Em 16 anos, IPCA fica abaixo ou no centro da meta apenas em 4

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O namoro persistente da inflação com o teto da meta deixa dúvidas se ela fechará 2014 dentro da banda estabelecida pelo Banco Central, embora a inflação de novembro - com alta de 0,51% - tenha elevado as chances do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrar o ano dentro do limite de 6,5%. Nos últimos 16 anos, o comportamento dos preços não tem sido muito diferente. No período, a inflação brasileira só esteve abaixo ou no centro da meta em quatro anos: 2000, 2006, 2007 e 2009. História e expectativas abrem espaço para divergências entre os economistas sobre a dinâmica inflacionária brasileira e a forma de alterá-la nos próximos anos.

Para parte deles, foram os rumos da política econômica adotada a partir de 2011 que fizeram com que a inflação brasileira fosse, na média dos últimos anos, pelo menos um ponto mais alta que a apresentada por seus pares latino-americanos. Tal estrago, nessa ótica, só poderá ser revertido com juros - o que vem sendo chancelado pelo Banco Central - e ajuste fiscal.

Na avaliação de outro grupo, a saída é gradual e passa, necessariamente, pelo enfrentamento de componentes estruturais - em especial a desindexação de preços da economia. Para esses, é crucial entender que de 1995 a 1999 o câmbio fixo deu conta do recado ao levar a inflação à lona. Mas desde a desvalorização do real, em 1999, o centro da meta inflacionária só foi atingido quatro vezes. Depois disso, a alta de 5,84% obtida em 2012 foi o mais próximo que chegamos dos 4,5% estabelecidos pelo Banco Central em 2005.

Parte deste grupo, Antonio Correa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo, diz que a inflação registrada nos últimos anos não está descontrolada, mas resistente, perto de 6%, e uma mudança desse quadro passaria por mudanças na estrutura inflacionária, tendo como primeiro alvo a indexação de preços. "Não vamos encontrar no mundo um país com tanta indexação quanto o Brasil. Tudo é indexado: preço do aluguel, preço da tarifa, pedágio, uma série de coisas que são quase uma repetição da inflação passada e que muitas vezes tem pouco a ver com a estrutura de custo daquele setor", diz. "É algo que nós temos que rever, de uma forma pactuada, claro, para não gerar quebra de contratos".

Para Lacerda, a comparação com outros países tem que ser feita entre economias semelhantes: África do Sul, Rússia e Índia, países que têm inflação resistente e mais elevada que a média. A comparação, diz ele, é mais adequada porque são países com grande transição demográfica, de urbanização e de padrão de consumo, com impactos na demanda e, portanto, no preço dos serviços, da mão de obra e dos alimentos. Também são países de grande população e economia razoavelmente diversificada e que têm, portanto, questões estruturais a lidar, como perda de produtividade e encarecimento de alguns serviços - outros fatores que jogam a inflação para cima.

Em 12 meses até agosto, diz Lacerda, a inflação na Rússia subiu 7,6%, na Índia, 6,8% e na África do Sul, 6,4%. Para ele, se a hipótese estiver correta, seria um grande equívoco do governo tentar baixar muito rapidamente a inflação no Brasil sem abordar esses problemas estruturais porque os juros teriam que subir muito. "E isso comprometeria muito a indústria, o PIB e o emprego".

Não é o que pensa Carlos Eduardo Gonçalves, professor da Faculdade de Economia da USP, diz que "a inflação atual é resultado de uma política fiscal e monetária ultraexpansionista a partir do fim de 2011 combinada com excesso de voluntarismo na reação pós-crise". Segundo ele, a forma de resolver o problema seria unir ajustes monetário e fiscal, de forma a não colocar um ônus muito grande na política monetária. "Hoje, o superávit primário real está perto de zero e eu levaria para perto de 2% [do PIB] gradativamente, revertendo essas políticas de desoneração que chegam a R$ 40 bilhões, diz Gonçalves. Isso somado a mais alguma alta nos juros "colocaria a inflação em trajetória de convergência, que chegaria perto do centro da meta em dois anos, no fim de 2016."

Ao ajuste monetário e fiscal, José Julio Senna, pesquisador da área de economia aplicada do Ibre/FGV, adiciona controle sobre expectativas - dando liberdade ao BC sem deixar dúvida sobre o que precisa ser feito - e redução da segmentação do mercado de crédito no qual o crédito direcionado para pessoa física é de quase 60% do total e, para pessoa jurídica, 50%. "Isso faz com que os juros de política monetária para conter a expansão do segmento livre tenham que ser muito mais altos, o que é politicamente insustentável."

Para Senna, um superávit primário de 2% a 3% do PIB "não é algo que podemos abrir mão agora". "Qualquer esforço de redução da inflação, para ser eficaz no sentido de trazer resultado em horizonte de tempo razoável e com custo suportável para a sociedade exige que o governo freie nas quatro rodas", diz Senna.

Também contando com um ajuste fiscal para frear a inflação, o economista-chefe da corretora Tullet Prebon Brasil, Fernando Montero, fala ainda de correção "da inércia, das expectativas, do aumento dos serviços e do ritmo dos salários". Montero lembra que a inflação registrada em 1999 e em 2003 vinha de um câmbio que quase dobrou em ambos episódios. "Não é o caso agora, a inflação não é cambial e a crise de confiança é mais efeito que causa dos problemas na economia". Em 2003, diz Montero, corrigiam-se a confiança, o câmbio e a economia. Em 2015, o mix parece um pouco mais complexo. "É difícil imaginar esse tipo de ajuste sem custos sociais".

João Sayad, também professor da FEA/USP, concorda. Em entrevista ao Valor em outubro, ele lembrou que a indexação da economia foi formalizada em 1964, representando direitos para os trabalhadores, para os exportadores e detentores da dívida pública. A indexação, diz ele, seria um "vício adicional", no qual o preço do tomate teria efeito sobre o índice de preços, que modificaria a política salarial, a política da dívida pública, a taxa de juros e a taxa de câmbio. Para Sayad, a solução seria em um momento de inflação baixa estabelecer que a indexação garantida em lei é dada por um núcleo de inflação que não levaria em conta o sobe e desce do "chuchu ou do peixe".

Professor do Instituto de Economia da Unicamp, Claudio Dedecca diz que, com relação à inflação, é preciso "vigiar e punir". Na opinião do economista, há evidências de que levar a inflação para níveis entre 3% e 4% requer reativação dos investimentos no país, ampliando a oferta nos próximos anos e reduzindo custos, como o de energia.

Segundo Dedecca, embora os dois candidatos à presidência tenham vendido o ajuste inflacionário como se fosse algo tranquilo, ele não é. "Nossa vida em 2015 não será tranquila", diz. Ele entende que o grau de liberdade da política de combate à inflação vai se dar com restrições enormes, em especial se houver preocupação em preservar o crescimento. "A não ser que se queira colocar a inflação na meta com dois anos de recessão. Acho que não há condição política de se bancar um ajuste desse tamanho", diz.

O resultado abaixo do esperado para o IPCA em novembro, quando variou 0,51%, abriu uma folga para que a inflação encerre 2014 dentro da meta, ainda que muito próximo do seu teto. O IPCA ficou abaixo da média das projeções de mercado apurada pelo Valor Data, que apontava para 0,54%. Em 12 meses, o indicador acumulou 6,56% e rompeu o teto da meta, de 6,5%, pela quinta vez neste ano, mas a expectativa dos economistas é que a inflação de dezembro fique abaixo de 0,86% e assim traga o índice para dentro da meta.



Veículo: Valor Econômico


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