Boi verde na linha?

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A pugna entre Ministério Público, ambientalistas e pecuaristas sobre o desmatamento da Amazônia para aumentar o rebanho e áreas de pastagens
 
 

Presente não é de hoje na pauta dos cadernos de política e agribusiness dos grandes jornais e tribunais do país, o assunto tem esquentado nas últimas semanas a discussão entre ambientalistas, pecuaristas e o Ministério Público. Depois da soja, a pecuária extensiva passou a ser apontada por entidades sociais e ambientalistas, como o Greenpeace, como o grande responsável pelo desmate e trabalho escravo nos rincões da Amazônia. Só que agora a situação ganhou novos contornos, desencadeando uma série de acontecimentos.

 

Como resposta às denúncias de que a pecuária é a principal responsável pelo desmatamento na Amazônia, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai exigir rastreabilidade dos frigoríficos (cujo projeto prevê uma série de exigências para a concessão de empréstimos por parte do banco), para aumentar o rebanho e novas áreas de pastagens. Dentre as exigências está a implementação de um programa de rastreabilidade que permita dizer se a carne que chega aos supermercados, restaurantes e no prato do consumidor, enfim, tem origem em fazendas que contribuem para o desmatamento do ecossistema amazônico.

 

Boi de brinco?

 

A rastreabilidade é tida como a única forma de garantir com segurança que o gado não avance em áreas de desmatamento. Entretanto, os desafios para se colocar um “brinco” na orelha do boi são muitos. O principal é o notório alto índice de sonegação no setor. Estima-se que 35% do abate realizado no País seja informal. “O setor frigorífico brasileiro avançou muito, nos últimos anos. O ajuste feito foi fortíssimo e houve, claro, a intervenção do BNDES para que isso ocorresse. A sonegação realmente é alta e o controle pelos brincos não funcionará na forma em que toda a cadeia produtiva está atualmente organizada”, afirma Sylvio Lazzarini Neto, dono dos restaurantes Varanda Grill e Magistrale, em São Paulo, e presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Gado (Abraco). (Releia, clicando aqui, a entrevista exclusiva concedida por ele à Prazeres da Mesa, na qual o especialista antecipa que a Amazônia é a única - e última - fronteira do mundo, nos dias de hoje, com potencial agropecuário).

 

Passo de tartaruga

 

Só que o setor de carnes, tão atento às exigências sanitárias, demorou muito a considerar que a sustentabilidade da produção pode abrir mercados, e que a falta dela pode fechar portas - as chamadas barreiras não tarifárias. As indústrias de soja e de cana-de-açúcar foram muito mais espertas e hoje investem em certificações socioambientais para separar o joio do trigo. O próprio varejo, temeroso de ficar com a imagem chamuscada perante consumidores e acionistas, tratou de limpar sua barra rapidamente. “Fica mais uma lição para os líderes do agronegócio. Os tempos mudaram e não dá mais para considerar sustentabilidade como um modismo ou perfumaria. Os frigoríficos já estão sentindo no bolso essa nova realidade”, sublinha Lazzarini.

 

Para ele, o importante é preservar o que já está estruturado, como as empresas do setor frigorífico que operam na legalidade e os produtores que adotam tecnologia de ponta na pecuária de corte extensiva, mesmo operando nos Estados do Pará, Tocantins e Mato Grosso. “O problema a resolver é com os pequenos frigoríficos e abatedouros que se instalam em locais próximos às regiões de fronteira e consequentemente permitem que produtores inescrupulosos continuem o desmatamento e operem uma pecuária extrativa e criminosa. A questão passa basicamente pelo seguinte: todo frigorifico instalado nessas circunstâncias tem de ser fechado - e ponto final”, defende.

 

Segundo Lazzarini, o Ministério da Agricultura, através do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA), tem totais condições de cassar o SIF (Serviço de Inspeção Federal) desses abatedouros, o que inviabilizaria inevitavelmente essa atividade nas regiões de fronteira. “Na medida em que esses 'pseudoprodutores', que são sonegadores contumazes, tiverem que vender seus produtos para grandes grupos frigoríficos vão esbarrar na questão tributária e sanitária - o que significará seu desaparecimento”, acredita.

 

Ainda para o especialista e restaurateur paulistano, não há nenhuma ligação entre o avanço do desmatamento na Amazônia e a baixa produtividade da pecuária nacional. “Esse processo predatório é decorrente primordialmente da extração ilegal de madeira. A pecuária vem como forma de complementar o primitivismo extrativista. Isso abre oportunidade para que abatedouros clandestinos ou camuflados (leia-se, aqui, aqueles que operam com autorização do próprio governo), viabilizem o “círculo mortífero” (desmatamento, madeira, plantio de capim, criação do gado e abate)”, esclarece. Lazzarini aposta, de outro lado, que o chamado ciclo virtuoso só se consolidará quando a cadeia produtiva se organizar a partir dos frigoríficos legalizados que não operam com sonegação fiscal. “Isso porque o pecuarista, seja ele invernista ou recriador, passará a não comprar mais animais de quem não fornecer nota fiscal”, diz.

 

Boicote à carne ilegal

 

Antes do anúncio do BNDES, um estudo do Greenpeace havia chamado atenção do Ministério Público Federal do Pará, que começou a investigar essa cadeia. Por recomendação do MPF, as três maiores redes de supermercados que operam no País - Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart - e a Abras, entidade que representa o setor, anunciaram um boicote à carne produzida no Pará. Na esteira, o IFC, braço de financiamentos à iniciativa privada do Banco Mundial, rescindiu em junho o contrato com o frigorífico Bertin. O grupo deixou de receber uma parcela de US$ 30 milhões de um financiamento e terá de devolver outros US$ 60 milhões de um contrato firmado em 2007.

 

No meio desse turbilhão, a Abiec, entidade que representa os exportadores de carne, esperneou. Ameaçou processar o Greenpeace, alegando que o relatório não diferencia os bons criadores, que usam práticas modernas de pecuária, dos matadouros de fundo de quintal. O presidente da entidade, Roberto Giannetti da Fonseca, em parte tem razão. Há o boi criado com rastreabilidade e tecnologia. Mas o que está sob os holofotes é a pecuária que invade terras, desmata e ainda escraviza pessoas.

 

Veículo: Portal UOL


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