Em reunião conjunta nesta quarta-feira (19/4), na sede da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio), o Conselho Superior de Direito e o Conselho de Assuntos Tributários da entidade, juntamente com a Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat); o Movimento de Defesa da Advocacia (MDA); e a Comissão Especial de Direito Tributário da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, divulgaram um manifesto contra a volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Participaram da reunião Ives Gandra Martins, presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio; Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários da entidade; Alexandre Evaristo Pinto, conselheiro da 1ª Turma da CSRF do Carf; Carlos Henrique de Oliveira, ex-presidente do Carf e auditor fiscal da Receita Federal; Halley Henares, presidente da Abat; Eduardo Salusse, presidente do MDA; e Wesley Rocha, presidente da (Aconcarf).
Extinto em 2020, quando a legislação determinou que, em caso de empate nos julgamentos do Carf, a decisão seria sempre favorável ao contribuinte, o voto de qualidade foi recuperado pelo Fisco neste ano, por meio de medida provisória. Ele garante que os presidentes das Câmaras (conselheiros representantes da Fazenda Nacional) tenham o poder de voto duplo. Consequentemente, eles podem desempatar os julgamentos de processos administrativos federais em favor da Fazenda.
No entendimento da Fecomércio, a mudança gera preocupação ao empresariado, pois afronta as garantias constitucionais e os direitos de petição e recurso. Com a medida, as demandas judiciais também podem aumentar, segundo a entidade.
Para Márcio Olívio Fernandes da Costa, a mudança também gera dúvidas sobre o futuro do Carf. "Essas modificações têm uma serie de vícios que diminuem a importância do Carf. O Carf existe para fazer um julgamento preliminar e, assim, não deixar que as demandas travem o Judiciário", afirmou ele. "Temo até pela existência futura do Carf, porque da forma como está sendo feito muito possivelmente tudo vai parar no Judiciário."
Sarina Manata, assessora técnica do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio, acredita que a mudança gera grande incerteza.
"Como o próprio nome diz, a medida é provisória, então vivemos um momento de incerteza até que o Legislativo possa apreciar de fato e verificar se as alterações promovidas por essa MP vão se concretizar ou não."
Para Sarina, se as alterações não se confirmarem mais adiante, os contribuintes que forem julgados neste período podem ter decisões conflitantes. "É um momento de grande insegurança e prejuízo para os contribuintes. Estamos trabalhando para que isso seja revertido", disse ela. "O Carf se consolidou como órgão importante por quase cem anos justamente porque ele tem as duas visões, o lado do Fisco e o lado do contribuinte, que justamente investidos na figura do julgador acabam tomando as decisões mais justas."
Sangue para vampiro
Para Costa, além do voto de qualidade, é preocupante o novo valor da alçada estabelecida pela MP. "De 60 salários mínimos, eles querem passar para mil salários mínimos o valor para ingresso no Carf. Isso significa que eu, você, ou mesmo pequenas empresas não teremos oportunidade de ter alguma infração tributária julgada pelo Carf", explica ele. "Isso é dar o banco de sangue para o vampiro tomar conta. Deixar que a própria Receita Federal julgue qualquer infração tributária até R$ 1,3 milhão é uma injustiça principalmente para pessoas físicas e pequenas empresas."
Segundo ele, a mudança tem fins meramente arrecadatórios. "A justificativa da emissão da medida provisória pelo ministro Fernando Haddad foi que dessa forma aumentaria em bilhões a arrecadação. Então está claro que o objetivo é arrecadatório."
No entendimento de Eduardo Salusse, medidas dessa natureza não dispensam o debate democrático.
"Levando em consideração que todos nós somos atores desse processo administrativo tributário federal, todos nós temos por interesse em comum a melhoria das nossas instituições."
Sobre o manifesto, ele afirma tratar-se um "grito" para as autoridades.
"A importância do tema exige um diálogo, não se pode tomar decisões dessa grandeza, com essa importância no cenário jurídico, sem que haja interlocução com todos. O que o manifesto faz, na verdade, é gritar para que as autoridades nos escutem. Para que os nossos contrapontos, nossa experiência, nossas posições acadêmicas sejam levadas em consideração."
O presidente do MDA se diz otimista quando à possibilidade de o manifesto ser acatado.
"Tive reunião com o secretário Robinson Barreirinhas (Receita Federal). Foi colocada a ele a necessidade do diálogo de maneira construtiva para que todos consigam contribuir com elementos para formar um modelo melhor."Segundo Salusse, o secretário se comprometeu a dar voz à sociedade, ao empresariado, às entidades, à advocacia e aos conselheiros do Carf, para que de comum acordo se possa chegar a um ponto de equilíbrio nas medidas propostas pelo governo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 19/04/2023