O setor de lácteos no Brasil vem obtendo resultados positivos e, apesar da pandemia de Covid-19, a demanda segue em alta. Isso é que concluiu os especialistas do Centro de Inteligência do Leite (CILeite), da Embrapa Gado de Leite, em sua reunião mensal de conjuntura, realizada na primeira quinzena de agosto. A pressão da demanda teve como consequência o aumento de preços de diversos produtos. Segundo Kennya Beatriz Siqueira, pesquisadora da instituição, a valorização se deu de forma generalizada e o volume de vendas de lácteos cresceu 5,3% no primeiro semestre, conforme dados da Nielsen.
O leite UHT (de caixinha), por exemplo, atingiu de R$ 3,42 no atacado em São Paulo (a média histórica do preço é de R$ 2,82). A muçarela foi o produto que mais valorizou. No início da pandemia, houve uma retração do preço devido ao fechamento de pizzarias e restaurantes, com o quilo da muçarela sendo vendido a R$ 17,00, em média, no atacado. Hoje, pode chegar a R$ 27,00 o quilo (a média histórica é de R$ 19,50). No segmento da indústria, o mercado spot (leite negociado entre laticínios) era vendido no início de agosto acima de R$ 2,50/litro. Denis Rocha, especialista da Embrapa Gado de Leite, lembra que, no início do ano, o litro do leite spot foi vendido a R$ 1,37, em Minas Gerais. Desde então, o leite spot quase dobrou de preço, com valorização de 87%, calcula Rocha.
A entressafra da produção de leite começou em abril e vai até setembro, período em que os preços ao consumidor ficam mais caros. Para o produtor, este é o período em que se consegue a melhor valorização do produto. O litro de leite na fazenda foi vendido em julho a R$ 1,76, na média nacional. Mas, em plena safra, no início do ano, a indústria estava pagando R$ 1,37. Agora, a preocupação do produtor se volta para os custos de produção. Segundo Glauco Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, o preço do milho está subindo em plena colheita da safrinha. Além disso, as exportações de soja estão mais aquecidas, o que deve manter elevados os custos de concentrado neste segundo semestre. O produtor também está pagando mais pelo concentrado. Na média de janeiro a julho, foram necessários 45 litros de leite para comprar 60 quilos de concentrado a base de milho (70%) e farelo de soja (30%). Historicamente, são necessários 41 litros de leite para a mesma compra.
Carvalho explica que a situação positiva do setor leiteiro se deve, principalmente, ao auxílio emergencial, concedido pelo governo, injetando, até o momento, R$ 152 bilhões na economia. A ajuda do Governo Federal representa de 9% a 97% na renda de algumas famílias. Para o pesquisador, pessoas que estavam na extrema pobreza tiveram um grande impacto com o auxílio e passaram a consumir mais. As famílias com o poder aquisitivo mais elevado também transformaram o que não foi gasto com lazer em compras nos supermercados, o que fez as vendas do setor supermercadista crescerem 16% no período da pandemia, enquanto o varejo total recuou 26%, segundo levantamento da Cielo. O cenário macroeconômico também possui expectativas mais favoráveis hoje, na comparação com o início da pandemia. As previsões de queda do PIB, que chegaram próximas a 10%, se estabilizaram na faixa de 5%.
É impossível fazer previsões de longo prazo em um cenário tão complexo da economia como esse, afirma Carvalho, mas alguns fatores preocupam o setor. Entre eles, está o fim do auxílio emergencial. O governo ainda não tem uma posição sobre a continuidade do benefício. O fim da entressafra é outro fator que irá embaralhar um pouco o mercado, com a redução dos preços pagos ao produtor. Carvalho reflete, porém, sobre a competitividade da importação neste momento: O leite importado está chegando ao mercado brasileiro com os preços em torno de R$ 2,10 por litro; bem abaixo do que está se pagando no mercado spot nacional (R$ 2,50), o que incentiva a importação. Nos primeiros sete meses do ano, a importação de leite teve uma queda de 193 milhões de litros, mas julho já registrou um crescimento de 62% sobre junho, com compras equivalentes a 95 milhões de litros. E a importação continua mostrando fôlego em agosto. A questão cambial tem poder para frear esse movimento, como conclui o pesquisador: O câmbio tem se mostrado muito instável na pandemia e ele é um dos fatores com grande capacidade de influenciar o mercado.
Fonte: Guia Lat