Gilmar muda voto e admite que acórdão do STF derrube coisa julgada tributária

Leia em 7min

 

O Supremo Tribunal Federal retomou na sexta-feira (18/11) o julgamento que vai definir se a mudança jurisprudencial da corte em temas tributários gera a quebra automática do trânsito em julgado de casos anteriores decididos em sentido contrário.

 

O tema está em apreciação em dois recursos no Plenário virtual, em sessão até a próxima sexta-feira (25/11). Como mostrou a ConJur, o julgamento é muito aguardado devido aos amplos impactos na segurança jurídica e na forma de atuação do Fisco perante os contribuintes.

 

Um dos casos (RE 955.227), de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, discute o que acontece com a decisão tributária definitiva quando o STF, em um novo acórdão, se pronuncia em sentido contrário — ou seja, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade.

 

O outro (RE 949.297), de relatoria do ministro Luiz Edson Fachin, aborda o que acontece com a decisão tributária transitada em julgado quando, posteriormente, o STF declarar que tal tributo é, na verdade, constitucional — neste caso, quando há controle concentrado de constitucionalidade.

 

Até o momento, ambos os relatores concordam que a mudança jurisprudencial do STF gera a quebra automática do trânsito em julgado de casos anteriores decididos em sentido contrário. Não seria necessário, portanto, o ajuizamento de ação rescisória.

 

O julgamento dos dois recursos foi retomado com voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que a princípio se posicionou contra a quebra da coisa julgada tributária, mas mudou de posição no intuito de conferir segurança jurídica e sinalização de aplicação das teses propostas.

 

Ambos tratam da cobrança da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), tributo instituído pela Lei 7.689/1988 e cuja incidência foi inicialmente afastada por decisões judiciais sob o fundamento de que só poderia ser criado e por meio de lei complementar.

 

A partir de 1992, o STF passou a proferir decisões individuais declarando a constitucionalidade da CSLL. Mas foi apenas a partir de 2007, após a instauração da sistemática da repercussão geral, que o Supremo julgou o tema com eficácia erga omnes (para todos), na ADI 15, confirmando essa posição.

 

A União passou a entender que todos deveriam pagar a contribuição, inclusive aqueles que já tinham decisão transitada em julgado afastando a incidência do tributo. Já os contribuintes defenderam a prevalência da coisa julgada.

 

Modulação e divergência

 

Até o momento, também votaram pela quebra da coisa julgada os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. No novo voto-vista, o ministro Gilmar Mendes apresentou uma divergência parcial, baseada na proposta de modulação dos efeitos da tese a ser aprovada pelo STF.

 

Tanto o ministro Barroso quanto o ministro Fachin ressaltaram que, quando o Supremo declara a constitucionalidade de uma lei que cria um tributo, produz para o contribuinte uma norma jurídica nova.

 

E para isso, o ordenamento prevê algumas regras: a cobrança não pode retroagir para período em que o tributo não existia, e é preciso dar um tempo de transição, para que o contribuinte não seja pego de surpresa.

 

Assim, a proposta é que a tese só valha a partir da publicação da ata de julgamento e leve em conta o período de anterioridade nonagesimal, para os casos de contribuições sociais, e de anterioridade anual e noventena, para as demais espécies tributárias.

 

O ministro Gilmar Mendes divergiu especificamente nesse último ponto. Ele entendeu ser desnecessária a aplicação dos princípios da anterioridade anual e da noventena.

 

Teses

 

No RE 955.227, o ministro Luís Roberto Barroso propôs duas teses:

 

  • As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
  • Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

 

No RE 949.297, a tese proposta pelo ministro Luiz Edson Fachin foi:

 

  • A eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos, observadas as regras constitucionais da irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, de acordo com a espécie tributária em questão

 

E a coisa julgada?

 

Segundo o voto do ministro Barroso, a manutenção da coisa julgada em matéria tributária após o posicionamento do STF em sentido contrário cria ma situação desigual: algumas empresas não precisarão recolher a CSLL, ganhando vantagem competitiva e financeira em relação às demais, o que as permitirá baratear os custos de sua estrutura e produção.

 

"A coisa julgada não pode servir como salvo conduto inalterável a fim de ser oponível eternamente pelo jurisdicionado somente porque lhe é favorável", afirmou.

 

"Alterado o contexto fático e jurídico, com o pronunciamento desta Corte em repercussão geral ou em controle concentrado, os efeitos das sentenças transitadas em julgado em relações de trato sucessivo devem a ele se adaptar", disse.

 

No RE 949.297, a posição do ministro Fachin é análoga. Para ele, a coisa julgada tributária permanece válida enquanto continuarem inalteradas as situações de fato e de direitos que existiam no momento da prolação da sentença.

 

Se o STF, em decisão de controle concentrado de constitucionalidade, muda essa situação, a coisa julgada deixa de ser válida. Esse entendimento foi acompanhado, até o momento pela ministra Rosa Weber e pelo ministro Dias Toffoli.

 

Segurança jurídica

 

Leonardo Freitas de Moraes e Castro, do VBD Advogados, explica que o julgamento, tanto no controle difuso como no controle concentrado, é extremamente polêmico. Para ele, não se trata de defender a imutabilidade do entendimento jurídico — o que, além de utópico, vai contra a própria essência do Direito.

 

"Trata-se, portanto, de defender a estabilidade da mudança, isto é, como proteger situações já tratadas individualmente pelo Direito sem violá-las, mas ao mesmo tempo adequá-las à nova realidade que surgiu e, assim, adequá-la perante a coletividade", comenta. 

 

O que se busca, alerta o advogado, é é, no mínimo, evitar alterações abruptas, repentinas e sem a violação de outras garantias fundamentais. Para isso, entende que é importante manter a previsão de respeito a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena.

 

Já Maria Carolina Sampaio, sócia do GVM Advogados, sustenta que, apesar do caso julgado tratar de matéria tributária, na prática, o que o STF está chancelando é a quebra automática de uma decisão judicial definitiva. 

 

“Qualquer pessoa, seja física ou jurídica, quando obtiver um provimento judicial amparado em determinado argumento, estará sujeita a um entendimento posterior divergente do STF. É uma situação de total insegurança jurídica, que tanto prejudica o ambiente negocial no país. O ideal seria que novos entendimentos do Supremo não se aplicassem a processos já encerrados", opina.

 

Clique aqui para ler o voto do ministro Luís Roberto Barroso

Clique aqui para ler o voto do ministro Luiz Edson Fachin

Clique aqui para ler o voto do ministro Dias Toffoli

Clique aqui para ler o voto do ministro Alexandre de Moraes

Clique aqui para ler o novo voto do ministro Gilmar Mendes

 

RE 955.227

 

RE 949.297

 

Danilo Vital – Correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico – 20/11/2022

 

 


Veja também

Advogado trabalhista explica direito a folgas em dias de jogos da Copa

  Não é feriado, mas empregador pode considerar importância do evento   A Copa do Mundo...

Veja mais
INSTITUCIONAL: TRF1 define horário de funcionamento da Justiça Federal da 1ª Região durante jogos da Copa do Mundo de 2022

  Nos dias de jogos da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo de 2022 o atendimento ao p&uac...

Veja mais
STJ – Primeira Turma altera dias das sessões ordinárias do mês de dezembro

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou os dias das sessões ordinárias previ...

Veja mais
Projeto permite restituição a consumidor que comprovar que arcou com tributo indireto

Hoje, a empresa pode pedir restituição do tributo se não repassar o encargo, já o consumidor...

Veja mais
Anvisa autoriza comercialização de álcool líquido 70%

  Medida tem validade de 90 dias e objetiva ampliar acesso aos produtos.   A Anvisa autorizou, nesta quinta...

Veja mais
Publicado Guia para Doação de Alimentos com Segurança Sanitária

Guia foi construído para orientar e favorecer a doação de alimentos de forma segura no Brasil. &nb...

Veja mais
Empresas não são mais obrigadas a doar parte das vacinas de covid-19 que comprarem

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), promulgou na quarta-feira (16) a Lei 14.466, que dispensa a ...

Veja mais
Promulgada lei que garante Auxilio Brasil até dezembro de 2022

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, promulgou a Lei 14.469, de 2022, que atende ao financiamento, até dezemb...

Veja mais
JUSTIÇA CONSIDERA VÁLIDO DESCONTO DE MULTA EM SALÁRIO DE EMPREGADO INFRATOR DE TRÂNSITO

  Quem comete infração de trânsito ao conduzir veículo da empresa deve arcar com as pen...

Veja mais