Na sede da MillerCoors em Chicago, o mestre cervejeiro Manny Manuele tira de um balde com gelo uma garrafa preta da mais nova cerveja da empresa. Ele tira a tampa com uma reverência ostentosa, amealhada ao longo de 35 anos de carreira e incontáveis degustações. Desta vez, em vez de servir a cerveja em um copo alto de vidro, ele a despeja em um copo baixo e gordo, daqueles normalmente usados para uísque. Se os planos da MillerCoors derem certo, garçons por todos os bares dos Estados Unidos vão repetir o ritual de Manuele quando a empresa lançar a cerveja, a Miller Fortune, ao longo dos próximos dois meses. Com um sabor complexo, que lembra malte e uísque bourbon, a cerveja âmbar terá uma distribuição mais abrangente e rápida do que qualquer outra lançada pela MillerCoors desde a criação da joint-venture entre a Molson Coors Brewing e a SABMiller.
Os copos de uísque que os garçons vão ser encorajados a usar têm como objetivo diferenciar a Miller Fortune, da mesma forma que a fatia de laranja fez com a Blue Moon. A marca é uma das cervejas de maior crescimento da empresa, que a lançou para aproveitar a popularidade das cervejas artesanais. A Miller Fortune é o sinal mais escancarado até hoje da preocupação da indústria cervejeira, de US$ 30 bilhões, com a de destilados, que vem conquistando jovens consumidores incansavelmente. Desde 1999, os destilados arrebataram das cervejas 6 pontos percentuais em participação de mercado nos Estados Unidos.
"Perguntamos 'Como a Jack Daniel's ou a Maker's Mark fariam uma cerveja e por quê?'", diz David Kroll, recrutado da fabricante de eletrodomésticos Dyson em 2012 para assumir como chefe de inovação da MillersCoors. "Esprememos cada aspecto para dizer 'Estamos voltando a cair na cerveja [comum]? Porque esta marca [Miller Fortune] é feita para ocasiões em que se bebem destilados."
Uma maneira óbvia de concorrer com os destilados é elevar o grau alcoólico, que, no caso da Fortune, subiu para 6,9%. A maioria das cervejas tem entre 4% e 5%. Ainda é menos, no entanto, do que artesanais como as India Pale Ale (IPA). Outra maneira é o sabor. A Fortune é uma golden lager feita em parte com lúpulo Cascade, que lhe dá sabor cítrico, e de malte caramelado, que lhe dá tonalidade âmbar. Desenvolvida para consumidores entre 21 e 27 anos, o sabor é moderadamente amargo com toques adocicados, ficando em algum ponto entre uma cerveja artesanal plena de sabor e uma lager leve. Os sabores emergem à medida que o copo se aquece na mão, diz Manuele. "[Os consumidores] vão segurar um copo de cerveja como nunca fizeram antes", diz.
Tais inovações podem não ser suficientes. Com as gerações mais jovens cada vez mais optando por bebidas como Bulleit Bourbon ou Tito's Handmade Vodka, o mercado de destilados, de US$ 21 bilhões, agora domina 34% das vendas de bebidas alcoólicas, segundo o Conselho de Bebidas Destiladas dos Estados Unidos, a principal associação do setor no país.
Laura Berkobin, de 26 anos, prefere vodca e água ou o uísque irlandês Jameson puro quando sai à noite com sua amiga Jesse Wellner, 36, diretora-gerente da TowerPoint Capital, de Atlanta, que gosta de beber martíni ou uísque bourbon. "A cerveja enche muito", diz Berkobin, que mora em Atlanta e recentemente começou como diretora de marketing de uma empresa de finanças. "Fico toda inchada e estraga minha noite."
Os destilados vêm superando as cervejas em lançamentos de novos sabores, como o uísque Jack Daniel's Tennessee Honey, enquanto a Miller Lite e a Bud Light têm o mesmo gosto há décadas, diz Brian Yarbrough, analista da Edward Jones. Embora duvide que a Miller Fortune vá encurtar a diferença, ele elogia o esforço. "Eles precisam tentar", diz. "Se não fizerem nada, vão continuar a perder participação."
O executivo-chefe da SABMiller, Alan Clark, diz que "é muito interessante e a experiência adequada". "O contra-ataque aos destilados vai ser uma longa estrada".
A Miller Fortune chega depois do lançamento da Bud Light Platinum em 2012 e da Budweiser Black Crown em 2013 pela Anheuser-Busch InBev, ambas com teor alcoólico de 6%. As cervejas, juntamente com a linha Bud Light Lime "Ritas", de cervejas saborizadas, foram desenvolvidas em parte para atrair os consumidores de destilados, embora de forma menos incisiva que a Fortune. A Black Crown ajudou a estancar o declínio geral das marcas Budweiser, segundo a AB InBev. Somada à Platinum e à Straw-Ber-Rita, contribuiu para um aumento de 3,2% na receita da empresa nos EUA com cervejas no terceiro trimestre, mesmo com a participação de mercado total da AB InBev tendo recuado 0,8%, de acordo com a cervejaria. Essas cervejas são vendidas com preços pelo menos 15% superiores às comuns. A Miller Fortune também será vendida por 15% mais que a Miller Lite. A embalagem de seis unidades deverá custar US$ 6,99, a depender do local.
A deferência da Miller Fortune aos destilados pode ser concluída com o copo de uísque, mas começa com a garrafa. Durante os 18 meses de desenvolvimento, os marqueteiros da marca desprezaram a tradicional garrafa arredondada das cervejas e optaram por uma que parece a da vodca Smirnoff. Os marqueteiros dizem que evoca a um homem em terno afunilado com corte atlético - feita para sobressair entre outras garrafas nas prateleiras de mercados ou de bares.
De início, o gerente de marca da Fortune, Ben Feeney, argumentou que os benefícios de marketing do formato único poderiam não justificar os custos adicionais e a complexidade de projetar e produzir a garrafa. Ele mudou de ideia após testes terem mostrado que garçons e consumidores diziam, em sua grande maioria, que o formato da garrafa chamava a atenção em relação às demais. A garrafa tem cor preta brilhante e o rótulo é preto com cinza claro. Uma letra "M", de Miller, vermelha, é o único toque colorido.
Alguns executivos da MillerCoors questionaram o rótulo, preto sobre preto, que quase desaparece na garrafa, especialmente em um bar escuro. O marketing convencional das cervejas diz que rótulos brilhantes e chamativos são a melhor forma de chamar a atenção. Kroll, o chefe de inovação, no entanto, diz que "a construção da marca é não haver uma construção aberta desta marca".
Os anúncios de TV da nova cerveja vão mostrar uma pessoa mais velha, refinada, de terno, chamada internamente de "o motivador". Ele desafia um consumidor a passar pela porta de um clube noturno marcada com uma placa de "acesso exclusivo a pessoal autorizado". A outro, diz para matar uma bola em um jogo de sinuca para ganhar de uma mulher, em vez perder de propósito. "A Fortune [sorte, em inglês] sempre segue os ousados", diz. A MillerCoors certamente torce por isso.
Veículo: Valor Econômico