O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, pediu destaque, no último sábado (22/2), e, com isso, interrompeu o julgamento de repercussão geral em que o Plenário discute se o diferencial de alíquota (Difal) do ICMS pode ser cobrado desde 2022 ou somente a partir de 2023.
Com isso, o caso será reiniciado em sessão presencial, ainda sem data marcada. O fim da análise virtual, iniciada na última sexta-feira (21/2), estava previsto para a próxima sexta (28/2).
O caso é uma tentativa de reiteração de jurisprudência, desta vez com repercussão geral. Isso porque, em 2023, a Corte analisou três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e decidiu que o Difal pode ser cobrado a partir de abril de 2022 — três meses após a publicação da norma que regulamentou o tema.
A principal questão a ser discutida é a aplicação do princípio da anterioridade anual, previsto na alínea “b” do inciso III do artigo 150 da Constituição. Segundo essa regra, leis que criam ou aumentam um imposto só produzem efeitos no ano seguinte à sua publicação.
A Lei Complementar 190/2022, que reinstituiu o Difal, não menciona esse princípio, mas faz menção à anterioridade nonagesimal, prevista na alína “c” do mesmo dispositivo, segundo a qual são necessários 90 dias para uma lei do tipo entrar em vigor.
Contexto
O Difal foi concebido em 2015 com o objetivo de equilibrar a arrecadação do ICMS pelos estados. Ele serve para que o imposto seja distribuído tanto ao estado produtor quanto ao destinatário de determinado produto ou serviço.
Em fevereiro de 2021, o STF decidiu, por 6 x 5, que é inconstitucional estabelecer o Difal por meio de ato administrativo, como vinha sendo feito até então. Naquele mesmo ano, uma lei complementar foi aprovada para regular o tributo, mas foi sancionada somente no dia 4 de janeiro de 2022.
O recurso em que o Supremo reconheceu a repercussão geral tem origem em uma ação movida por uma empresa que buscava afastar a cobrança do Difal nas vendas interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS em 2022.
De acordo com o tributarista Leonardo Aguirra, sócio do escritório Andrade Maia Advogados que atua ativamente no STF em relação ao caso, o processo de repercussão geral foi pautado com a expectativa de que houvesse um alinhamento com a decisão de 2023 — a chamada reiteração de jurisprudência.
Mas o advogado ressalta que, naquelas ADIs, ainda há embargos de declaração pendentes de análise, que discutem diversos pontos da decisão. Há até mesmo um pedido de modulação de efeitos, para que sejam preservadas situações consolidadas anteriores à data de início do julgamento original.
Na visão de Aguirra, é necessário esperar o julgamento dos embargos de declaração nas ADIs para que o entendimento seja aplicado ao caso de repercussão geral. Segundo ele, há um “cenário de incerteza e insegurança que não justificaria a reiteração de jurisprudência”.
Na última quarta (19/2), a empresa cearense pediu a retirada do caso de pauta. Um dos argumentos foi justamente que o julgamento das ADIs ainda não se encerrou.
“Não há, portanto, uma decisão definitiva sobre o tema passível de aplicação no presente tema de repercussão geral”, diz a petição, assinada pelos advogados Leonel Martins Bispo e André Mussy de Souza Almeida.
A defesa ainda lembra que a composição do STF mudou desde o julgamento das ADIs. Os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino ainda não integravam a Corte. Para os advogados, os votos dos dois magistrados “podem modificar o entendimento dos demais”.
Voto do relator
Antes do pedido de destaque, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, votou pela cobrança do Difal a partir de 4 de abril de 2022 e validou as leis estaduais que instituíram a cobrança do Difal antes da LC 190/2022 entrar em vigor.
Segundo ele, a lei complementar “não modificou a hipótese de incidência, tampouco da base de cálculo, mas apenas a destinação do produto da arrecadação”. Na sua visão, a técnica usada tem validade ainda no mesmo ano, pois “não corresponde a instituição nem majoração de tributo”.
Alexandre explicou que a anterioridade anual “protege o contribuinte contra intromissões e avanços do Fisco sobre o patrimônio privado”. Mas, no caso em debate, isso não acontece, pois o Difal já existia, era aplicado às mesmas operações e pago pelos mesmos contribuintes. Além disso, a alíquota final não foi alterada. “Em momento algum houve agravamento da situação do contribuinte”, assinalou.
Por fim, o relator pontuou que a menção à anterioridade nonagesimal na LC 190/2022 é uma opção válida do Congresso.
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RE 1.426.271
José Higídio – Repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 24/02/2025