A pandemia obrigou os supermercadistas a se reinventarem e muito mais consumidores conheceram, na prática, o conceito de multicanalidade, que veio para ficar
Passado pouco mais de um ano desde o início da pandemia da covid-19 no Brasil, o e-commerce no setor supermercadista continua muito bem e com tendência de crescimento constante. Se no início do maior desafio sanitário do Brasil, em fevereiro de 2020, os varejistas tiveram de agir rapidamente para ampliar investimentos em seus canais de vendas on-line e na logística de distribuição, agora não conseguem se ver sem este importante canal de comercialização. E que abre, inclusive, a possibilidade de expansão em formas antes inimagináveis.
A rede Pague Menos, por exemplo, que tinha atuação em parte do interior de São Paulo, com 29 lojas físicas em 16 municípios – principalmente nas regiões de Campinas e Piracicaba –, viu no e-commerce a possibilidade de estender suas vendas para todos os 645 municípios do Estado. E isso no espaço de menos de um ano, quando nem sequer trabalhava com e-commerce. Conforme conta o gerente de Marketing e Inteligência de Mercado da rede Pague Menos, Diego Cicconato, as vendas online começaram em janeiro do ano passado, com abrangência em apenas três cidades paulistas – Americana, Nova Odessa e Sumaré.
“Desde então, não paramos mais de expandir o comércio eletrônico e, agora, atendemos não somente as cidades onde temos lojas, mas todo o Estado de São Paulo, incluindo a capital e o litoral”, comenta Cicconato, que reconhece que a pandemia “mudou o patamar do e-commerce supermercadista”. “Tivemos de agir rapidamente na ampliação de atendimento online para atender à demanda dos consumidores, que migraram para a compra digital”, continua. “Com isso, costumo dizer que avançamos três anos em três semanas, o que favoreceu um crescimento exponencial à rede.” Para Cicconato, a tendência de compras online é irreversível. “Uma mudança que veio num momento difícil para todos, mas que trouxe benefícios à nossa empresa.”
O líder de e-bit da Nielsen Brasil, Marcelo Osanai, traduz esse crescimento em números. Ele diz que, em 2020, os supermercados cresceram 29% em pedidos e 11% em faturamento no e-commerce, com as categorias de alimentos, bebidas e higiene e beleza impulsionando este avanço, em razão das medidas de isolamento social por causa da pandemia de covid-19 e também das restrições ao comércio não essencial.
Para este ano e os próximos, ele acredita que existe a tendência de os números não serem tão exponenciais, ou seja, o crescimento continuará, mas a menores taxas. “À medida que a pandemia se arrefecer e as regras de abertura do comércio forem mais flexíveis, assim como as do isolamento social, há a tendência de o e-commerce crescer a menores taxas”, avalia. “Nossa expectativa para 2021 é de 26% de crescimento em faturamento total no e-commerce do País, uma porcentagem menor do que os 41% de 2020 ante 2019, mas ainda uma alta taxa”, diz Osanai, que justifica a evolução deste canal de vendas entre os brasileiros: “As vendas online são modernas e trazem muitas vantagens em ofertas, portfólio e comodidade. Ou seja, independentemente da pandemia, há vários benefícios nas compras por este canal”.
O executivo da Nielsen acredita que, dado o grande avanço e aprendizado dos supermercadistas de todos os tamanhos no e-commerce no último ano, a tendência será o setor preservar a multicanalidade de vendas. “Independentemente de ter pandemia ou não, a ‘omnicanalidade’ veio para ficar”, diz Osanai, referindo-se, no caso, à possibilidade de o consumidor poder acessar e comprar produtos por intermédio de vários canais – online e em lojas físicas –, conforme sua conveniência. Para tanto, reforça a necessidade de o supermercadista estar “focado na experiência de compra”, sempre. “É importante investir em tecnologia e plataforma de atendimento online na pré e na pós-compra, para que o consumidor se sensibilize e volte a comprar neste canal.”
O grupo mineiro Super Nosso, com 28 lojas em Belo Horizonte e região metropolitana, já entendeu a necessidade da multicanalidade das vendas, relata o gerente de E-commerce e Transformação Digital, Bruno Pedra. Ele conta à SuperHiper que “para o grupo, as vendas no e-commerce consolidaram as iniciativas do grupo para oferecer aos clientes uma experiência 100% omnichannel”. Segundo Pedra, hoje os clientes da rede podem utilizar vários canais para compra. “No Clique e Retire, por exemplo, o cliente faz a compra no site e busca na loja de preferência”, informa o executivo. “Já no supernossoemcasa.com ou no Apoio Entrega, ele faz a compra e recebe o produto em casa, com toda segurança e praticidade.” Fora, obviamente, as lojas físicas.
Em abril de 2020, o faturamento do Supernosso em comércio online cresceu 400% em relação a igual período de 2019. O crescimento médio no segundo semestre de 2020 foi de 300% ao mês. “Para 2021, o Grupo Supernosso está com a média de 200% mais de faturamento em relação aos meses de 2020.” Pedra diz que a pandemia estimulou pessoas que nunca compraram online a terem sua primeira experiência no canal, “quebrando a insegurança que existia”. Ele acredita, porém, que mesmo sem pandemia, é “uma comodidade que veio para ficar”. “E a tendência é de que o número de consumidores e a recorrência de consumo online venham só a aumentar, ainda mais com a mudança de grande parte dos profissionais para o regime de home office.”
Agora este ano, infelizmente a pandemia prossegue e até mais grave do que no ano passado, mas, mesmo com o isolamento social um pouco mais relaxado em razão de várias circunstâncias, as vendas online continuam avançando com passos largos. Segundo levantamento do índice MCC-ENET, desenvolvido pela Neotrust/Movimento Compre & Confie, em parceria com o Comitê de Métricas da Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net), em abril houve alta de 17,74% nas vendas online em relação a igual mês de 2020. Em faturamento, o salto foi de 40,68%. Os dados de abril são os mais recentes, informa a camara-e.net.
“Mesmo com uma pequena retração em relação ao mês anterior (recuo de 6,43% março), o mercado passou por uma transformação permanente, com ampliação de vendas das categorias de produtos de necessidade diária e entrada de novos consumidores no varejo digital”, diz, em nota, o secretário executivo da camara-e.net, Felipe Brandão. Ele cita ainda que, no acumulado do ano, há avanço de 13,97%. Brandão lembra que, historicamente, o mês de abril apresenta “tímida retração” no e-commerce, mesmo antes da pandemia. “Não vemos relação direta da queda em abril com um maior relaxamento das medidas de isolamento.”
Outro dado interessante da pesquisa é que a categoria “hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo” cresceu 0,7% em vendas em março de 2021, se comparado ao mês de março de 2020, quando representaram, no bolo total de vendas online, 2,8%. “Aos poucos a categoria de hipermercados vem ganhando maior participação no âmbito das compras online”, reforça Brandão à SuperHiper.
Ele também concorda que, mesmo num cenário sem pandemia, as vendas online devem continuar crescentes, em razão “da importância do canal para os lojistas, que apostam cada vez mais na multicanalidade dos seus negócios”.
Visão da indústria
O ano de 2020 foi histórico para o e-commerce alimentar e, consequentemente, para as indústrias de bens de consumo. Para a Unilever, por exemplo, a companhia conseguiu atingir um novo patamar de vendas em sua operação, com disparada pela busca de produtos para limpeza para casa, destacando-se as marcas OMO e CIF. A empresa também conseguiu adaptar rapidamente seu portfólio para disponibilizar sua linha completa de desinfecção com OMO, álcool em gel e sabonetes antibacteriano através de Rexona. Outro destaque foi Hellmann´s, Knorr e Mãe Terra, pois, com as restrições, o brasileiro intensificou o cozinhar em casa, aumentando significativamente a participação de alimentos no on-line.
“Um movimento que já estava consolidado e que vale reforçar é a participação desproporcional de marcas mais premium e com propósito claro, como Love, Beauty and Planet, Nexxus e Sétima Geração. Chegam a ser quatro vezes maior no online”, revelou o gerente de e-commerce, Thiago Dias. “Isso é explicado por serem marcas com maior propensão de distribuição via players que estão no online, e também pelo uso de ferramentas que permitem o varejo ativar o consumidor por meio de dados, sendo mais cirúrgicos na segmentação”, explica.
Na avaliação de Dias, a Unilever percebe um varejo mais preparado, que buscou infraestrutura para operar no canal, vencendo barreiras tecnológicas e logísticas. A companhia também enxerga o consumidor com maior intenção de compra, mixando sua cesta entre os canais on-line e off-line. “Acreditamos que, ainda nos próximos dois anos, o canal que já crescia em altas taxas, entregará ao varejo crescimentos acima das taxas pré-pandêmicas. Segundo a Kantar, apenas 12,9% dos lares brasileiros compraram on-line, ou seja, há espaço para as operações digitais conquistarem espaço. E players fora do segmento supermercadista já sabem disso.”
Questionado sobre quais os principais aprendizados que a Unilever pode transmitir ao varejo em relação ao e-commerce, Thiago Dias foi enfático: em primeiro lugar, se fazer presente no canal on-line. “A maior barreira que precisa ser endereçada no Brasil é a disponibilidade do e-commerce em si. Por isso que, em 2018, lançamos o Meu Mercado em Casa, uma plataforma para dar acesso ao varejo ao canal, onde já conectamos mais de 800 lojas ao seu consumidor. Os apps de entrega também são uma boa porta de entrada para quem quer participar desse canal”, lembra.
“Outro ponto importante é que o e-commerce é mais do que um canal de vendas, é um canal de influência, e o consumidor está usando o smartphone enquanto compra no PDV físico para comparar. Logo, não estar presente no mundo digital faz com que sua participação na jornada de compra do consumidor diminua. Eu cito o e-commerce como um canal de influência, pois, por meio dele, o varejista pode aumentar sua presença em mídias digitais, pode acelerar seu aprendizado através de dados e reaplicá-los em toda a operação.”
Para completar, Dias destaca mais três pontos de atenção para que o varejo obtenha mais eficiência em seu e-commerce. O primeiro deles diz respeito à qualidade das imagens dos produtos, que devem ser otimizadas para as pequenas telas dos celulares, as chamadas Hero Image. “Outro ponto é o cuidado com a descrição dos itens. O consumidor não tem a embalagem em mãos para consultar, logo, ter informações completas é imperativo para uma boa experiência. Por fim, invista em capturar, analisar e entender os dados que o sell-out on-line aponta. Eles são grandes indicadores de tendência e oportunidade.”
E-commerce por segmentos no Brasil
Em março de 2021, a composição de compras realizadas pela internet, por segmento, ficou da seguinte forma: equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (43,1%), móveis e eletrodomésticos (26,9%); e tecidos, vestuário e calçados (10,4%). Na sequência, artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (7,4%), outros artigos de usos pessoal e doméstico (6,2%); hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (3,5%); e, por último, livros, jornais, revistas e papelaria (2,5%). Fonte: Câmara-e.net
Em 2020, o e-commerce do varejo alimentar cresceu…
29% em pedidos
11% em faturamento
Redação SuperHiper