Pesquisa do Itaú Unibanco mostra que a população do País prefere o consumo à poupança, não conhece a diferença entre endividamento e inadimplência e vê investimento como ação de risco.
Altos índices de endividamento, imediatismo nos gastos, em geral, e preferência pelo consumo à poupança: características que acompanharam consecutivos governos brasileiros teriam suas raízes em comportamentos da própria população do País.
O estudo Escolhas e Dinheiro, apresentado ontem pelo Itaú Unibanco, mostra vários traços do relacionamento entre o brasileiro e o dinheiro. O trabalho ressalta especialmente a importância do consumo no País, tanto para o governo quanto para a população.
Caio Megale, economista do Itaú, afirma que as atitudes do governo são um reflexo dos hábitos dos brasileiros. "E para as pessoas, o ideal é consumir, comprar alguma coisa palpável e deixar lá na sua casa", completa.
Adriano Gomes, professor da ESPM, inverte a ordem: "o comportamento do governo pode ser refletido pela sociedade no cotidiano".
Entretanto, o especialista pondera que "o governo tem maior consciência do que faz, tem a chave do cofre e tem condições objetivas para tomar atitudes".
Outra característica mostrada pelo estudo da instituição financeira é a preferência do brasileiro pelo consumo imediato em detrimento da poupança. Enquanto que a ideia de consumir rapidamente foi atrelada pelos entrevistados à de economizar, a ação de poupar é considerada arriscada. O confisco da poupança durante o governo Collor seria o grande causador dessa relação.
Megale acredita que "a renda per capta do brasileiro ainda é baixa e dá pouco espaço para que ele poupe e tenha uma vida confortável". O especialista lembra que o comportamento também é visto no governo e completa: "é um círculo vicioso, países que poupam pouco acabam crescendo pouco também".
Para Gomes, "a preferência pelo consumo traz aparência de riqueza, é imediata, ainda que não haja produção efetiva de riqueza". O professor afirma também que "uma riqueza real está ligada a uma ampliação dos investimentos" e que o governo brasileiro precisaria ampliar em 10% a atual de investimento taxa para chegar a condição sustentável de desenvolvimento".
De acordo com o estudo do Itaú Unibanco, o investimento também é associado a uma operação arriscada pela população, na maioria das vezes sendo ligado à compra de ações na bolsa de valores. "A ideia de multiplicar a reserva pela rentabilidade praticamente não faz parte do entendimento ou da prática", afirmam os pesquisadores responsáveis.
Ainda segundo a pesquisa, "poucos percebem como o dinheiro e os juros podem trabalhar a seu favor". De acordo com levantamento da Fecomércio RJ, 85,8% brasileiros que poupam preferiam usar a caderneta de poupança em 2014. Outros 10,4% guardam dinheiro na própria casa e apenas 2,5% aplicam em fundos.
Contas a pagar
O total das dívidas em relação à renda das famílias brasileiras chegou a 46% em julho de 2015, segundo dados do Banco Central (BC). E o alto endividamento é colocado pelos especialistas como mais um traço compartilhado por governantes e governados do País.
"É quase que um traço cultural ter endividamento", afirma Gomes. O professor lembra, porém, que ter dívidas "não é algo ruim, não é um indicador que permita dizer se há boa ou mal gerência. Mas a qualidade dos gastos poderão indicar se haverá ou não geração de renda para saudar esses compromissos". Para ele, "o brasileiro [governo e população] se endivida muito para o curto prazo, o que pode não gerar renda para quitar essas mesmas dívidas depois".
O estudo mostra que os brasileiros atrelam a ideia de estar endividado com o estado de inadimplência. Entretanto, nem sempre a aquisição de crédito é vista como obtenção de uma dívida.
Megale corrobora que "as pessoas não enxergam o crédito como uma dívida" e explica: "quando alguém toma um crédito e o paga, esse alguém não fala como se tivesse pago uma dívida. Mas quando essa pessoa toma um crédito e depois não faz o pagamento, fala-se em dívida".
Veículo: Jornal DCI