Corrida contra o tempo

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O rebaixamento da nota de crédito do Brasil, que perdeu seu selo de bom pagador conferido pela agência Standard & Poor’s ( S& P), aumentou a pressão do mercado financeiro e de empresários para que o governo promova um ajuste fiscal efetivo. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, frustrou as expectativas ao não anunciar, ontem, medidas concretas para reequilibrar as contas públicas. Levy corre agora contra o tempo para apresentar uma solução enquanto o país ainda detém o chamado grau de investimento pelas outras duas grandes agências, Fitch e Moody’s. Se perder a chancela de outra agência, o Brasil ficará fora do mapa de grandes fundos de investimentos globais, que só aplicam em países com o selo de bom pagador conferido por pelo menos duas das três grandes classificadoras de risco.

A reação ao rebaixamento não veio apenas do mercado financeiro. Em nota conjunta da Fiesp e da Firjan, os empresários de São Paulo e Rio criticaram a “inação do governo diante da deterioração crescente do quadro econômico no país”.

O câmbio também reagiu ao downgrade, chegando a disparar 2,9% e atingir R$ 3,908, cotação que não era registrada durante uma sessão desde 23 de outubro de 2002. O salto logo nos primeiros minutos de negociação obrigou o Banco Central ( BC) a leiloar US$ 1,5 bilhão aos bancos com o compromisso de recompra no ano que vem, operação conhecida como leilão de linha. A atuação do BC ajudou a conter parte da valorização da moeda, aliada à esperança dos investidores de que Levy faria um anúncio importante. Durante esses momentos de expectativa, o dólar chegou a reduzir a valorização para apenas 0,92%, a R$ 3,833. No fim do dia, porém, a divisa fechou com alta de 1,36%, a R$ 3,850. A Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa), por sua vez, chegou cair 2,3%, mas encerrou em queda de apenas 0,33%, com o índice de referência Ibovespa aos 46.503 pontos.

— A fala do Levy foi um pouco frustrante, já que nada de concreto foi anunciado. Na verdade, o único favorecido foi ele próprio, que ganhou tempo para apresentar uma solução — disse Raphael Figueredo, da Clear Corretora.

De qualquer forma, o comportamento do mercado surpreendeu positivamente quem esperava um tombo nas ações e uma disparada do dólar. Para analistas, isso prova que, na realidatário de, o Brasil já vinha sendo tratado como país de grau especulativo pelos investidores.

— Parte do efeito do rebaixamento já vinha sendo incorporado à Bolsa e ao câmbio. Até porque o mercado financeiro já tinha certeza de que haveria rebaixamento, a única surpresa foi o momento. Mas a tendência é, sem dúvida, de piora. O governo continua incapaz de se articular para implementar novas medidas sobre o Orçamento. Assim, o dólar certamente ultrapassará os R$ 4 — avaliou Daniel Weeks, economista da gestora Garde Asset.

Mas o risco associado ao Brasil, medido pelo contrato de cinco anos de credit default swaps ( CDS, espécie de seguro contra calote) chegou a disparar 14,5%, atingindo os 428 pontos. No fechamento, ficou em 390 pontos, alta de 5%. Com isso, o risco brasileiro superou o da Rússia, de 379 pontos, país que tem a mesma nota pela S& Pe é alvo de embargo econômico. A piora na percepção dos investidores, segundo analistas, decorre da dificuldade que a crise política impõe à realização do ajuste fiscal.

— O Brasil está tendo de resolver problemas fiscais muito importantes em um momento político muito complicado. Os dois problemas se retroalimentam, e isso vai levar a uma contração da economia neste ano muito, muito forte e que deverá gerar uma contração também no ano seguinte — afirmou Alejandro Werner, diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo MoneInternacional ( FMI).

Alberto Ramos, diretor para América Latina do banco Goldman Sachs, criticou as medidas adotadas até agora para sanear as contas do governo:

— A grande dificuldade é que até agora não há nada para mostrar de muito significativo em ajuste fiscal, a não ser um arrocho nos investimentos e um aumento da carga tributária. O pouco do ajuste fiscal que vimos até hoje tem sido de péssima qualidade.

Na sua opinião, as agências de risco e os agentes financeiros se ressentem de uma falta de plano de médio e longo prazos para tornar a situação fiscal do país realmente sustentável. Por isso, a aposta dos especialistas é que o Brasil também será rebaixado pelas outras agências. A previsão é que a Fitch seja a primeira a agir — mas o país ainda deve manter o grau de investimento nessa agência, porque sua nota está dois degraus acima do nível especulativo. Na Moody’s o Brasil está na última nota do grau de investimento, mas, como a agência fez uma alteração em agosto, o país deve ter alguns meses até a próxima revisão.

— O fato de a S& P ter rebaixado o Brasil menos de dois meses ( após a mudança de perspectiva para negativa) reflete a deterioração fiscal acentuada do Brasil e a dinâmica política. Dada essa singularidade, as outras agências podem seguir o movimento — avaliou Clemens Nunes, da FGV- SP.



Veículo: Jornal O Globo


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