Os Ministérios Públicos Federais (MPF) de Amazonas, Mato Grosso e Rondônia entraram na Justiça contra 26 frigoríficos de carne bovina que não assinaram o termo de ajustamento de conduta (TAC) para a regularização da cadeia produtiva da carne, encerrado no dia 5 deste mês de abril. As ações pedem o pagamento de indenizações que totalizam R$ 556,9 milhões, pela aquisição de 55.699 animais criados em fazendas irregulares.
A ação é decorrente de dois anos de negociações "frustradas" dessas unidades de abate, que, segundo os procuradores, continuam comprando bois de áreas desmatadas ilegalmente, localizadas em áreas indígenas ou ainda que adotam práticas análogas à escravidão.
Em uma das ações, a BRF , em Mato Grosso, é acionada por ter comprado, segundo o MPF, 904 animais de área embargada pelo Ibama por desmatamento ilegal. A ação pede uma indenização de R$ 9 milhões por danos morais, ambientais e sociais coletivos. A Sadia, incorporada pela BRF, também está na lista por comprar 858 animais de duas áreas embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal, conforme informações do MPF. A indenização pedida contra a Sadia é de R$ 8,5 milhões.
De acordo com a assessoria de comunicação corporativa da BRF, "a empresa não recebeu a citação oficial a respeito do processo e não vai se manifestar no momento". Além do MPF, as ações também têm como autores o Ibama, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público dos Estados do Amazonas e Rondônia.
O MPF informou que os 26 frigoríficos não assinaram o termo de ajustamento de conduta para a regularização da cadeia produtiva da carne. "Eles até reconhecem a importância do monitoramento, mas não fazem isso efetivamente com o argumento de que é um ônus extremamente caro", disse ao Valor o procurador Rodrigo Timóteo da Costa e Silva, que atua no Mato Grosso.
Segundo ele, esses frigoríficos também alegam que o gado não monitorado - mais barato - será comprado pelos frigoríficos clandestinos, sendo assim uma medida anticoncorrencial e ineficiente, já que a carne de área ilegal chegará ao consumidor de uma forma ou de outra. "Mas não custa mais caro. Eles precisariam entrar nos sites dos órgãos oficiais para checar as condições das propriedades rurais. E nem isso estão fazendo", afirmou Costa e Silva.
A identificação dos frigoríficos foi possível pelo cruzamento de dados das guias de transporte de animais, que informam o local de origem do animal e o destino para o abate. O cruzamento desses documentos com mapas de satélite revelou as irregularidades das 26 unidades.
O MPF está enviando comunicados a supermercados e redes de fast food sobre as ações judiciais movidas contra os 26 frigoríficos. "Estamos comunicando os supermercados e as redes de fast food sobre a realidade do que foi investigado, para que adotem medidas necessárias para não comprar dessas áreas irregulares", afirmou o procurador.
A medida dá continuidade a um termo de cooperação assinado pelo MPF e a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), no dia 25 de março, para evitar que os supermercados comprem carne proveniente de bovinos de áreas irregulares na Amazônia. No comunicado mais recente, o MPF pede às empresas que prestem informações, em dez dias úteis, sobre seus fornecedores de produtos bovinos e medidas para evitar que a carne seja proveniente de áreas irregulares. De acordo com Costa e Silva, se forem identificados frigoríficos irregulares nas listas de fornecedores, o MPF conversará com as empresas para verificar medidas para evitar a compra.
"Não estamos caçando bruxas, queremos que todos eles tenham responsabilidade socioambiental na identificação dessa cadeia. Acreditamos que a BRF, se aceitar o acordo proposto, também não terá impedimento nenhum de venda", diz o procurador.
A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) manifestou sua posição contrária à assinatura de Termos de Ajustamento de Condutas (TACs) pelos frigoríficos de carne bovina que atuam no bioma amazônico. Em comunicado, o presidente da entidade, Péricles Salazar afirma que "não existe segurança jurídica para que a associação" apoie a assinatura desses acordos.
Segundo ele, as empresas não têm "acesso a informações completas, ágeis e atualizadas, disponibilizadas por parte dos órgãos públicos em sites específicos a qualquer hora e momento que as empresas necessitarem", o que inviabiliza a assinatura de TACs.
A entidade sugere que as Secretarias de Agricultura de cada Estado recebam as informações sobre a produção de gado bovino em áreas irregulares. Com esses dados, as secretarias poderiam negar a emissão das Guias de Trânsito de Animal (GTAs). "Se houver algum problema, não são emitidas as guias e assim o frigorífico saberá que a origem do gado apresenta problemas e certamente evitará sua aquisição", defende Salazar.
As ações propostas pelo MPF fazem parte de um programa de regularização da cadeia produtiva da carne nos Estados da Amazônia. Em 2009, o Ministério Público Federal do Pará liderou uma investigação semelhante na tentativa de regularização de cadeia de carnes no bioma. A ação do MPF, turbinada por um relatório da ONG ambientalista Greenpeace, culminou com um acordo de ajustamento de conduta com JBS e Marfrig, e o comprometimento público de rompimento de contrato de grandes redes varejistas como Carrefour, Walmart e Pão de Açúcar.
Veículo: Valor Econômico