Não desceu redondo
Governo dos Estados Unidos tenta barrar a compra da cervejaria mexicana Modelo pela AB Inbev. Para salvar um negócio de US$ 20 bilhões, dona da AmBev terá de combater o nacionalismo cervejeiro americano.
Por Rodrigo CAETANO
A trajetória da belgo-brasileira AB InBev até se tornar a maior cervejaria do mundo foi construída por meio de uma agressiva estratégia de aquisições. Em 1999, a fusão da Brahma e da Antarctica deu origem à Ambev, líder do mercado brasileiro, com mais de 70% de participação. Cinco anos depois, ela se uniu à belga Interbrew, criando a InBev. Em 2008, em meio ao estouro da crise financeira global, foi a vez de fazer uma oferta hostil de US$ 52 bilhões e comprar a Anheuser-Busch (AB), dona da marca Budweiser, a cerveja mais tradicional dos Estados Unidos. Todos esses lances deram uma posição privilegiada à companhia comandada pelo carioca Carlos Brito, o seu CEO global.
Ela fatura US$ 39 bilhões e detém aproximadamente 20% do mercado mundial de cerveja. É um sucesso invejável na história do capitalismo. O problema é que sucesso demais – e dos outros – incomoda, especialmente em países onde a companhia cervejeira detém participações expressivas de mercado. A AB Inbev, cujos principais acionistas são os brasileiros Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, é poderosa nos principais mercados de alto crescimento do varejo e do consumo de bebidas. No Brasil, ela tem market share de 69%. Na Rússia e na China, ocupa a segunda posição. Nos EUA, desde a compra da AB, detém uma fatia de 48%.
Com a compra do grupo mexicano Modelo, um negócio de US$ 20,1 bilhões, anunciado no ano passado, a AB InBev passaria a ter 54% de participação. É demais para o nacionalista setor cervejeiro americano, que há tempos promove uma guerra contra os planos ambiciosos da AB InBev. No ano passado, a revista Bloomberg Business Week publicou uma reportagem de capa com a seguinte chamada: “A conspiração para destruir a cerveja americana”. Uma garrafa de Budweiser explodindo deu o tom da cobertura. O ataque começa a surtir efeitos práticos. O governo americano, por meio do Departamento de Justiça, anunciou, em 31 de janeiro, que vai tentar barrar a negociação da cervejaria Modelo nos tribunais.
A alegação é de que, com a transação, a AB Inbev promoverá um aumento no preço da cerveja no mercado americano, prejudicando o consumidor. Se conseguir impedir a compra, o governo de Barack Obama infligirá um duro golpe à cervejaria. A compra da Modelo é parte fundamental do plano da AB Inbev de controlar o mercado mundial de cerveja, por meio de quatro marcas globais: Budweiser, Stella Artois, Beck e Corona, que viria com a aquisição. Por esse motivo, não foi surpreendente a curta e dura resposta dada pela AB InBev ao governo dos EUA. A cervejaria prometeu “contestar vigorosamente” as alegações do Departamento de Justiça.
“A ação para barrar a aquisição é inconsistente com as leis, os fatos e a realidade do mercado”, afirmou a empresa, em comunicado divulgado na quinta-feira, 31 de janeiro. O governo americano, por sua vez, apresentou documentos da própria AB Inbev, que comprovariam seus planos de encarecer a bebida. Em um deles, executivos da cervejaria se dizem incomodados pelo fato de a Corona não aumentar os seus preços. A disputa agora vai para os tribunais, onde tentativas de compra semelhantes, como a da operadora de telefonia T-Mobile pela AT&T, foram barradas recentemente. O Departamento de Justiça deve defender no processo que a Corona desempenha um papel importante no equilíbrio do mercado americano.
A teoria é de que, ao se posicionar com um preço ligeiramente maior do que as líderes Budweiser e Coors – uma caixa com 12 Coronas custa US$ 2 a mais –, a cerveja mexicana impede grandes variações de preço. Em sua defesa, a AB Inbev alega que as citações apresentadas pela acusação foram tiradas de seu contexto original. Ao mesmo tempo, a companhia belgo-brasileira tentará provar que o governo não entendeu a forma como a Corona é comercializada. A cerveja é importada para o país pela distribuidora Crown Imports, uma joint venture entre a Constellation Brands e a própria AB Inbev. Após a compra da Modelo, a cervejaria venderá sua participação na Crown.
Por conta disso, ela não teria como controlar o preço da Corona. A defesa também alega que a importância da marca para o equílibrio do setor não é tão grande, já que é preciso considerar o mercado de bebidas em geral, e não só o de cervejas. O Brasil, onde a Ambev tem a liderança absoluta no mercado, pode servir de exemplo para os Estados Unidos. Segundo a analista Ana Carolina Boyadjian, especialista em bebidas da consultoria paulista Lafis, o fato de a Ambev deter quase 70% do setor não prejudicou os concorrentes. “O mercado todo cresceu”, afirma. “A Ambev estabelece um patamar, que é seguido pelas concorrentes.”
Segundo a Fundação Getulio Vargas, o preço da cerveja subiu mais de 15% entre fevereiro do ano passado e janeiro deste ano. No mesmo período, o IPC-S variou pouco mais de 5%. No mercado americano, que tem milhares de cervejarias artesanais e está em crise econômica, a guerra nas gôndolas é mais difícil. O fato é que a Ambev se tornou uma fabulosa máquina de lucros: na última década, a companhia presidida por João Castro Neves ganhou mais de R$ 40 bilhões, tornando-se a mais valiosa empresa do Brasil (R$ 285 bilhões), superando a Petrobras e a Vale. Com um estilo de gestão baseado em metas elevadas e na meritocracia, a AB Inbev não vai facilitar a vida dos concorrentes nos Estados Unidos.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro