Nova regra trava entrada de orgânicos

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Uma norma do Ministério da Agricultura que tornou mais rígida a entrada de produtos orgânicos no país está sendo considerada uma "barreira protecionista" por alguns varejistas, que afirmam terem sido afetados pela decisão.

Desde 1º de janeiro de 2011, quando foi implementada a regulamentação nacional dos orgânicos, passou a ser obrigatória a certificação a partir dos critérios de produção específicos para o Brasil. Até então, cada certificadora seguia uma cartilha diferente, adotando como referência regras existentes nos EUA, Europa ou Japão.

Para os varejistas, a criação desses padrões nacionais acabou tendo o efeito de inviabilizar a importação de orgânicos processados. Isso porque, na prática, a chancela que os agricultores estrangeiros tinham para entrar no mercado brasileiro não vale mais. Para chegar aqui, agora eles precisam pagar por uma outra certificação que olhe para as especificações brasileiras. E muitos parecem ainda não estar dispostos a tanto.

"Eles não querem arcar com o custo de uma segunda certificação. Simplesmente paramos de importar", afirma Leonardo Myao, diretor comercial do segmento de FLV (frutas, legumes e verduras) do Pão de Açúcar e responsável pela oferta de orgânicos da rede varejista. "É um retrocesso de sortimento para o consumidor. Não vejo esse rigor em nenhum outro lugar do mundo". Segundo ele, a regulamentação "comeu 10% de toda a minha taxa de crescimento".

De acordo com o executivo, a grande dificuldade é que a medida do Ministério da Agricultura exige o rastreamento de todos os ingredientes utilizados nos produtos orgânicos processados. Assim, em uma massa, por exemplo, é necessário comprovar a origem orgânica da farinha de trigo, ovos e fermento. Em produtos mais sofisticados, com maior número de matérias-primas, Myao diz ser impossível cumprir isso. "Muitas vezes, as matérias-primas vêm de vários países para a fabricação de um produto. E como é que se rastreia e se comprova que o alho que veio da China é orgânico?".

A Casa Santa Luzia, em São Paulo, também praticamente acabou com o seu portfólio de orgânicos importados industrializados. Hoje, a empresa disponibiliza apenas dois tipos de massas - que só consegue vender porque foram contratadas ou estocadas antes da regulamentação entrar em vigor. Ana Fanelli, responsável pelo controle de qualidade, afirma que o supermercado importou, até janeiro de 2011, cerca de 40 produtos, entre chocolates, massas, molhos, azeites, temperos, biscoitos e arroz. "É uma filosofia da casa oferecer variedades de produtos, mas a indústria nacional ainda não tem essas coisas". Apesar disso, o Santa Luzia ainda oferece 320 itens orgânicos, entre industrializados e in natura, feitos no Brasil.

Segundo o governo, o rastreamento é uma premissa básica para a certificação. "Se é impossível comprovar a origem de um alimento, como posso provar que ele é orgânico?", questiona Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do ministério. Não é isso, portanto, que está em questão. "Há diferenças no processo de certificação dos países. Nos EUA, o uso de ureia é permitido na produção animal. Aqui não, nem na Europa. O uso de aditivos no processamento também não é possível em todos os lugares. São essas diferenças que estamos olhando", explica.

Dias vê como uma possível explicação para que os produtores estrangeiros não queiram arcar com os custos o fato de o mercado interno brasileiro talvez ainda não ser tão atraente para esse segmento. "Pode simplesmente estar faltando interesse comercial no Brasil. Mas aí estamos falando de outro problema", diz. "Quando o nosso mercado interno de orgânicos crescer mais, talvez isso mude".

Para ele, essas perdas fazem parte do processo de enquadramento do Brasil no comércio internacional - e nada mais são do que reciprocidade comercial. "Os nossos produtores, quando querem vender para os EUA, precisam pagar uma certificação para o mercado americano. O mesmo acontece para a Europa e o Japão. Sempre foi assim e sempre assumiram esse custo. Por que aqui as coisas têm que ser mais fáceis? ", questiona.

O próximo passo - e Dias não arrisca dizer quando - será buscar os ajustes nas regulamentações com outros países, o chamado "reconhecimento de equivalência". Por esse mecanismo, as certificadoras focariam na averiguação somente dos pontos de discordância - caso da ureia e dos aditivos, por exemplo. "Mas antes precisamos arrumar a casa. Os próprios produtores brasileiros estão tendo de se adaptar às novas regras", diz Dias.

Analistas afirmam que a real dimensão da queda nos importados é desconhecida porque não existem dados confiáveis. A declaração de um produto cultivado sob esse preceito é hoje voluntária - e poucos importadores o fazem, entre outros motivos, por burocracia.

O impacto da nova regra tem sido mais sentido no Pão de Açúcar devido à sua parceria com o grupo francês Casino, que propiciou a entrada de um portfólio considerável de produtos orgânicos processados, que se estendia de molhos de tomates e massas a bolachas, chocolates, geleias, chás e vinhos. "Agora importamos só dois itens - azeite do Chile e papinha infantil da Argentina, que são fáceis de rastrear", diz Myao. Apesar do recuo nos importados, o segmento teve um crescimento acima do esperado. Produtos orgânicos perecíveis registraram incremento de 16% nas vendas sobre 2010, enquanto os de mercearia subiram 24%, superando em muito a alta de vendas de seus pares convencionais.


Veículo: Valor Econômico


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