Gaúchos elegem a Polar, paulistas preferem Skol, enquanto que o Rio bebe Antarctica e adota Itaipava. Schincariol domina o Nordeste
Vender cerveja está cada vez mais "científico". A ciência cervejeira leva em consideração o poder aquisitivo e as variações de temperatura. Mas também, cada vez mais, as grandes fábricas traçam planos estratégicos para não desperdiçar nenhum centavo em vendas e distribuição mal dirigida. Com isso, o processo de comercialização regional por marcas ganha força.
Os fabricantes se apoiam no "espírito de torcida" que o consumo da bebida desenvolveu nos últimos anos. Algo cultivado pelas mensagens publicitárias, que construíram um fervor na linha do devotado ao time de futebol. Diante disso, em vez de gastar rios de dinheiro em propaganda para tentar promover adesão às suas marcas, as empresas estão reforçando as preferências regionais.
No Sul do País, por exemplo, a marca do coração é a Polar, do portfólio da Ambev, a cervejaria líder no Brasil com 68% de participação de mercado. Aproveitando que a Polar é a queridinha dos gaúchos, a empresa puxa o preço em comparação às outras marcas. Com isso, garante boa rentabilidade e mantém o clima de exclusividade em torno no rótulo.
"Se a Polar sair do Rio Grande do Sul, vamos matar a marca", avalia Thiago Zanettini, gerente de Polar e Antarctica da Ambev. "O gaúcho tem características muito peculiares de consumo e valoriza o produto local. Vendemos a Polar em redutos mais badalados e, por isso, o preço fica acima da média do mercado".
A tática de garantir rentabilidade apostando na preferência do consumidor por região de consumo, faz com que as cervejarias mapeiem a distribuição. As marcas menos cotadas só desembarcam em determinadas regiões para a desova de estoques e, quase sempre, são comercializadas a preços de liquidação.
A fonte estratégica de informações para a ação de vendas são os dados de pesquisa. A se considerar os três maiores mercados no Brasil por valor - Grande São Paulo, interior do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro - as preferências são distintas. Na embalagem clássica, que é a garrafa de 600 ml, pelos dados Nielsen referentes à janeiro deste ano, os paulistanos dão liderança à Skol, uma marca que já foi a preferida dos cariocas. Já a turma do interior do Estado escolhe a Brahma. No Rio, a líder com mais de 10 pontos porcentuais à frente da segunda colocada é a Antarctica.
As três marcas são do portfólio da Ambev. O que surpreende é o avanço contínuo da Cervejaria Petrópolis, dona da marca Itaipava. No interior de São Paulo, a empresa aparece em terceiro lugar com a popular marca Crystal, que detém quase 15% das vendas totais. No Rio, aparece também em terceiro, mas com mais de 18% de participação, encostando na Skol, que hoje detém 20% das vendas nessa região.
"A disputa nas vendas de cerveja é mais por microrregião", garante Douglas Costa, diretor de marketing da Petrópolis. "Nós não estamos no Nordeste. Então, conosco, a briga se dá por mercado no Sudeste e Centro-oeste, onde estão nossas maiores fábricas. Cada concorrente tem comunicação específica para atrair a torcida no seu mercado preferencial. Esse cuidado interfere na lucratividade do negócio. Entre São Paulo e Rio, por exemplo, a diferença de preço pode chegar a 20%."
Até mesmo os holandeses da megacervejaria Heineken, que acabaram de chegar ao mercado com a compra da Cervejaria Kaiser há um ano, a tática de atuação, ainda não divulgada, deve ser regionalizada. A marca Bavaria vem tendo distribuição concentrada no interior de São Paulo. "As vendas são cada vez mais feitas por perfil de consumidor, e a Bavaria atende ao universo sertanejo. Toda a sua comunicação vai nessa direção", explica Paulo Macedo, diretor de relações corporativas da Heineken.
A marca que dá nome ao megagrupo global deve seguir voltada ao segmento premium, ou seja, o das cervejas mais caras graças ao grande valor agregado da marca Heineken. Aliás, no Brasil, assim como a empresa fez em outros países onde adquiriu operações, a companhia trouxe um especialista para ajustar o portfólio de marcas e definir como trabalhá-lo. "Vender marcas desejadas é levado a sério na empresa", diz Macedo.
Oferta
A inglesa SABMiller, segunda maior cervejaria do mundo, estuda oferta para comprar a brasileira Schincariol, avaliada em US$ 2 bilhões, informou ontem o Sunday Times. A holandesa Heineken também estaria interessada.
Petrópolis empata com Schin, que tem presença limitada no Sudeste
A Petrópolis, dona da Itaipava, detém 10,8% de participação do mercado nacional de cervejas e esbarra Schincariol, que está com 10,97% de participação, de acordo com os últimos dados da pesquisa Nielsen. Parte dessa proximidade se deve à certeira tática da Petrópolis em criar um rótulo de boa aceitação.
Cada ponto porcentual de participação representa cerca de R$ 100 milhões em faturamento, pelos cálculos projetados por analistas que monitoram o setor. Se posicionar bem nesse ranking de participação é garantir valor para os negócios da empresa.
Com presença limitada na região Sudeste por falta de uma marca forte nos últimos anos, a Cervejaria Schincariol, que nasceu em Itu, no interior de São Paulo, tem se dedicado a construir uma marca que lhe dê espaço. Nos três maiores mercados brasileiros, a marca Schin tem baixa penetração. Contabiliza meros 5,8% de participação na Grande São Paulo, e 3,8% no interior paulista. No Rio, sequer aparece no bloco da frente. Domina no Nordeste.
Nos últimos anos, a marca se esforça e provoca a audiência com campanhas publicitárias aguerridas. Garantiu mídia trazendo a escandalosa socialite americana Paris Hilton para ser a garota-propaganda da marca Devassa Bem Loura, tentou repetir a dose pondo a bem comportada cantora Sandy para dançar a gonga sobre um balcão de cabelos tingidos de loura.
Até agora, a marca não passou de 0,2% de participação de mercado. Sandy vai ter de rebolar muito para fazer a Devassa ter sua própria torcida.
Veículo: O Estado de S. Paulo