A simples compra de um alimento estragado não garante ao consumidor o direito de ser indenizado por danos morais. Em recentes decisões, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem exigido prova de que o produto foi efetivamente consumido. Além disso, os ministros pedem a comprovação de que o alimento ou bebida não estava com prazo de validade vencido.
Em recente decisão, o ministro Massami Uyeda, da 3ª Turma do STJ, entendeu que a responsabilidade do fabricante deve ser limitada ao prazo de validade. Nesse período, segundo ele, há garantias de que o produto está em bom estado para consumo. Com base nesse entendimento, por maioria de votos, foi negado a um casal de consumidores paranaenses o direito a indenização por dano moral. Eles comeram bombons vencidos que tinham ovos e larvas de inseto.
Em outros julgamentos, o STJ vem confirmando o entendimento de que a simples constatação visual de que o produto está contaminado não gera automaticamente uma reparação financeira ao consumidor. Os ministros rejeitaram, por exemplo, indenização por dano moral em casos de uma garrafa de refrigerante que continha um inseto e de contaminação de apenas um biscoito do pacote.
Para o ministro Fernando Gonçalves, da 4ª Turma, o julgador, ao analisar o pedido de indenização por danos morais, deve apreciar cuidadosamente o caso concreto, "a fim de vedar o enriquecimento ilícito e o oportunismo com fatos que, embora comprovados, não são capazes de causar sofrimentos morais, de ordem física ou psicológica, aos cidadãos". Com esse entendimento, ele suspendeu o pagamento de indenização ao consumidor que encontrou o inseto na garrafa de refrigerantes.
"Para evitar abusos, o Judiciário têm buscado balancear os direitos dos consumidores com a responsabilidade dos fabricantes. É complicado dizer que uma pessoa que comprou um alimento fora da validade e não o consumiu tem direito a dano moral", diz o advogado Rafael Passaro, do escritório Machado Meyer.
No entanto, nos casos em que o alimento que está dentro do prazo de validade é consumido, a resposta do STJ é sempre favorável ao consumidor. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora de um outro caso analisado pela 3ª Turma, a ingestão do produto causa abalos psicológicos capazes de gerar direito a indenização. O processo julgado era de um servidor público mineiro que ingeriu leite condensado contaminado por uma barata.
Na decisão, a ministra descreve "a sensação de náusea, asco e repugnância que acomete aquele que descobre ter ingerido alimento contaminado por um inseto morto, sobretudo uma barata, artrópode notadamente sujo, que vive nos esgotos e traz consigo o risco de inúmeras doenças". Com base no voto da relatora, o colegiado confirmou indenização de R$ 15 mil ao consumidor.
"O dano moral hoje se configura com a simples ingestão de alguma coisa estragada, mesmo que o consumidor não passe mal, não fique doente", afirma a advogada Flávia Lefèvre, do Lescher e Lefèvre Advogados Associados. Para ela, porém, a Justiça deveria analisar também, caso a caso, pedidos de dano moral em que não houve o consumo de produto contaminado. "Em algumas situações, o fato do produto estar impróprio para consumo causa mais do que um mero incômodo ao consumidor", avalia.
Para o advogado Vinícius Barros Rezende, da Comissão de Direito do Consumidor da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), embora haja uma "cultura de litigância muito grande do consumidor", existe a dificuldade de se provar na Justiça que o produto já estava contaminado quando foi adquirido, de se confirmar a ingestão do alimento estragado e ainda de se atestar os eventuais efeitos colaterais à saúde. "Diferentemente de um nome colocado irregularmente nos serviços de proteção ao crédito, quando se fala de alimentos se fala de perícia. Essa dificuldade de prova impede um pouco o consumidor de procurar ainda mais o Poder Judiciário", diz.
O grande volume de produtos impróprios para consumo no mercado brasileiro pode ser medido pela quantidade de recalls. Nos últimos dez anos, apenas no Estado de São Paulo, conforme levantamento da Fundação Procon-SP, houve o recolhimento ou o aviso de que 46,2 milhões de unidades de produtos estavam impróprias para consumo. O setor já respondeu por 40% do total recolhido no Estado.
Entre 2009 e março deste ano, os Procons de 23 Estados e do Distrito Federal, de acordo com relatório do Ministério da Justiça, atenderam 18,1 mil consumidores com problemas relacionados a alimentos. Em São Paulo, foram 394 atendimentos de janeiro a março.
Veículo: Valor Econômico