As mudanças no comportamento do consumidor, como reflexo do aumento da inflação e escalada dos juros, têm feito supermercados e atacadistas reduzirem projeções de crescimento no ano. Para a Associação Paulista de Supermercados (Apas), além de escolher marcas mais baratas, o brasileiro está suspendendo a compra de certos produtos temporariamente, o que contribui para previsões de expansão mais conservadoras.
O que existe, segundo entidades e economistas do varejo e do acatado, é uma revisão das prioridades no momento da compra por parte do brasileiro, e isso tem afetado os índices de volume de vendas, receita e níveis de rentabilidade das lojas nos últimos meses.
A Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abad), que representa o "atacarejo" (redes que vendem no atacado ao consumidor), voltou a revisar sua projeção de expansão do ano - previa-se 3,5% de crescimento real no início de 2014, passando para 2,5% em meados do ano e, neste momento, a estimativa é de 1,5% a 2% de alta real nas vendas. Dias atrás, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) confirmou revisão de alta de 3% para 1,9%, pior índice desde 2006.
"Estamos com dificuldades para bater os orçamentos previstos, com vendas em baixa e despesas em alta, e num mercado mais ávido por promoções. Nessas horas, alguém precisa abrir mão de algo, sobrando para as margens de lucro das lojas, que ficam mais comprimidas", diz José Rodrigues Costa Neto, vice-presidente da Abad. Ele ressalta que não há cancelamento de investimentos, "mas também não há pressa em investir", diz. "Se no passado, acelerávamos investimentos para ocupar espaços, agora estamos fazendo tudo no ritmo normal", afirmou.
Grandes redes do modelo "atacarejo" como Atacadão e Assaí continuam a anunciar projetos de expansão orgânica, com aumento no volume de aberturas, para buscar ritmo de expansão nas vendas mais acelerado por meio das inaugurações de pontos. "Se descontarmos as aberturas de lojas, a venda das empresas vai ser menor", afirmou o vice-presidente da Abad.
Publicada ontem, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relatou queda de 1,1% nas vendas do varejo (em volume) em julho ante junho, e retração de 0,9% sobre mesmo mês de 2013. Foi o pior julho desde 2008. A receita nominal subiu 5,9% sobre igual período de 2013, o pior julho desde 2006. Ao se descontar a inflação - acumulada em 6,51%, segundo o IPCA - há queda real na receita do ano. Os números consideram o varejo restrito (excluem materiais de construção e carros).
Na avaliação da equipe econômica da Apas, o movimento de revisão nos gastos do brasileiro, em períodos de desaceleração econômica, segue cinco passos principais. E o consumidor já teria entrado na fase final desse processo: a retirada momentânea de produtos da lista de compras.
"Há cinco etapas nesse processo e estamos numa migração da quarta fase, que trata da troca de marca [passando da mais cara para a mais barata], para a fase do abandono da compra, em que deixa de comprar determinadas mercadorias. Estamos caminhando para isso e não tem muito mais o que fazer após essa última etapa", diz Rodrigo Mariano, gerente do departamento de economia e pesquisa da Apas.
Segundo a consultoria Kantar Worldpanel, de abril a junho, o volume médio de compra de produtos no varejo caiu 2,3% sobre o ano anterior, com efeito sobre todas as classes de renda. Entre os itens que perderam espaço na lista de compras estão refrigerantes, leite fermentado e pasteurizado e iogurte (tipo petit suisse).
De acordo com o economista da Apas, na primeira fase de revisão de gastos pelo consumidor, quando há sinais iniciais de desaquecimento, existe a migração entre os de canais de compra, com a busca por preços menores. É uma reação inicial ao ambiente econômico mais adverso. "O consumidor deixa de ir ao supermercado mais caro e passa a frequentar os hipermercados, por exemplo. Essa fase já passamos", disse Mariano.
Num segundo momento, se a desaceleração se aprofunda, acontecem as compras planejadas, com o consumidor passando a visitar lojas com menor frequência. Isso ocorre porque ele aumenta o estoque de mercadorias em casa, com temor maior da inflação, por causa dos reajustes de preços. É algo que já foi identificado pela Apas.
De janeiro a março, a Kantar já havia registrado uma redução em duas visitas por mês de clientes às lojas (cairia, por exemplo, de 10 para 8 visitas), em relação ao início do ano anterior. Em 2012, diz Mariano, o brasileiro foi, em média, 170 vezes aos pontos de venda do varejo (supermercados, farmácias, atacadistas, entre outros). Em 2013, o número caiu para 156 vezes no ano. "Neste ano, já adianto que esperamos que isso caia ainda mais", afirma ele.
A terceira fase envolve a compra de produtos com o apelo do "mais por menos". Podem ser mercadorias que ofereçam quantidade maior ("leve dois litros e pague 1,5 litro"), em promoções específicas da indústria. Já a quarta fase envolve uma decisão mais drástica para algumas classes de renda: a troca da marca, com a migração de produtos de um fabricante para outro que pratica menores preços, sem que isso signifique perda considerável na qualidade do produto.
O quinto passo, identificado pela equipe da Apas, trata da redução da lista de compras de produtos nos supermercados. "As mudanças de comportamento vão sendo tomadas ao longo dos meses, e acontecem basicamente nessa ordem, e algumas vezes de forma conjunta, pelas pesquisas que já avaliamos", diz Mariano. São ações para adequar o orçamento das famílias, sem que isso comprometa tanto conquistas já obtidas.
Uma forma de verificar redução nas listas de compra está na análise do índice de volume de vendas no varejo, informado pelo IBGE.
Nos supermercados e hipermercados, há redução no volume de compras nas lojas em abril (-0,9%), em maio (-0,3%), alta em junho (0,3%) e queda mais profunda em julho (-1,5%), em relação ao mês anterior. Em relação mesmo mês do ano anterior há alta de 2,8% em maio, expansão de 0,6% em junho e queda de 0,2% em julho.
Quando o volume vendido sofre retração, o aumento de ofertas nas prateleiras cresce e precisa ser definido a ponto de conseguir ampliar a demanda, sem que afete rentabilidade das lojas. Pesquisa da Fecomércio SP, feita alguns anos atrás, informa que promoções com descontos superiores a 50% nos preços não garantem nenhuma margem de lucro à loja. Para descontos de 10%, por exemplo, é possível manter o lucro se o número de itens vendidos do item em promoção crescer 13% durante o "saldão".
Veículo: Valor Econômico