Desonerações de impostos anunciadas pelo governo para conter a carestia custarão R$ 53 bilhões só este ano. Ministro da Fazenda, Guido Mantega, reuniu-se com empresários para garantir que produtos fiquem mais baratos
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O temor de que a inflação oficial ultrapasse ainda em março o teto da meta perseguida pelo Banco Central (BC) para o ano, de 6,5%, fez o governo agir pesado para evitar a contínua alta dos preços nos supermercados. O medo é de que o surto da carestia contamine ainda mais a renda do trabalhador comum. O salário não acompanha mais, com a mesma intensidade, a escalada do custo de vida.
Ciente do estrago que uma inflação persistente pode provocar na campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff , o governo informou ontem que os estímulos tributários já anunciados custarão R$ 53 bilhões somente em 2013. Dessa forma, espera sagrar-se como o grande vencedor da contenda classificada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, como “luta contra a inflação”.
O Palácio do Planalto entende que um possível descontrole dos preços significará o fim do processo de queda dos juros básicos no país (leia mais página 10). Dessa forma, coube a Mantega a tarefa de negociar com os empresários do varejo e da indústria o repasse para os preços dos itens desonerados da cesta básica na última sexta-feira.
Anunciados em cadeia nacional de rádio e TV pela presidente Dilma, os cortes de tributos federais como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), entre outros, atingem todos os itens da cesta básica, entre eles os principais tipos de carnes e peixes, o café e o açúcar, além do óleo de soja, manteiga, margarina.
Produtos de higiene pessoal, como o sabonete, a pasta de dente e o papel higiênico, também foram incluídos na lista (veja quadro), que passa a ter 16 itens. A ideia é que o desconto dos impostos diminua os valores desses produtos imediatamente, conforme garantiram ontem os empresários do setor de supermercados. “Já começamos a repassar hoje (ontem) essa desoneração”, assegurou o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Fernando Yamada. Segundo explicou, a queda nos preços das carnes já é de 6% e a dos outros itens, de 3%.
Yamada disse que a redução deverá ser ampliada para 9,25%, conforme consta na proposta de desoneração enviada pelo governo ao Congresso, “em uma ou duas semanas”. “Temos tributos ainda a compensar e, além disso, também depende da indústria. Quando a cadeia inteira já estiver trabalhando com valores menores, poderemos repassar integralmente a desoneração para os preços”, disse.
Já o presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), Edmundo Klotz, não é tão otimista. “Não sei se vai chegar a 9,25%. Mas nós vamos fazer a nossa parte. Tudo o que agregamos de impostos compensados vamos repassar aos produtos”, contou.
As principais redes supermercadistas do país já avisaram que vão transferir para o consumidor o desconto nos preços para os produtos da cesta básica. O primeiro grande grupo a anunciar o repasse foi o Pão de Açúcar, que inclui o Extra e vendas online. Segundo informaram, os ajustes foram feitos desde ontem. O Walmart também diz ter dado início ao processo, assim como o Carrefour, que avisou que reduzirá os valores de cerca de 4 mil produtos comercializados em suas lojas.
Conta cara
É o que espera a dona de casa Cynthia Bastos, 42 anos. Para driblar a alta dos preços, ela só vai às compras quando sabe que pagará mais barato. “Pesquiso quais são os dias de promoção nos supermercados”, ensinou. Qualquer descuido custa caro ao bolso, diz Cyntia. Por isso, opta sempre por produtos mais baratos, ainda que não sejam exatamente o que ela gostaria de consumir. “Já cheguei a trocar o frango pela carne, por ter um preço mais em conta”, contou.
Atitude semelhante tem o agente comercial Acelino da Silva Soares, 75 anos. Para fugir dos preços mais altos, ele garante que só fecha a compra após pesquisar em pelo menos três supermercados da vizinhança. “Ou é isso ou não dá para comprar quase nada”, reclamou. O protesto é endossado pela cabeleireira Socorro da Silva, 47. Ela espera que a desoneração da cesta básica seja efetivamente cumprida pelo comércio. “É preciso abaixar o preço para o brasileiro consumir mais, porque o salário não está acompanhando essa alta generalizada”, contou. Como Cynthia, Socorro recorre a malabarismos domésticos para poder economizar na conta do supermercado. “Já troquei sabão em pó por sabão líquido e detergente”, lembrou.
Atraso político
Apesar de positiva, a decisão do governo de desonerar impostos federais sobre a cesta básica ocorre em um momento em que os preços encontram-se em uma espiral de elevação. Nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) já acumulou alta de 6,31%. Para os meses seguintes, mesmo com a redução de tributos, há quem aposte em nova escalada dos preços.
É a expectativa, por exemplo, do economista da Austin Rating, Felipe Queiroz. Ele projeta o IPCA acumulado em 12 meses, no final de março, na casa de 6,41%, o maior patamar de alta para essa base desde 2005. “Na verdade, apostávamos em um número bem maior, de 6,63%, mas acreditamos que a desoneração da cesta básica reduzirá em 0,5 ponto a inflação do ano”, disse.
Menos otimista, o economista-chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani, afirma que o impacto será bem menor, de 0,31 ponto percentual. “Se for isso tudo, porque pode ser que seja efetivamente menor”, contou. Opinião semelhante tem Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley). “Essa medida vai ter algum impacto, mas não é esse o problema. O problema é a solução que o governo está tentando propor para um problema bem mais complexo”, disse. Para ele, “tentar domar a inflação controlando os preços é uma prática que está cheia de exemplos na história, nenhuma deu certo”, afirmou.
Veículo: Correio Braziliense