Com a tendência de baixa de preços acelerada após o recrudescimento da crise financeira internacional, as principais commodities agrícolas negociadas no mercado global ainda encontram em seus fundamentos de oferta e demanda suporte suficiente para evitar uma queda livre capaz de devolvê-las a patamares próximos a suas médias históricas.
Conforme especialistas consultados pelo Valor, para milho, trigo e soja, base para a produção de alimentos no mundo todo, colaboram para conter um eventual debacle das cotações os estoques restritos nos países exportadores mais relevantes e o aumento da demanda de emergentes como China e Índia. O ritmo desse aumento perdeu fôlego com a disparada de preços que chegou ao pico no primeiro semestre deste ano e pode ser ainda mais contido, no curto prazo, com as perspectivas de desaceleração da economia mundial; no médio e longo prazos, contudo, tudo indica em nova aceleração.
"O consumo de alimentos nos países emergentes em geral seguirá crescendo, e em países ricos, ainda que em crise, é difícil imaginar uma redução forte da demanda. Nesse ponto, as commodities agrícolas apresentam um comportamento diferente de outros produtos como petróleo e metais, mais suscetíveis a reduções da demanda em crises como essa", afirma Alexandre Mendonça de Barros, especialista do braço agrícola da consultoria MB Associados e do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), este coordenador por Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura.
Foram os estoques magros e o consumo em alta, inclusive para a produção de biocombustíveis, que levaram grandes fundos de investimentos a elevar substancialmente suas apostas nas commodities agrícolas a partir do fim de 2006, catapultando uma elevação de preços que já se desenhava. A "financeirização" das principais bolsas agrícolas com a maior presença de fundos de índices atrelou sobretudo soja e milho ao petróleo, em movimentos especulativos que, muitas vezes, anularam a influência dos fundamentos na formação de preços.
Renato Sayeg, da Tetras Corretora, nota que, com a "financeirização", petróleo (na bolsa de Nova York) e soja (em Chicago) fecharam com a mesma direção (alta ou baixa) em cerca de 65% dos dias em 2008 até mais um menos um mês atrás. Nas últimas semanas, o percentual aumentou para 70%. "Estima-se no mercado que 80% da volatilidade que estamos vendo desde segunda-feira passada decorre do movimento de fundos financeiros. Não são os 'fundamentalistas' que estão pressionando", afirma.
Nos quatro primeiros dias desta semana, os contratos futuros de segunda posição de entrega da soja negociados em Chicago caíram até mais que o petróleo. Segundo cálculos do Valor Data, a baixa acumulada chega a 6,01%, ante uma variação negativa de 3,26% do petróleo WTI negociado na bolsa de Nova York. No mesmo período o milho caiu 3,55% e o trigo, 0,9%. Ontem, em Chicago, os grãos recuaram (ver gráficos).
"O estrago que os especuladores tinham que fazer [nos preços das commodities agrícolas] já foi feito", disse ao Valor o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. "Não vejo os preços caindo muito mais". Em relação às médias históricas observadas há até dois anos, as atuais cotações de soja, milho e trigo permanecem em níveis quase duas vezes superiores.
O Valor Data mostra que, se apresenta variação negativa acumulada de 6,96% em 2008, a soja ainda aparece com valorização de 99,69% nos últimos 24 meses. No caso do milho, em 2008 há ganho de 16,39% e nos últimos 24 meses a alta atinge 107,74%. O trigo, que se "descolou" dos demais produtos agrícolas e do petróleo nas últimas semanas, apresenta queda de 20,18% neste ano e ganho de 72,58% em 24 meses.
Mendonça de Barros lembra que, independentemente de especulações e crises, alguma desaceleração sazonal de preços agrícolas era mesmo esperada para este terceiro trimestre, uma vez que é período de colheita no Hemisfério Norte, que abriga 85% da oferta mundial de grãos. "As safras estão boas, o que significa mais calmaria nos fundamentos [de curto prazo]".
Veículo: Valor Econômico