Nos últimos dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma série de declarações que sinalizaram que o dólar caro veio para ficar. Guedes disse que não está preocupado com a alta da moeda americana, destacou que o Brasil vive um "novo modelo de câmbio" e afirmou que a valorização do dólar é boa para todo mundo. O ministro não deixou espaço para dúvidas: o real depreciado é uma realidade que, por um bom tempo, não irá mudar.
Na segunda-feira (17/2), a moeda americana fechou cotada a R$ 4,32, abaixo do recorde registrado na quarta-feira (12), de R$ 4,35, mas muito acima das projeções feitas no início do ano por diversas instituições financeiras. Segundo especialistas, alguns fatores conjunturais explicam a escalada do dólar. Em tempos de incertezas (epidemia de coronavírus, guerra comercial entre Estados Unidos e China, risco de recessão global), os investidores buscam refúgio em moedas mais líquidas, como é o caso do dólar.
Outro aspecto que tem sido decisivo para a depreciação da moeda brasileira é a queda dos preços das commodities. No ano passado, os três produtos mais exportados pelo Brasil foram soja, minério de ferro e petróleo. Historicamente, as commodities respondem por 70% das exportações brasileiras, percentual que tem variado pouco nos últimos anos. Se os preços das commodities caem, os produtos nacionais acabam valendo menos e o real naturalmente se deprecia.
A valorização do dólar afeta, para o bem e para o mal, todos os setores da economia. Alguns se beneficiam. "O real desvalorizado tem um efeito positivo para o país, porque torna os produtos nacionais mais competitivos para exportação", diz José Ricardo Roriz, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). "Assim gira a roda da economia: a empresas produzem mais, a ociosidade diminui, novos empregos são gerados."
Os exportadores são os maiores beneficiados. No setor de suco de laranja, 95% do que é produzido tem como destino o mercado internacional. "Logo, o câmbio é uma variável muito importante para o nosso negócio", diz Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR. "Em linhas gerais, como apontou o ministro Paulo Guedes, um real mais fraco em relação ao dólar é importante para o setor exportador. No nosso caso, porém, a cadeia de valor é muito longa e vai da produção de parte da fruta até o processamento, passando pela logística de exportação para diversos destinos no mundo. Significa, portanto, que boa parte dos custos está em dólar, o que em parte absorve os possíveis efeitos de alta da moeda americana."
Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), diz que o dólar apreciado tem um impacto duplo."De um lado, aumenta a competitividade da indústria no seu viés exportador", afirma. "De outro, encarece os investimentos e as compras de insumos."
Os custos da indústria têxtil, lembra o executivo, são bastante dolarizados (algodão, produtos químicos), o que pode repercutir no preço final dos produtos. "Já no lado da confecção, o impacto direto do dólar é menor, porque a maior parte da sua agregação de valor se dá através de custos vinculados ao real", diz Pimentel.
Duas faces
O presidente da Abit amplia a sua análise. "Do ponto de vista de médio e longo prazo, o dólar de hoje reflete as condições de competitividade do país", afirma. "A moeda tem sempre duas faces. De um lado, você ganha. De outro, perde. O câmbio atual, apesar de nos empobrecer, traz mais possibilidade de o Brasil superar, neste momento, as suas dificuldades sistêmicas e trazer uma competitividade maior para a economia."
Melhorar a competitividade da economia brasileira está no centro das preocupações de líderes de diversos setores. "Mais importante do que o dólar a R$ 4 ou R$ 4,30 é a indústria brasileira ter condições isonÒmicas de competição no mercado internacional", diz Milton Rego, presidente-executivo da Associação Brasileira do Alumínio (Abal). "A alta cambial, na verdade, traz falta de previsibilidade, o que sempre se traduz em custo: ou a empresa adota uma atitude conservadora em relação ao caixa, ou tem de fazer contratos para tentar se proteger da valorização da moeda americana."
Empresas que têm boa parte de seus custos diretos atrelados ao dólar tendem a enfrentar maiores dificuldades. No setor farmacêutico, 95% da matéria-prima usada para a fabricação de medicamentos vem de fora. Segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), o setor está se preparando para absorver os aumentos, mas será difícil evitá-los se o dólar subir demais.
Algumas empresas já admitem inclusive que, se a moeda continuar acelerando, um reajuste de preços será inevitável. Em entrevista recente ao jornal O Estado de S.Paulo, Carlos Zarlenga, presidente da General Motors, disse que a alta do dólar provavelmente obrigará a empresa a reajustar o preço dos automóveis. Segundo Zarlenga, 40% das peças de um carro de passeio são fabricadas no exterior.
As companhias aéreas também sofrem com a valorização do dólar. Na Gol, metade de seus custos estão atrelados à moeda americana e mais de 40% de seu endividamento está exposto a variações cambiais. Ou seja, se o câmbio oscila demais, a empresa tem maiores dificuldades para controlar suas finanças.
Viagens Nenhum setor deverá sofrer mais com a alta do dólar do que o turismo. Com a moeda americana valorizada, os destinos internacionais obviamente ficam mais caros. Segundo a Associação Brasileira de Agências de Viagens, porém, o cenário atual é o mesmo dos últimos anos, com os destinos nacionais respondendo por 60% da procura e os internacionais por 40%.
Dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), no entanto, indicam que os brasileiros estão viajando menos para o exterior. Em 2019, as empresas aéreas transportaram 9,1 milhões de passageiros para fora do país, o que representa uma queda de 2,6% em relação a 2018.
Em dezembro, já com o dólar nas alturas, o cenário piorou. Foram embarcados 757,9 mil passageiros, 13,4% a menos do que no mesmo mês de 2018.
Fonte: Correio Braziliense