São Paulo - Em 2011, quando Belmiro Gomes assumiu a presidência da rede de 'atacarejo' Assaí, a operação era a menor do Grupo Pão de Açúcar (GPA). De lá para cá, as vendas dispararam, crescendo 300% no período, acompanhadas de uma expansão de 400% do lucro. Com o avanço, o Assaí se tornou a maior operação de todo o Casino (varejista francês que controla o GPA), ganhando os holofotes do grupo e mercado.
Em entrevista exclusiva ao DCI, Gomes falou sobre a evolução do formato, a entrada de novos players no segmento, o impacto recente da deflação de commodities nos resultados e sobre a recuperação da economia, que, segundo ele, 'exige cuidado, mas já saiu da UTI'. O empresário alertou ainda sobre os riscos da euforia em torno do modelo de 'atacarejo'. Para ele, o formato é complexo de operar e o clima de euforia pode cobrar um preço. "Pode ser um canto de sereia". A seguir, veja os principais trechos da entrevista:
Como o senhor enxerga o mercado competitivo no setor de 'atacarejo' e especificamente o Atacadão, principal concorrente da companhia?
O setor teve um crescimento muito forte nos últimos anos. Obviamente que vamos ser cuidadosos para falar do concorrente, então vou dar uma avaliação que seria de mercado. O Atacadão está presente em todos os estados, e é uma operação bem madura. Dado o nível de maturidade é difícil ganhar mais força na expansão.
Ele já preencheu todas as capitais brasileiras, a maioria das cidades com mais de 200 mil habitantes e é muito provável que ele vá para cidades menores, de 60 mil, 70 mil habitantes. Diferente do Assaí, que está só em 16 estados e ainda tem um espaço muito grande para expandir em praças elevadas, com maior concentração de população.
E os concorrentes menores? Alguns atacadistas de distribuição têm mostrado interesse em adotar o modelo de 'atacarejo'.
Está tendo esse movimento, não só de atacadistas de distribuição, mas também de varejistas que estão buscando o formato, o que deve mudar o cenário do mercado. Na medida em que houve essa migração tão forte dos consumidores, é natural que muita gente busque o setor. Mas sempre chamamos a atenção porque pode ser um canto de sereia. Ou seja, percebemos um clima de euforia que depois pode até cobrar um preço. Porque o modelo parece ser mais simples de operar, mas não é. Atender o público consumidor e pessoa jurídica, ter linha de sortimento e preço para isso exige um grau de esforço muito grande. Trabalhar com custos operacionais menores também exige um nível de conhecimento alto.
Qual o segredo para operar esse modelo de negócio?
A base de tudo - obviamente que tenho que evitar passar o know how -, é o custo baixo. Até 2011 tínhamos um modelo de lojas menores, mais 'espartanas'. Esse formato foi trocado em 2012 por lojas maiores, mais amplas e com melhor experiência de compra. Mas foi colocado um nível de tecnologia e otimização, que mesmo a loja entregando uma experiência melhor o custo operacional é quase 20% inferior ao do modelo anterior. Operamos agora com custos totais inferiores a 10% da receita líquida e a base para o preço baixo é essa.
Como o senhor enxerga a evolução do 'atacarejo'? Qual é o futuro do formato?
Obviamente qualquer formato tem que se ajustar a demanda da população. Em 2012 já foi um ajuste pesado de modelo. Para se ter uma ideia, nossa operação hoje não tem um papel impresso no ponto de venda. Todos os operadores que trabalham nas lojas tem um device, onde consultam estoque, imprimem etiqueta, fazem a comunicação, etc. Ou seja, investimos muito em tecnologia, e na automação da operação para conseguir reduzir custos.
Mas para o futuro o senhor enxerga alguma mudança significativa no modelo?
É provável que tenham alguns ajustes. Não podemos anunciar ainda qual, mas vamos ter uma inovação dentro desse formato atual, que estamos terminando de assar o bolo e logo logo devemos divulgar. Provavelmente no final deste ano ou no começo do ano que vem devemos divulgar ao mercado. O que posso adiantar é que será algo bem interessante mesmo. Faz três anos que estamos trabalhando nisso.
Para o consumidor final pode ter alguma melhoria ou ampliação de serviços?
O nível de serviços segue a política do modelo, que é preço. Para manter o preço baixo você precisa ter os custos operacionais muito baixos e adicionar serviços seria adicionar custos. Fora isso, além de atender o consumidor final, atendemos ao microempreendedor que presta serviços. Não faria sentido eu querer ser o abastecedor de farinha para a padaria e ter também uma padaria dentro da loja. Haveria um conflito.
O consumidor final hoje já representa mais do que o cliente pessoa jurídica?
Em fluxo sim. Vai variar conforme as regiões brasileiras, mas em volume de fluxo o consumidor final já representa cerca de 70%. Em valor de venda ele está hoje em torno de 50%. Mas depende do lugar, tem algumas regiões que o PJ ainda é muito forte, que é o caso aqui de São Paulo - onde há uma quantidade gigantesca de microempreendedores.
O senhor acha que deve seguir crescendo a participação do consumidor final, ou já chegou em um limite?
Eu acho que nas lojas existentes, sejam nossas ou de concorrentes, já chegou no limite. O que deve acontecer ainda é a maior abertura de lojas. O setor ainda vai passar por um período forte de expansão, até porque a maioria das unidades está no limite da capacidade de atendimento. Então o que você deve ter ainda é uma migração muito forte do consumidor, mas pela abertura de lojas em locais aonde ainda não tinha o modelo de 'atacarejo' ou só tinha um operador de compras.
O Grupo Pão de Açúcar tem investido muito nos programas de fidelidade. Isso é algo que está no radar do Assaí?
Ainda não, porque o programa de fidelidade de uma maneira ou de outra tem um custo. E hoje ainda a principal política atrativa do Assaí é o preço. Há uma preocupação muito grande nossa em não perder o driver que trouxe esse cliente, que é o preço baixo.
Mas apenas o preço baixo será suficiente para manter esse consumidor?
Temos um paralelo que aconteceu nos Estados Unidos em 2008.Em pleno pico da crise norte-americana foi quando as operações de atacado, como o Costco, mais cresceram. Passada a recessão elas continuaram crescendo. Uma vez que o cliente vive e encontra uma diferença grande de preços ele tende a manter.
Falando um pouco do crescimento, no ano passado as vendas do Assaí avançaram 40%. Este ano a deflação está atrapalhando a receita nominal, mas em termos de crescimento real como vocês têm se saído e quais as perspectivas?
O crescimento real deste ano, por incrível que pareça, está maior do que o do que o de 2016. Tanto no 'mesmas lojas', quanto no total. Temos uma queda da inflação e dos 28,9% que crescemos no primeiro semestre cerca de 24% é crescimento real. No primeiro semestre tivemos 4% de inflação e agora para o terceiro trimestre isso vira deflação. Operamos no começo do trimestre e até agora com 3% a 4% de deflação.
O impacto da deflação no resultado se acentuou no terceiro trimestre deste ano?
Ele se acentuou. O efeito negativo neste trimestre vai ser maior do que no segundo. Para o quarto trimestre tínhamos a expectativa que houvesse uma normalização, mas aparentemente isso não deve ocorrer, já que os preços continuam caindo. Temos supersafras da maioria das commodities agrícolas, um dólar que está baixo e não estimula as exportações, e um mercado de consumo ainda retraído. Os três cenários levam a uma queda de preços.
Tirando a questão da deflação, como o senhor vê o cenário da economia e do varejo como um todo?
Você tem sinais de melhora. Por mais que tenhamos uma turbulência no âmbito político, temos um dólar baixo, uma taxa de desemprego caindo, e juros também em queda. Ou seja, dá a impressão de que a economia real se descolou um pouco da crise política. Obviamente que não dá para desconsiderar que isso pode uma hora afetar a economia, mas as perspectivas me parecem muito positivas. Não só como torcida, porque torcer todos nós torcemos que 'engrene', mas de fato começamos a ver sinais de aumento de consumo, de queda do desemprego, e de um retorno dos investimentos.
São sinais consistentes?
Sim, você não tem nenhum aspecto pontual, que se possa falar que gerou esse cenário e que não vá se sustentar. Tivemos obviamente um efeito positivo do FGTS no primeiro semestre, que injetou dinheiro na economia, mas agora mesmo sem a injeção a economia continua crescendo. Não é esperada uma grande retomada e ainda há sinais de preocupação, mas eu diria que o paciente saiu da UTI. Ainda está no quarto e exige cuidados, mas já saiu da UTI.
Mas para o varejo retomar o patamar de antes da recessão ainda deve demorar?
Deve demorar, acho que não será em 2018. Talvez a partir de 2019 ou 2020. Depois que tiver a próxima eleição e fechar melhor o cenário político. Porque ainda temos uma conjuntura que causa incerteza e demora para a própria economia reagir. Temos alguns Estados muito impactados pela questão econômica, Rio de Janeiro é um exemplo deles.
Fonte: DCI São Paulo