De janeiro a agosto de 2019, o Brasil conseguiu um saldo positivo de 539,6 mil vagas registradas, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. É o melhor desempenho dos últimos quatro anos: em 2015 e 2016, o saldo foi negativo (fechamento de 1,3 milhão de vagas no período); em 2017, foram criadas apenas 106,4 mil novas vagas e, em 2018, um avanço de 501,8 mil postos.
Os números animam o setor produtivo, notadamente diante do avanço de pautas econômicas no Congresso. “A reforma da Previdência está andando, a tributária começa a ser discutida. Isso por si eleva nível de confiança do setor produtivo e de agentes externos sobre a economia do Brasil, que vão se converter em novos investimentos e emprego”, avalia o economista Marcelo Alves, da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).
Entre outras medidas desejadas estão o acesso a novos mercados – possibilidade aberta com o anúncio do acordo entre Mercosul e União Europeia -, e um ambiente externo mais equilibrado, sem respingos da polarização entre Estados Unidos e China. “De todo modo, os números têm melhorado de maneira muito lenta, ainda muito tímida, mas o que se percebe é melhora gradual, o que nos dá certo otimismo para próximos meses”, destaca Alves.
O problema, contudo, está no ritmo ainda lento da recuperação econômica. “Quando olhamos os saldos acumulados, para tirar a volatilidade de cada mês, vemos que nos primeiros meses de 2019 a situação está muito parecida com 2018, com pouca diferença. E a situação de informalidade perdura, com pouca geração de emprego formal. Leio os números de forma um tanto quanto pessimista, pois refletem a recuperação lenta em um contexto de desemprego alto”, afirma Bruno Ottoni, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), unidade da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Sem motivos para esperar
O fato é que quem está desempregado – 12,6 milhões de pessoas, segundo o IBGE – não pode esperar. Faz cinco anos que Anselmo Cordeiro, 39 anos, teve seu último emprego registrado em carteira. De lá para cá, tem feito uma série de empreitadas, pequenos trabalhos como pedreiro e “bicos”, com os quais mantém a família, a muito custo.
Mesmo sabendo das dificuldades de retornar ao mercado formal, ele não desiste, e continua a mandar currículo e se apresentar em empresas de recrutamento quando vê um anúncio de vaga.
Cassiane de Almeida Oliveira, 22 anos, ficou apenas seis meses registrada na confeitaria de uma grande loja, e no mês passado, quando saiu do emprego, não pensou duas vezes e decidiu empreender: passou a fazer bolos em casa para vender.
As situações vividas por Cordeiro e Cassiane, ambos moradores de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, resumem o cenário atual do mercado de trabalho: poucas vagas – bastante concorridas – e muita informalidade. Ainda que os números recentes tenham sido positivos, como os do Caged de agosto, o acumulado de 2019 mostra que a recuperação não tem sido suficiente para quebrar o círculo vicioso: sem emprego, não há renda para consumo; sem consumo, as fábricas não produzem e o comércio não vende, e por isso não contratam.
Mais gente por conta própria
A taxa de desemprego no Brasil está em 11,8% (referente ao trimestre móvel de junho, julho e agosto), 0,3 pontos percentuais abaixo do mesmo período de 2018 e 0,6 abaixo do que em 2017. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.
O que chama a atenção, porém, é a composição do emprego. Segundo esse levantamento, o total de empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada é estimado em 33 milhões de pessoas, número estável em relação ao mesmo trimestre de 2018. Por outro lado, aqueles sem registro formal apresentaram elevação de 5,9%, um adicional de 661 mil pessoas. Ao mesmo tempo, a massa de trabalhadores por conta própria também teve elevação, de 1,1 milhão de pessoas (variação de 4,7%).
Um boletim sobre emprego da consultoria A.C Pastore & Associados diz que esses dados ajudam a explicar porque não se vê sinais de aceleração no crescimento do consumo. Segundo a consultoria, entre o fim da recessão e agosto de 2019, o rendimento médio real habitual cresceu apenas 1,8%, ou média de 0,7% ao ano. “Há uma elevada correlação entre as vendas reais do comércio no sentido restrito e a massa salarial (...) A piora qualitativa do mercado de trabalho limita o crescimento da massa salarial, e reduz o crescimento do consumo”, aponta o boletim.
Sobreviver, depois crescer
O diretor de Planejamento e Gestão da Federação de Bens, Serviços e Turismo do Paraná (Fecomércio-PR), Rodrigo Rosalem, explica que a retomada do emprego é mesmo lenta.
“Pensando no comércio, mas é algo que se aplica para a indústria também, tínhamos um cenário de crescimento forte no fim dos anos 2000, com estabilidade até 2014. Com a crise, o consumo caiu muito e a capacidade de investimento do governo ficou nula. A primeira preocupação das empresas é sobreviver, e para isso vão cortar custos. A mão de obra, principalmente. Após o enxugamento, o estabelecimento se adapta a atuar nessa condição. Para voltar a aumentar o número de empregados, só mesmo com uma sinalização forte de aumento de vendas ou muita confiança, até porque relação trabalhista no Brasil é quase como um casamento, ainda com muita burocracia”, argumenta.
A demora na votação da reforma da Previdência é um fator que mina a confiança do setor produtivo, observa Rosalem. “Havia uma expectativa de que isso fosse liquidado ainda no primeiro semestre. Então, cada vez que a votação é adiada, seja por questões técnicas ou políticas, isso gera frustração e a intenção de investimento acaba ficando para depois. Seja em pessoal, seja em infraestrutura”, diz.
O economista Sandro Silva, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), avalia que a reforma da Previdência tem efeitos limitados, porque busca apenas estancar gastos e pode agravar o cenário econômico, ao diminuir as despesas sociais. “O foco da reforma da Previdência está apenas em reduzir o benefício, não houve uma discussão sobre formas de aumentar a receita. Agora, com a informalidade, metade das pessoas ocupadas está fora da Previdência, sendo que era preciso ter mais gente contribuindo”, defende.
Cordeiro e Cassiane, personagens dessa reportagem, mantêm o otimismo. “Já deixei currículo em muito lugar. São poucas vagas, e muita gente concorrendo. Mesmo assim, sempre que tem anúncio, vou lá, tentar alguma coisa”, diz Cordeiro. Cassiane, por sua vez, começou o negócio próprio há apenas um mês, com marca e página oficial no Facebook. Ela já tinha clientes que a conheciam de quando ela ajudava a mãe a fazer bolos caseiros. “Cheguei a mandar alguns currículos depois que saí do emprego, mas não era chamada para nada. Resolvi abrir minha pequena empresa”, conta.
Fonte: Gazeta do Povo