Brasília – O gosto do brasileiro por fartura e sabor é o principal responsável pelo desperdício de alimentos na mesa, da qual carnes e arroz são os itens que mais saem direto para o lixo. É o que revela pesquisa inédita no país, realizada pelo projeto Diálogos Setoriais União Europeia — Brasil, divulgada com exclusividade pelo Estado de Minas. Hoje, a mudança no comportamento do consumidor, as inovações tecnológicas e as iniciativas dos elos finais da cadeia alimentar são relevantes para o combate às perdas, que chegam a 1,3 bilhão de toneladas por ano em termos globais e podem saltar para 2,1 bilhões de toneladas em 2030 se nada for feito para estancar a sangria.
O analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gustavo Porpino, líder do projeto sobre desperdício nos Diálogos Setoriais UE — Brasil, ressalta que 68% dos entrevistados consideram importante que a despensa esteja cheia. “É um traço cultural presente, principalmente, na classe média, em função de a compra dos alimentos ser a prioridade do orçamento familiar”, avalia. A pesquisa também mostra que 59% não dão importância se houver comida demais. “O gosto pela fartura é característico da cultura latina e aumenta a propensão ao desperdício, ainda mais que as sobras são consideradas ‘comida dormida’ e descartadas”, assinala.
Mais de 60% das famílias priorizam uma grande compra mensal de alimentos. “Quando a compra farta é combinada ao baixo planejamento das refeições eleva-se a probabilidade de desperdício”, argumenta. O estudo aponta ainda uma contradição: apesar dos dados, os consumidores não admitem o desperdício. “Para mudarmos o comportamento das pessoas, é preciso conseguir envolvê-las como parte do problema”, resume Porpino.
Realizada em três fases, a pesquisa, inicialmente, apurou o comportamento dos consumidores nos pontos de venda, mercados e feiras livres. “As pessoas dizem que fazem compras uma vez por semana, enquanto estão levando alimentos para duas, três semanas. O brasileiro compra mais do que consome”, explica o pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carlos Eduardo Lourenço, especialista em comportamento do consumidor e analista do levantamento.
Na segunda parte da pesquisa, 1.764 pessoas foram questionadas sobre hábitos de preparo e alimentação, das quais 638 foram fiscalizadas durante uma semana. “Esse estudo corroborou que o brasileiro não pode ter a menor sensação de que vai faltar comida. O desejo de fartura está alinhado à busca de sabor”, analisa Lourenço. Sem avaliar a geladeira ou a despensa, apenas o preparo e o consumo, a pesquisa revela que o arroz é o item mais desperdiçado: pelo menos 25% vai fora. “O que impressiona é que a carne, item agregado de maior valor, é tão desperdiçada quanto o arroz. E o comportamento não muda conforme a classe social”, diz.
Hábitos Na terceira fase do trabalho, houve uma varredura na internet para mapear hábitos de consumo. “Surpreendeu-nos que 75% do debate sobre combate às perdas é feito por organizações. As pessoas não se engajam. Há uma primeira onda de atuação de empresas e instituições e não reverbera entre as pessoas. Não viraliza”, lamenta. Na opinião do pesquisador, os brasileiros têm vergonha de falar sobre desperdício e ser recriminados. “Precisamos trazer à luz essa consciência”, afirma.
Quando confrontados, os consumidores garantem controlar as perdas. A dona de casa Fernanda Rocha, de 35 anos, diz que mudou os hábitos e agora vai duas a três vezes ao supermercado para comprar os alimentos mais perecíveis, como legumes. “Ou opto pelo picado e embalado que já vem em porções menores”, conta. A servidora pública Daniela Andrade, de 49, afirma fazer compras pequenas, ir duas vezes por semana ao mercado e utilizar integralmente os alimentos. “Tenho receitas para aproveitar o produto até o fim. Das cascas do abacaxi, por exemplo, faço chá”, pontua.
Fonte: O Estado de Minas