Qualidade de alimentos em xeque no país

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Em 60 dias, EUA fizeram 4 vezes mais recalls de alimentos do que Brasil em 10 anos, expondo falhas Nos últimos 60 dias, os Estados Unidos realizaram cerca de 70 recalls, sendo 40 de alimentos. Os chamados envolvem problemas que vão de erro na rotulagem a contaminação por salmonela. No Brasil, de 2003 a 2012, houve apenas dez recalls de alimentos. Este ano, foram registrados quatro, sendo três relacionados à fraude no leite gaúcho e outro ao caso do envase de soda cáustica do AdeS. Especialistas afirmam que o país segue os parâmetros internacionais em termos de segurança e qualidade dos alimentos, conforme prevê o Codex Alimentarius , que determina normas para países-membros da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).

No entanto, a falta de um sistema unificado, que reúna notificações de empresas e consumidores e que informe às partes envolvidas problemas e riscos potenciais, é apontada como uma das justificativas para a diferença no total de recalls de alimentos entre Brasil e EUA. Estatísticas sobre casos de contaminação de alimentos, assim como de multas aplicadas por descumprimento de normas não estão disponíveis no país. Além disso, as empresas de alimentos não são obrigadas a informar às autoridades sobre as reclamações que recebem nos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SAC), dificultando a consolidação dos dados. Segundo o Ministério da Justiça, as empresas só precisam notificar às autoridades se descobrirem risco à saúde e à segurança do consumidor. E quem avalia se o caso tem tal dimensão é a própria empresa.

- Um sistema unificado permitiria melhor informação e notificação de todos os envolvidos, do consumidor às vigilâncias sanitárias. O controle dos SACs, por exemplo, seria importante. O problema não está só na fiscalização, mas na falta de registro, de notificação dos problemas. As pessoas comem algo que não fez bem e não registram - afirma a doutora em alimentos e nutrição e professora da Unisantos Elizabete Lourenço da Costa.

Consumidor tem poder, diz titular da Senacon

Embora especialistas admitam que fiscalizar cada estabelecimento é uma missão impossível em qualquer parte do mundo, técnicos do Ministério da Agricultura (Mapa) reconhecem que o número de fiscais é insuficiente. O ministério tem 160 fiscais para cerca de seis mil empresas de produtos de origem vegetal registradas no Sistema de Inspeção Federal (SIF) e 980 - além de 1.865 agentes de apoio - para 3.438 locais de produção de origem animal.

Com mão de obra escassa, o Mapa aposta em um modelo preventivo de vigilância, igual ao que os EUA implantaram em 1996. Essa estratégia foi iniciada com a criação, em 2009, de um banco de dados com informações sobre alimentos prontos e semiprontos, como embutidos e frios. Este ano, a meta é se concentrar em carnes in natura . E, nos próximos quatro, aplicar o modelo a 40 famílias de produtos.

Para Judi Nóbrega, diretora do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Mapa, acima de tudo, é preciso aplicar um modelo mais eficiente onde há risco, otimizando a mão de obra. - Esse modelo gera indicadores. Por isso, permite avaliar o desempenho da indústria e cobrar dela. Mas é um processo lento - explica Ari Crispim, coordenador de Programas Especiais do Mapa.

Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sequer sabe quantificar quantos fiscais tem. Um censo sobre o assunto será realizado até 2014. A agência tem um total de dois mil funcionários e, segundo dados de 2004, todo o sistema de vigilância sanitária - que inclui as estaduais (que verificam as indústrias) e municipais (que inspecionam supermercados e restaurantes) - reunia 32 mil funcionários. De acordo com dados de 2012 da Associação Brasileira da Indústria Alimentícia, o setor tem 45 mil indústrias.

No Estado do Rio, há 22 fiscais para 230 fabricantes. No município, há 140 para cerca de cinco mil inspeções mensais. Para Juliana Pereira, titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), as pessoas têm que se dar conta de seu poder de compra e de veto. - A empresa de alimentos não pode ser punida porque fez o recall, isso é cumprir a lei, fazer o que estabelece o Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado, o ato de transparência é fundamental e ainda não está arraigado, não é tão natural no Brasil.

Falhas podem acontecer, como se age quando elas acontecem é o que faz a diferença. É preciso também que haja uma conscientização do cidadão da importância que ele tem do controle na ponta. Para Andrea Regina de Oliveira Silva, especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa, há poucos problemas frente ao tamanho do parque industrial. Segundo ela, toda empresa está sujeita a problemas, pois lida com pessoas e, no Brasil, ainda há muita produção manual, o que requer treinamento e abre margem para sabotagens.

Ricardo Cavalcante, diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal do Mapa, lembra que a cadeia de produção de alimentos é formada por uma série de binômios fornecedor/consumidor e que há muita gente controlando. - Todos analisam. O custo do desvio é tão alto que pressiona as empresas em termos de boas práticas e controle de qualidade. É uma lógica de responsabilidade controlada - diz, acrescentando que as fraudes são "a exceção da exceção". - O que é crime tem que ser tratado como crime.

Na infância das boas práticas

Carlos Thadeu de Oliveira, diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), avalia que as empresas precisam se comprometer mais: - Estamos na infância em termos de boas práticas e qualidade, da resposta rápida aos problemas. O que vemos é a postura de negar o problema ou de se apoiar em brechas legais para justificá-lo. Diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Longa Vida, Nilson Muniz afirma que a indústria de leite UHT apoia a criação de uma agenda positiva para a cadeia produtiva. Já a Unilever, dona da marca AdeS, perguntada sobre se o recente caso de contaminação do suco soja levou a mudanças em seu controle de qualidade, disse que não se pronunciaria. A Associação Brasileira de Supermercados, procurada desde o dia 24 pelo GLOBO sobre como garantir a qualidade dos produtos vendidos, disse que não teria porta-voz.



Veículo: O Globo - RJ


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