A primeira troca de liderança em 20 anos agita o mercado , mas posse do novo presidente só ocorrerá em janeiro
Sérgio Rial gosta dos domingos. É o dia de fugir do mundo, de ter tempo para pensar ou não pensar, já descreveu. Mas, nesse último, Rial parecia particularmente ansioso pela segunda-feira. Ansioso para colocar um número na reação do mercado ao anúncio de sua chegada à Americanas como CEO. Com o Linkedin devidamente atualizado no final de semana, o executivo replicou uma análise da jornalista Adriana Mattos, do Valor, sobre como investidores deveriam reagir bem a seu nome – e juntou ali um gráfico que, em vermelho vívido, mostra como vinha sendo a trajetória da ação em bolsa.
Na primeira hora de pregão desta segunda-feira, AMER3 disparou mais de 20%. Apenas na primeira hora do pregão, a varejista ganhou quase R$ 2 bilhões em valor de mercado. Rial só assume em janeiro do ano que vem, após um período de transição com o atual CEO, Miguel Gutierrez, há três décadas na companhia. O anúncio surpreendeu não só porque analistas não esperavam uma troca de comando neste momento, mas pelo perfil escolhido e também porque os acionistas de referência – o trio do 3G – não têm o hábito de buscar nomes de fora de suas próprias empresas e cultura para tocar seus negócios.
A mudança acontece num momento que já era novo para a Americanas. Em novembro, com a integração de Lojas Americanas e B2W, a varejista deixou de ser uma empresa de dono para se tornar uma companhia pulverizada, ainda que mantendo o 3G na base. Agora, a varejista precisa manter também crescimento, ganhar market share e, especialmente, garantir a rentabilidade do negócio.
A Americanas já foi uma das grandes escolas do varejo brasileiro, mas na última década passou a ser mais questionada sobre as chamadas frequentes de capital dos acionistas (bancadas em maioria das vezes pelos então controladores), lojas físicas malcuidadas e de atendimento relapso, e pressão de consumidores e competidores nos comparativos de preços, prazos e estoques no ecommerce.
O Mercado
O choque de gestão pode ser o caminho. Os relatórios de bancos hoje são só elogios. O J.P.Morgan destaca que Rial tem histórico sólido de retornos em indústrias que enfrentam disrupção digital, pode acelerar a Ame, negócio financeiro da Americanas, e dar frescor à administração com um olhar novo. O Goldman Sachs, que costuma ser mais crítico à execução da varejista foi cauteloso quanto às perspectivas estratégicas, mas destacou confiança na experiência de gestão do executivo.
XP Investimentos e Itaú BBA também ressaltam o olhar novo para as mudanças estruturais e culturais que a Americanas precisa, e o Citi diz que a sucessão é fundamental para o próximo estágio de crescimento da companhia.
Analistas entendem que, até o fim do ano, Rial deve deixar alguma das cadeiras que ocupa hoje, dada a intensa demanda que terá na Americanas e a posição relevante que ocupa em conselhos de grandes empresas. O executivo é presidente do conselho do Santander, presidente do conselho da Vibra (que tem uma joint venture recente de lojas de conveniência com a Americanas), vice-presidente do conselho da BRF, conselheiro da Delta Airlines, chairman da startup Ebury. Vibra e BRF, por exemplo, assumiu só depois de deixar a cadeira de CEO do banco espanhol.
Para o Credit Suisse, a notícia é positiva, na medida em que Rial tem um histórico comprovado em diferentes setores. Segundo o banco, permanece o desafio de entregar um forte crescimento, especialmente no segmento on-line, onde a empresa teve um desempenho inferior ao de seus pares nos últimos anos. A casa tem recomendação de compra para as ações da Americanas, com preço-alvo de R$ 36.
O Itaú BBA também vê o anúncio com bons olhos. “Com essa mudança gerencial, acreditamos que mais investidores provavelmente darão à Americanas o benefício da dúvida e assumirão que mais valor pode ser extraído desse ativo em breve”, escrevem os analistas, que colocaram sua recomendação e preço-alvo para as ações da Americanas em revisão.
Para o BTG Pactual, o nome está sendo bem recebido pelo mercado dada a extensa e renomada experiência de Rial como executivo global (CEO e presidente do Santander Brasil, CEO da Marfrig e presidente da Vibra, além de vice-presidente da BRF). Parte das fontes destacava, porém, a falta de experiência de Rial em um negócio estritamente de varejo – o que não parece ser uma questão para os investidores.
O banco acredita que a medida também reforça o foco da empresa na modernização de suas operações após a reestruturação societária do ano passado e em meio ao processo de integração das divisões de lojas físicas e e-commerce, além da maior concorrência no segmento nas vendas pela web.
Novo Time
“Mudanças de liderança visam reoxigenar o legado e a partir dele criar novas habilidades ou mesmo se assegurar das “acabativas” que às vezes ficam no gerúndio”, escreveu Rial na rede social. “Ao ano de 23, aguardem, muita coisa por vir (…). Bora crescer!”
Curiosamente, Rial teve sua primeira experiência no varejo ainda jovem, antes de entrar para faculdade. Arrumou um emprego numa joalheria de shopping, mas só ficou dois dias. A gerente da loja lhe deu um pano e um frasco de álcool para limpar os vidros da vitrine, uma sensação incômoda que Rial só foi entender anos depois como uma então falta de humildade sua, contou numa entrevista no canal Universia Brasil.
Foi uma lição e tanto, considerando que é um perfil distante do que o executivo construiu nas últimas décadas e da lista de qualidades que seus subordinados em diferentes companhias lhe atribuem como líder.
Diferentemente da Americanas, quando Rial assumiu o Santander estava chegando a uma cadeira quente. O banco periodicamente substituía executivos estrangeiros no comando, que não conseguiam absorver a cultura financeira local e dar rentabilidade ao business.
Rial virou o Santander de ponta-cabeça. Sua gestão “à unha”, como define uma fonte sobre o monitoramento intenso do executivo em cada área do banco, a cobrança constante por eficiência e um ritmo nervoso de mensagens e ligações logo cedo tornaram não só banco mais rentável como colocaram Rial num posto de “chefe ídolo” no banco – o que parece quase contraditório dado o nível de intensidade narrada. “As pessoas querem sentir que estão fazendo diferença, que fazem parte. E isso ele também sabe fazer”, diz esse executivo.
Fonte: Maria Luíza Filgueiras e Matheus Prado, Valor e Estadão