Quilo da ave era R$ 1 quando a moeda começou a circular e, em 20 anos, acumulou alta de 365,56%
Em 1º de julho de 1994, quando o real entrou em circulação com a missão de exterminar a galopante inflação que havia atingido 2.477% no ano anterior, Fernando Henrique Cardoso elegeu o frango um dos símbolos da nova moeda. O então ministro da Fazenda no governo Itamar Franco (1930-2011) justificou que todo brasileiro poderia se alimentar de proteína animal em razão de o quilo da ave custar apenas R$ 1. Duas décadas depois, justamente essa carne ajuda a alimentar o dragão.
A variação do preço do quilo do frango em pedaços superou a inflação no acumulado dos últimos 12 meses, encerrados em setembro. O placar está 7,92% a 6,75%. A comparação ajuda a entender uma realidade desagradável nos lares menos abastados: o custo de vida na era do real pesa mais no bolso das famílias com menor poder aquisitivo.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 365,56% entre 1º de julho de 1994 e 30 de setembro de 2014. Numa toada ainda maior, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) avançou 377,57% no mesmo período. A diferença básica entre os dois indicadores é a renda familiar.
Enquanto o INPC mede o custo de vida das famílias com rendimento máximo de cinco salários mínimos (R$ 3.620,00), o IPCA calcula o mesmo nos lares com até 40 pisos (até R$ 28.960,00). Cinquenta e um produtos e serviços têm o INPC e o IPCA divulgados mensalmente pelo IBGE. Em 31 deles, o INPC está acima do IPCA nos 20 anos de circulação do real.
“O INPC mensura os produtos mais essenciais para o cidadão. A cesta de consumo de uma família que recebe até cinco salários mínimos é mais essencial. Então, essas mercadorias estão mais sujeitas à pressão de demanda. Numa situação de escassez, por exemplo, o preço aumenta. Já a cesta (de consumo) do IPCA conta com produtos que não são tão essenciais. Dessa forma, se houver escassez, as pessoas podem substituir as mercadorias por outras”, disse Iracy Pimenta, economista da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH).
A diferença entre o INPC e o IPCA de algumas mercadorias e serviços divulgados pelo IBGE no acumulado das últimas duas décadas chama atenção pela disparidade. É o caso das frutas, cujo IPCA foi de 26,31% e o INPC, 116,73% – diferença de 343%. O mesmo ocorre com as estatísticas sobre as hortaliças e verduras: IPCA de 361,72% e INPC de 509,2% – 40,7% a mais. É preciso destacar que o Palácio do Planalto considera o IPCA a inflação oficial do país. Mas também é necessário destacar a importância do INPC, usado para cálculos de reajuste salarial.
O IBGE não divulgou a variação do preço do frango em pedaço no acumulado dos últimos 20 anos, mas no período de janeiro a setembro, o INPC da carne oscilou 3,05%. O IPCA, no mesmo intervalo, 3,03%. “O real favoreceu o consumo de frango. Ao mesmo tempo, houve uma mudança de valores nutritivos, com o aumento da preferência de boa parte da população pela carne branca. Em Minas, a produção anual cresce, em média, de 4,5% a 5% ao ano”, comemora Marília Martha Ferreira, diretora executiva da Associação dos Avicultores de Minas Gerais (Avimig).
TRIBUTOS
As famílias menos abastadas, até por serem maioria no país, não sofrem apenas com a variação do INPC. Esse universo ainda paga mais impostos às três esferas do poder público. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) mostra que 89% da população ganha até cinco salários mínimos. Esse universo desembolsou cerca de R$ 665 bilhões dos tributos em 2014. A cifra corresponde a quase 65% dos R$ 1 trilhão em impostos pagos pelos brasileiros. O estudo foi divulgado em agosto.
“O levantamento evidencia que o sistema tributário brasileiro é extremamente concentrado no consumo, fazendo com que a população de menor poder aquisitivo tenha um custo tributário muito elevado”, concluiu o presidente do conselho superior e coordenador de estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral. Essa concentração de custo tributário, aliada à disparada dos preços, ajuda a explicar o porquê da desaceleração de vendas do varejo brasileiro.
Em Belo Horizonte, por exemplo, o Índice de Confiança do Consumidor (ICC), elaborado pela Fundação Ipead/UFMG, ficou abaixo dos 50 pontos pelo vigésimo mês consecutivo. O indicador mede a possibilidade de uma pessoa fazer compras, nos próximos três meses, e oscila de zero a 100. A primeira metade significa que a intenção é negativa. Já a segunda metade representa uma maior confiança nas compras. O último ICC, referente a setembro, ficou em 45,97 pontos.
O varejo da cidade, portanto, corre risco de ter um Natal magro, uma vez que o indicador sinaliza a intenção de compras para o acumulado de outubro a dezembro. “No início do ano, a expectativa era de um aumento nas vendas (no acumulado de 2014) de 3,5%. Diante da alta dos preços e dos juros, a estimativa recuou. O crescimento deve ficar entre 2% e 2,5%”, lamentou a economista da CDL-BH.
Veículo: Diário de Pernambuco