Endividado, brasileiro não consegue mais adquirir bens com renda disponível e bancos restringem empréstimos
Há quatro anos, o paraense Melquizebec Soares Araújo, então com 38 anos, realizou seu maior sonho: após uma vida de esforço e de trabalho intenso como pedreiro, ele, enfim, deu entrada no financiamento da casa própria. Assumiu a prestação mensal de R$ 590 do imóvel, mas dar conta do recado não foi fácil. Só Melq, como gosta de ser chamado, sabe o quanto foi difícil sair do aluguel, mas ele aprendeu desde cedo a não dar o passo maior que a perna. Uma lição que segue à risca até hoje. “Quando eu pego um trabalho, aproveito para comprar as coisas que faltam em casa e também reservo um pouco para alguma emergência”, ensina.
Quando os tempos são de vacas magras, ele reza a cartilha da austeridade. “Se não consigo serviço, eu evito qualquer tipo de dívida. Porque ninguém sabe o dia de amanhã”, diz. O sufoco é ainda maior porque nem Melq, nem a esposa, que recentemente ficou desempregada, possuem renda formal. A solução é comprar tudo à vista ou parcelar no carnê, quando a loja oferece essa opção. O duro são os juros cobrados na operação, já que o casal não possui garantias de que conseguirá quitar o débito em dia. Um exemplo foi a máquina de lavar automática, recém adquirida por R$ 1,3 mil. “Dei R$ 400 de entrada e parcelei o restante, em nove prestações de R$ 155”, explica. Ao fim do prazo, Melq pagará, só de encargos financeiros, quase R$ 500. “É juros demais”, constata.
Melq e a esposa sonham com o dia em que terão acesso a itens como cheque e cartão de crédito. “Seria possível parcelar uma compra sem pagar juros”, ele diz. O sufoco do casal dá a dimensão da importância do crédito para a melhoria do bem estar das pessoas e ajuda a explicar a dificuldade do país em retomar os rumos do crescimento econômico. “A maior parte das famílias não consegue realizar desejos de consumo apenas com a renda disponível”, explica o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. “O crédito permite não só que essas pessoas adquiram esses bens, mas estimula um ciclo de expansão do consumo que favorece a todos, ao banco, ao lojista, ao vendedor e ao próprio cliente”, emenda.
FIM DO BOOM O Brasil viveu na última década um boom de expansão do crédito que só chegou ao fim a partir do estouro da crise financeira mundial, em 2008. Desde então, os bancos ainda mantêm oferta de dinheiro em alta, mas a um ritmo cada vez menor. O crescimento, que até 2008 era de 30,7%, por exemplo, desacelerou para 11,2%, em 2014. Mas pode piorar. Os analistas calculam que, neste ano, o volume de recursos colocados à disposição de empresas e famílias no país avançará apenas 10,5% — o pior desempenho em uma década. Nos próximos anos, a taxa continuaria caindo, até chegar a 8,8%, em 2019. Tudo vai depender de como a economia reagirá aos ajustes que serão colocados em prática pela nova equipe econômica, que incluem a redução de gastos públicos e o fim dos repasses de recursos públicos para bancos estatais.
Veículo: Estado de Minas