno) no estatuto da BRF, que obriga qualquer acionista que exceder a participação de 33,3% de seu capital a fazer uma oferta por toda a companhia com um prêmio sobre a maior cotação média dos papéis de 30 ou 120 dias anteriores.

 

A regra imporia um custo que inviabilizaria o negócio para a Marfrig, mas não se aplica a acionistas que superem essa fatia das ações em aumentos de capital, caso em que se enquadraria o follow on, na visão de administradores da BRF.

 

Ao manifestar seu voto contra o follow on, o fundo Petros anexou um parecer de Marcelo Trindade, advogado e ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários, órgão regulador do mercado de capitais), em que se argumenta que a operação não pode se enquadrar na exceção prevista no estatuto.

 

O documento afirma que a ordem do dia da assembleia de acionistas menciona a aprovação de um aumento de capital, mas diz que “na verdade, as principais condições da operação serão estabelecidas (e, portanto, o aumento de capital será de fato aprovado) pelo conselho de administração” da BRF.

 

“Essa delimitação de condições de um futuro aumento de capital a ser (possivelmente) deliberado pelo conselho de administração não constitui uma deliberação assemblear de aprovação de um aumento de capital”, argumenta Trindade.

 

Como o conselho de administração da BRF é que vai delimitar a quantidade de ações emitidas e o preço por ação, para o advogado não se aplica a exceção à poison pill. O parecer indica que a questão deve ser judicializada.

 

Proposta é genérica em alguns pontos e específica em outros, diz advogado

 

Para o advogado Bruno Furiati, sócio do escritório Sampaio Ferraz, a manifestação da Petros faz sentido ao questionar a necessidade do aumento de capital no presente momento e por que desenhar a operação de modo a contornar a poison pill.

 

— A Petros toca em pontos importante e um deles é a destinação dos recursos. A administração da BRF fala em usar o valor (a ser levantado com a oferta de ações) para reduzir dívida líquida, mas não mostra qual será a destinação específica dos valores — ressalta o advogado.

 

Ele continua:

 

— A proposta é muito genérica em alguns pontos, mas bem específica em outros, como no desenho de uma oferta restrita. Abre margem para a interpretação de que se adota um caminho transverso para contornar o estatuto e não disparar a poison pill, o que beneficiaria a Marfrig caso a empresa aumente sua posição acionária — opina Furiati.

 

O advogado afirma que, caso a operação seja levada a cabo e a Marfrig de fato aumente sua participação acionária na BRF para além de 33,3% sem realizar uma oferta pública de aquisição, a Petros e outros acionistas devem recorrer à CVM e a tribunais arbitrais na tentativa de forçar a empresa a fazer a oferta.

 

— É do interesse da Marfrig o follow on porque vai permitir à empresa aumentar sua posição acionária e a companhia está nos menores níveis de alavancagem (endividamento) de sua história. Não vai passar dos 50% de participação agora no primeiro momento, já terá o bastante para mudar o perfil da companhia e prepará-la para uma fusão futura. Em abril, haverá mudanças no conselho de administração da BRF e a Marfrig deve indicar conselheiros — explica Alencar, da XP.

 

Fusão seria interessante para Marfrig em momento difícil para BRF

 

Para o analista, no entanto, a alta de preços de milho e soja, que pressiona os custos da BRF, além das incertezas no cenário macroeconômico, pode fragilizar mais a saúde financeira da empresa.

 

Uma eventual fusão com a Marfrig é vista como potencialmente positiva porque pode gerar sinergias comerciais relevantes, especialmente em mercados internacionais como Oriente Médio e China, mas tem desafios importantes, na visão da XP.

 

— É positiva uma diversificação de proteínas para a Marfrig, mas há uma grande diferença de perfil entre a empresa e a BRF hoje. A Marfrig tem um comportamento de mercado de commodity: se o melhor preço é no mercado doméstico, aumenta posição aqui, mas se o real se desvaloriza, muda o foco para o mercado internacional e eventualmente desabastece clientes aqui — afirma Alencar.

 

Ele continua:

 

— A BRF não tem esse perfil, faz negociações de longo prazo e garante fornecimento ao longo do tempo. São relações muito diferentes e que podem gerar algum estresse em uma eventual união.

 

Eventual fusão beneficiaria Marfrig, avalia analista

Para Luiz Carlos Corrêa, da gestora Nexgen, a visão do mercado é de que se trata de uma operação que beneficiaria a Marfrig.

 

— As ações da BRF estão negociadas abaixo de um valor considerado justo, que seria de um múltiplo de 6 vezes o valor do seu EBITDA: a cotação está abaixo de 5 vezes. Parece haver um movimento do Marcos Molina (presidente do conselho de administração da Marfrig) para assumir uma participação na BRF e a Petros votou contra porque provavelmente enxerga esse movimento — afirma ele.

 

Para Corrêa, a fusão de BRF e Marfrig geraria uma gigante do segmento de proteína animal capaz de rivalizar com JBS, mas é uma operação com potencial para ser barrada por órgãos reguladores como o Cade.

 

“Nunca pensamos que a Marfrig seria um acionista passivo da BRF. A companhia tem um longo histórico de fusões e aquisições agressivas e transformadoras”, afirmou o BTG Pactual em relatório quando da aprovação da operação pelo Conselho de Administração da BRF, em dezembro. Para os analistas, a operação “permite à Marfrig exercer o controle sobre a BRF”.

 

Marfrig e BRF não têm comentado a possibilidade da Marfrig assumir o controle da BRF.

 

Redação SuperHiper


Veja também

Marfrig investe na produção de carne nobre na Patagônia

Unidade da companhia localizada em ilha remota no extremo sul do Chile abate 180.00 animais por ano   Consid...

Veja mais
Valor da carne vegetal vai ficar mais acessível, diz CEO da Fazenda do Futuro

Startup de plant based aposta que categoria irá crescer também pela alta no preço da carne animal&n...

Veja mais
Consumo de carne despenca e não se recupera na pandemia

Dados da Embrapa apontam que o ciclo da pecuária pode atrasar ainda mais a retomada do mercado   O consumo...

Veja mais
JBS compra empresa espanhola e entra no mercado de carne cultivada em laboratório

Companhia também construirá, no Brasil, um centro de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia de alimen...

Veja mais
Abate de suínos aumenta, mas de bovinos cai no terceiro trimestre

O abate de suínos subiu 7,6% e o de frangos 1,2% no terceiro trimestre de 2021, conforme mostram os primeiros res...

Veja mais
Chega ao mercado frango plant based carbono neutro da BRF

Novidade foi anunciada durante a COP26 e integra portfólio da linha Sadia Veg&Tal   A BRF, uma das mai...

Veja mais
Disparada no preço da carne e crise acentuam furto da proteína nas lojas

Rede paulista revela que indicador de perdas no açougue subiu 33% este ano ante 2020   Se tem um indicador...

Veja mais
Seara reforça portfólio e prevê crescimento superior ao mercado na linha plant based

Os novos produtos da JBS foram definidos após pesquisa com mais de 3 mil consumidores     Em uma...

Veja mais
Governo propõe regras de qualidade para venda de carne moída

O Ministério da Agricultura irá submeter à consulta pública uma proposta de novo regulamento...

Veja mais