"Operação Cevada", esquemas de sonegação fiscal, prisões e até assassinato. Tudo isso faz parte da história da Schincariol, a segunda maior cervejaria do país. Mas, amanhã, às 7 horas da manhã, a empresa inicia um novo processo global de trabalho que pretende por uma pá de cal sobre o passado. Nesse dia, todas as operações da companhia, desde compras à distribuição, da gestão de estoques ao rastreamento de lotes, até mesmo e mails e conversas por celular trocadas entre funcionários - tudo estará sob o comando do Renova, o programa que colocará 100% do que a Schincariol faz on-line, de maneira uniforme e transparente.
"Antes, cada setor tinha seu programinha, seu jeito de funcionar e nada era integrado. Agora tudo vai funcionar em conjunto e uniformemente", diz Álvaro Mello, diretor de tecnologia da informação do Grupo Schincariol. Mais do que "conversa de nerd", como ele diz, o Renova é um marco para a empresa porque é estratégico. "É por meio desse novo sistema de tecnologia que vamos trabalhar de maneira totalmente padronizada."
O Renova reunirá informações que remontam a 1939, ano de fundação da empresa, incluindo 100% dos processos das 14 fábricas em todo país, a produção dos mais de 4 bilhões de litros de bebidas ao ano, dados sobre os 10.700 funcionários, os 255 distribuidores e os mais de 700 mil pontos de venda.
De 2007 a até o final deste ano, a empresa terá completado R$ 1 bilhão em investimentos para se tornar mais moderna e transparente. Isso inclui a compra de ativos (fábricas e maquinário). "Mas mais da metade desse investimento está sendo direcionado à profissionalização da gestão, que na prática começa agora, com a empresa toda funcionando sob o novo sistema", diz Mello. Essa nova mentalidade, batizada na empresa de "modelo mental", tem a meta de "deixar o passado para trás, por decisão dos meninos", diz o executivo.
"Meninos" é o modo como a nova diretoria se refere a Adriano, Alexandre, José Augusto e Gilberto Schincariol Júnior - os quatro membros do conselho do grupo, todos com idades entre 26 e 34 anos. Foram eles que, há pouco mais de três anos, tomaram a decisão de tirar a família do negócio. Adriano assumiu o comando da companhia em 2003, após o misterioso assassinato de seu pai José Nelson Schincariol. Em 2005, a Schincariol esteve nas manchetes dos jornais graças a um escândalo de sonegação que levou membros da família à prisão. Um suposto esquema de fraude fiscal na distribuição gerou a "Operação Cevada", da Polícia Federal, na qual foram presas 68 pessoas em 12 Estados.
Os quatro primos, então, iniciaram o período de mudanças na empresa com a contratação, há dois anos, de um novo presidente, Fernando Terni, ex-CEO da Nokia no Brasil. No mercado comenta-se que, para topar o desafio, a cervejaria ofereceu a Terni um salário mensal de quase R$ 300 mil mais bônus e a participação numa eventual venda da Schincariol. As mesmas políticas teriam se estendido aos outros 20 novos diretores, todos vindos de grandes corporações.
Desde que o time foi formado, é evidente o esforço da empresa para se tornar mais transparente: já foram divulgados dois balanços anuais (em 2006 2007) e, em no máximo três meses, três novos conselheiros independentes devem fazer parte do conselho de administração.
Até a sede, em Itu (SP), foi totalmente remodelada e decorada: os móveis agora são novos e coloridos e até as paredes na sua maioria são de vidro, transparentes.
Há quem diga que tanto investimento não compensa, uma vez que dificilmente algum dia a Schin empataria com a AmBev, líder com, mais da metade do mercado de cervejas. No entanto, deixar a empresa arrumada a torna cada dia mais atraente para uma possível venda. A sul-africana SAB Miller, terceira maior cervejaria do mundo, é a mais cotada. Na semana passada, os rumores de venda tomaram o mercado novamente. Os diretores da empresa, entretanto, negam qualquer negociação.
Veículo: Valor Econômico