Há pouco mais de três anos, o fundo de investimento americano Advent viu uma oportunidade onde a maior parte do mercado só via problemas: a operação brasileira da rede de supermercados americana Walmart. Após muita insistência, o fundo conseguiu marcar uma reunião na sede da companhia, em Bentonville, no estado de Arkansas, para apresentar sua proposta. Passaram-se dois anos entre a primeira conversa e o fechamento de um acordo, em junho de 2018.
Sem pagar um real, o Advent ficou com 80% da operação do Walmart no Brasil, e se comprometeu a investir 2 bilhões de reais na empresa até 2021. Foi o maior negócio do fundo em duas décadas no país e também o mais desafiador. Não era segredo para ninguém que a divisão brasileira do gigante do varejo acumulava prejuízos e não estava entre as prioridades da matriz. A operação adquirida tinha lojas em estado de abandono, equipes sobrepostas e pouca conexão com os consumidores de seus principais mercados. O Walmart é um tremendo desafio. Mas o trabalho está em curso.
O interesse do Advent veio com a crise econômica. Em 2016, a gestora buscava empresas para investir o dinheiro de um fundo de 2,1 bilhões de dólares levantado com foco na América Latina. O Brasil estava no auge da recessão e a meta era focar setores resistentes. A experiência da crise econômica de 2008 nos Estados Unidos mostrava que os setores de varejo alimentar e de autopeças tinham espaço mesmo na crise. E o Advent já possuía experiência no varejo brasileiro, com participações em redes como a gaúcha Quero Quero, que vende material de construção e eletrodomésticos, e a Dufry, de produtos importados.
Para entrar no ramo de supermercados a oportunidade disponível era de um gigante. O Walmart ocupa a terceira posição no ranking de maiores empresas do setor no Brasil e faturou 28 bilhões de reais em 2017, menos do que os 28,5 bilhões de 2013. Na visão do Advent, era uma oportunidade.
Um ano depois de assumir o negócio veio uma decisão radical: abrir mão da marca Walmart e transformar a empresa em grupo Big, dono das bandeiras Big, Bompreço, Maxxi, Sam’s Club, Nacional e TodoDia. A decisão foi recebida com surpresa pelos consumidores, mas faz sentido na visão de especialistas. “A marca Walmart perdeu força no Brasil. Ressuscitá-la seria caro. Então, adotar uma marca local, mais próxima, foi uma boa ideia”, diz Ricardo Rodrigues, diretor da AGR Consultores.
O trabalho mais relevante, porém, está acontecendo longe dos holofotes, a cargo do novo presidente, Luiz Fazzio, ex-Carrefour. O Walmart, que ficou com 20% da empresa, também tem um dos cinco assentos no conselho de administração. Após um diagnóstico dos (poucos) pontos fortes e dos (muitos) pontos fracos da operação, o fundo definiu cinco pilares de atuação, em um plano de sete anos. A meta principal é apenas e tão-somente chegar ao mesmo patamar da concorrência. “Não dá para falar em inovação enquanto não for feito o básico”, diz um executivo próximo ao Advent.
A primeira meta é reforçar sua operação de atacarejo, o Maxxi. Maiores concorrentes da companhia, o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour vêm investindo em suas bandeiras Assaí e Atacadão, respectivamente, que ganharam espaço na crise econômica. O Assaí abriu 18 lojas só no ano passado; o Atacadão, 20. O Maxxi andou para trás. Há dez anos, a marca tinha 55 lojas; hoje, tem 43. Para reverter o encolhimento, não basta abrir unidades. “O fato de a empresa não ter dado atenção a esse formato gerou um desgaste de imagem e um distanciamento do cliente”, diz Alexandre van Beeck, sócio da consultoria de varejo GS&Consult.
Enquanto os concorrentes se adaptaram para atender melhor os consumidores, o Maxxi se manteve focado em atender pessoas jurídicas. Os corredores do Maxxi até pouco tempo tinham fardos fechados de desodorantes e pouca variedade de marcas. A nova gestão contratou o executivo Beto Alves, que veio do Atacadão com a missão de colocar o Maxxi no presente. A loja de Diadema, na Grande São Paulo, uma das maiores da rede, foi reformada e seu modelo agora está sendo replicado em outras unidades. Além de novos equipamentos, a loja ampliou o sortimento, de 4.000 para 6.000 produtos, e reduziu o espaço voltado para pequenos comerciantes.
Para atender esse público, a marca reforçou as vendas por telefone. A meta é reformar todas as unidades até o fim do ano; já foram 27. As unidades renovadas têm visto o faturamento crescer em 50%, com dois pontos a mais de margem. Em breve, o Maxxi ganhará sua primeira nova loja, em São Paulo, depois de anos perdendo espaço. Virá da reforma de uma unidade do Walmart na Vila Maria.
Na mesma linha de atuação, o grupo também vai ampliar o Sam’s, clube de compras de produtos importados que tem atualmente 28 lojas no Brasil. Apesar do nome estrangeiro, a marca foi mantida pelo Advent por motivos estratégicos. O formato é semelhante ao do atacado, com embalagens grandes e econômicas. Mas os produtos são importados e os sócios pagam 75 reais por ano para ter acesso a itens exclusivos. A bandeira é considerada uma das grandes vantagens do grupo Big no mercado brasileiro.
Com a venda do negócio ao Advent, a divisão local do Sam’s Club tornou-se a única no mundo não operada diretamente pelo Walmart. Enquanto nos outros formatos o Big precisa correr atrás da concorrência, o modelo do Sam’s Club não tem equivalente no país. A meta da empresa é chegar a 80 lojas do Sam’s Club no Brasil, sendo que 30 delas devem vir de unidades convertidas. A primeira nova loja da marca foi inaugurada neste mês, em Brasília, com 20 mil novos sócios — as vendas cresceram até cinco vezes nos primeiros dias.
Enquanto Maxxi e Sam’s Club ganham lojas, os hipermercados vão perder espaço. O Advent comprou a companhia com cerca de 120 unidades de hipermercados. Quando a arrumação da casa terminar, a ideia é que o formato tenha entre 50 e 60 lojas. Até lá, todas as unidades devem passar por reforma.
O plano é investir 1 bilhão de reais em reformas e conversão de lojas até dezembro do ano que vem. Renovadas, as unidades têm sido reinauguradas com festas para aproximar o cliente. Um show surpresa da cantora Elba Ramalho no centro de Recife marcou o relançamento das lojas em Pernambuco, onde o grupo usa a marca Bompreço. Até o final do ano serão reinauguradas as oito lojas na cidade de São Paulo com a marca Big. O sortimento das unidades está diferente. O grupo criou departamentos regionais de compras em Recife, Salvador e Porto Alegre para aumentar a oferta de marcas locais. As lojas de Pernambuco, por exemplo, não tinham bolo de rolo.
Para melhorar a rentabilidade, além de vender mais, a empresa tem de ser mais eficiente. Na antiga gestão, os processos internos eram tantos que se levavam 15 dias para mudar o preço de um produto na loja. Agora a alteração acontece em um dia — como na concorrência. Um próximo passo é aproveitar melhor o espaço dos terrenos. O Advent identificou 251 imóveis próprios com potencial de desenvolvimento de prédios residenciais e comerciais. A ideia é fazer parcerias com incorporadoras. Um projeto piloto com três imóveis já está em estudo.
E o digital?
Toda essa reorganização deve levar pelo menos dois anos. É um trabalho necessário, mas que fará a rede Big perder ainda mais tempo para a concorrência. “O mercado amadureceu nos últimos anos. A régua ficou mais alta, e o fundo vai ter trabalho para transformar o Big em um negócio atraente”, diz um empresário do setor. Uma das maiores frentes de inovação é a digital. As compras online ainda são pouco expressivas no Brasil — foram 68 bilhões de reais no ano passado, cerca de 4% do varejo total.
Nos Estados Unidos, o volume de vendas na internet bateu 444 bilhões de dólares em 2018, cerca de 10% do varejo total. Por lá, concorrentes online, como a Amazon, começaram a abrir e comprar supermercados. “O avanço da concorrência fez com que o Walmart percebesse que precisa olhar mais para o e-commerce e menos para as lojas físicas”, afirma Neil Stern, sócio da consultoria de varejo McMillanDoolittle, baseada em Chicago, nos Estados Unidos.
Mas, no Brasil, o trabalho de reerguer as lojas físicas tem deixado pouco tempo para o grupo Big se ocupar do online. Em maio deste ano, a empresa encerrou seu marketplace. A avaliação interna foi de que a operação perdia muito dinheiro e gerava pouca receita. Além disso, o negócio não tinha sinergias com as lojas físicas. O Advent prepara uma nova abordagem para o digital e deve lançar um piloto em São Paulo nos próximos meses. Enquanto o Big engatinha, o Grupo Pão de Açúcar já oferece a modalidade “clique e retire” em 89 lojas.
No ano passado, a companhia comprou a startup de entregas James Delivery. O Carrefour firmou parcerias com as startups Rappi, de entregas, e Propz, de análise de dados. O risco é o Big correr para alcançar os concorrentes e, quando chegar lá, perceber que ficou para trás de novo.
Fonte: Exame