Veto à carne derruba preço e gera reação política no Pará

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Produtores reivindicam limite maior de desmatamento e dizem que a pecuária no Estado pode entrar em colapso - Valor da arroba da carne cai até 15% após ação contra criação em área devastada; fazendeiros afirmam que maioria não cumpre a lei

 

A redução entre 10% e 15% do preço da arroba da carne no Pará foi a primeira consequência da ação do Ministério Público Federal contra a produção de carne em áreas ilegalmente desmatadas na Amazônia. Com exceção de países da África e do Oriente Médio, destinos de parte da produção, os demais mercados só aceitam a carne do Pará a preços reduzidos, informa o frigorífico Bertin, também autuado como parte da cadeia produtiva do "boi do desmate".

 

A reação política foi mais rápida do que os efeitos econômicos no Estado movido à pecuária: representantes do agronegócio pressionam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a mudar o código florestal, lei que fixa limites de desmatamento mais rígidos para a Amazônia. Alegam que, sem a mudança, há risco de a pecuária do Pará, com 17% do rebanho nacional, entrar em colapso.

 

Embora a ação movida pelos procuradores no início do mês atinja apenas 21 grandes fazendas, produtores locais reconhecem que a maioria dos estabelecimentos não cumpre o atual limite do desmatamento, de 20% das propriedades localizadas na floresta, e também poderão ser impedidas de comercializar gado.

 

"O Pará pode falir, isso depende da velocidade com que se derem os embargos [das áreas desmatadas]", diz Rodrigo Otávio de Paula, diretor da Agropecuária Santa Bárbara, que tem nove fazendas na lista do MP. "Se considerarmos a legislação vigente, a grande maioria [dos produtores] está à margem da lei", calcula o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), envolvido na mobilização política em favor de mudanças no código florestal.

 

Com a venda de bois para abate suspensa desde o início do mês, a Santa Bárbara -da qual é sócia o Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas- investe na venda de rebanho a fazendas não embargadas como alternativa de negócio. "Se o controle da cadeia produtiva chegar ao bezerro, vai travar tudo", prevê Carlos Eduardo Antunes Oliveira, gerente da Cedro, uma das fazendas do grupo, distante 50 quilômetros do centro de Marabá.

 

A Santa Bárbara aparece na lista do Ministério Público como responsável por 34% das áreas de pastagens que tiveram a produção embargada, de 1.500 quilômetros quadrados, o equivalente à cidade de São Paulo. E é cobrada a pagar uma indenização de R$ 670 milhões, a terça parte do valor total aplicado às fazendas processadas, de R$ 2,1 bilhões.

 

O maior projeto de criação de bois do mundo - mais de 500 mil cabeças de gado- já teria deixado de vender 20 mil cabeças desde o início do mês, segundo informação da empresa.

 

Repercussão

 

Mas o embargo da produção não repercute apenas nas grandes fazendas. Com a paralisação da produção do frigorífico Bertin no Pará durante uma semana, o preço da carne caiu no início do mês. Os abates foram retomados no dia 14, em ritmo mais lento. A redução foi de quase 30%, ou mil cabeças de gado a menos por dia.
"Estou recomendando que o produtor não comercialize os bois com esse preço baixo", disse o presidente da Faepa (Federação de Agricultura e Pecuária do Pará), esperando a recuperação do preço, que já ecoa na economia local. A pecuária é a principal atividade econômica de 78 dos 143 municípios paraenses. No conjunto, responde por 14% do PIB do Pará.

 

Pequenos, médios ou grandes, a maioria dos pecuaristas da região de Marabá fornece gado ao frigorífico Bertin e percebe os efeitos da ação do Ministério Público.
Assentado do projeto de reforma agrária Gabriel Pimenta, a 130 quilômetros de Marabá, Lourival de Araújo cria 700 cabeças de gado e viu as vendas ao comércio local despencarem. "Estamos em pânico", disse.

 

Pedro José de Campos, presidente da associação sul-paraense de pecuária, também fornece gado para o frigorífico Bertin, com quatro fábricas no Pará. "Aqui, não tem condições de comprar boi rastreado, em dia com o ambiente", disse, defendendo mudanças no limite de desmatamento atualmente em vigor.

 

O principal argumento dos pecuaristas é que eles foram estimulados pelo governo a desmatar metade das propriedades até a mudança das regras, a partir de 1996, quando o limite de desmatamento foi reduzido a 20% das áreas.
"O governo não pode forçar o empresário a manter a reserva. É como obrigar um carro que corre a 100 km/h a andar a 20 km/h", afirma Francisco Victer, presidente da União das Indústrias Exportadoras de Carne do Pará.

 

"Respeito às leis tem custo", diz procurador

 

O procurador da República no Pará Daniel César Azeredo Avelino, um dos responsáveis pelas ações que pediram embargo da carne de área desmatada ilegalmente, diz que o respeito às leis tem um "custo" e que com os pecuaristas não é diferente.
 

 
FOLHA - Como o sr. vê as queixas de pecuaristas e frigoríficos após as medidas do MPF?
DANIEL CÉSAR AZEREDO AVELINO - É natural que, quando você toma medidas de ajuste no setor, haja perdas de algum montante econômico. A preservação ambiental e o respeito às leis têm custo para mim e para você e devem ter para o setor pecuarista. Temos que tomar cuidado para não perder o foco do debate sobre desmatamento, a falta de controle e as medidas para regularizar a situação.

 

FOLHA - Os produtores dizem que o MPF age em conluio com as ONGs.
AVELINO - A gente não entra nesse tipo de debate, cujo único objetivo é tirar o foco do problema. O que posso dizer é que ONG internacional não aprova lei no Brasil, e o MPF baseia todo o seu trabalho em leis aprovadas pelos congressistas.

 

FOLHA - Há futuro para a pecuária na Amazônia?
AVELINO - Sim, desde que seja de forma sustentável. De 1996 a 2006, o desmatamento na Amazônia foi de 209.000 km2. Nesse período, o rebanho cresceu

 

Veículo: Folha de S.Paulo


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