Maioria das queixas comerciais é barrada

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De cada três reclamações antidumping das empresas, só uma vai em frente no governo

 

De cada três pedidos da indústria por proteção contra supostas práticas desleais de comércio, apenas um se tornou uma barreira efetiva à entrada de produtos importados no Brasil. Nos últimos quatro anos, o governo brasileiro recebeu 187 solicitações de medidas antidumping e salvaguardas. Desse total, 139 já foram analisadas, mas apenas 46 resultaram na aplicação de sobretaxas.

 

Medidas antidumping e salvaguardas são instrumentos autorizados pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Dumping é exportar abaixo do preço de custo no país de origem - uma estratégia para ganhar mercado. A salvaguarda é uma "trégua" temporária solicitada pela indústria quando ocorre um surto de importação.

 

Levantamento do Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério do Desenvolvimento, mostra que é difícil convencer o governo a iniciar uma investigação contra práticas desleais de comércio. Das 139 petições analisadas pelo Decom entre 2006 e 2009, 78 foram descartadas. Mas, uma vez que os processos tiveram início, 75% resultaram em sobretaxas contra produtos importados.

 

"O Brasil é rígido na abertura dos processos", disse o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral. Para ele, uma prova do rigor técnico é que os juízes da OMC nunca consideraram ilegal uma medida antidumping aplicada pelo País quando questionada pelo parceiro comercial afetado. Os dados evidenciam que falta qualidade técnica a boa parte das petições entregues pela indústria, mas sobra vontade política dos ministros reunidos na Câmara de Comércio Exterior (Camex) em proteger as empresas nacionais. De cada 10 pedidos que passam pelo crivo dos técnicos, mais de 7 se transformam em barreiras.

 

Competitividade. Para o especialista em direito internacional Rabih Nasser, muitas petições são rechaçadas pelos técnicos do governo porque as empresas recorrem à defesa comercial para tentar resolver outros problemas de falta de competitividade, como câmbio valorizado ou alta carga tributária.

 

Não é simples obter uma medida antidumping. Além de provar que o exportador está vendendo no Brasil abaixo do preço de custo, é preciso comprovar que esse comportamento causa dano à indústria nacional. "Muitas vezes, a empresa perdeu participação de mercado, mas por outros problemas e não por causa das importações", explica a diretora do Decom, Miriam Barroca.

 

Em seu último relatório sobre o tema, a OMC alertou que vários países, com destaque para o Brasil, estavam aumentando suas medidas antidumping. Entre 2007 e 2009, o governo brasileiro aplicou 53 sobretaxas contra diversos países, muito acima dos 28 dos três anos anteriores.

 

Em 2008, o País iniciou 28 novas investigações antidumping e de salvaguarda, atendendo mais da metade das 43 petições entregues pela indústria. No ano passado, o governo brasileiro colocou o pé no freio e abriu apenas 18 investigações, apesar de ter recebido um recorde de 53 pedidos de proteção da indústria.

 

Alvo. A China é o principal alvo de medidas antidumping do mundo, inclusive do Brasil. Das 67 sobretaxas que o País tem hoje em vigor, 26 são contra produtos chineses. Os chineses são altamente competitivos por causa da escala de produção e da mão de obra barata, mas as empresas brasileiras dizem que a competição é desleal por causa do peso do governo de Pequim na economia. "Foi por isso que a China entrou na OMC. Antes era alvo de barreiras aleatórias. Agora pode se defender", diz a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Michelle Raton Sanchez.

 

PARA ENTENDER

 

Decom dá apoio a normas da OMC

 

O Departamento de Defesa Comercial (Decom), subordinado à Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, é o órgão encarregado de investigar se os exportadores estão cometendo práticas de dumping ao mandar seus produtos para o Brasil.

 

Os técnicos do Decom analisam os pedidos feitos pela indústria nacional. Ao longo do processo, são feitos cálculos e análises econômicas e, algumas vezes, é exigida verificação "in loco" nos países de origem dos produtos.

 

O Departamento está capacitado a prestar os esclarecimentos necessários e orientar os exportadores sobre os procedimentos para a elaboração de defesa.

 

Dessa forma, podem ser asseguradas que as normas contidas nos acordos de antidumping, subsídios e salvaguardas da Organização Mundial do Comércio sejam observadas.

 

O órgão comemora 15 anos e foi transferido recentemente do Rio de Janeiro para Brasília. Na mudança, perdeu vários funcionários.

 

Setores mais protegidos são químico e têxtil

 

Magnésio em pó, saco de juta, alho, óculos, seringas, escovas de cabelo, fibras de viscose, pneus, sapatos. Esses são alguns dos produtos que estão sujeitos a medidas de defesa comercial para entrar no Brasil.

 

Até o fim do ano passado, o Brasil aplicava 67 sobretaxas, entre antidumpings e salvaguardas. Se uma mesma medida prejudica dois países, é contada duas vezes.

 

Os setores mais protegidos por medidas de defesa comercial no País são o químico e têxtil. Os produtos têxteis respondem por 21,7% das sobretaxas em vigor - são poucos produtos, mas muitos os países afetados. As barreiras impostas contra a importação de químicos equivalem a 20,3% das medidas.

 

No ano passado, duas medidas antidumping beneficiaram o setor têxtil, encarecendo a importação de fios e fibras de viscose. Nesses dois casos, vários países foram atingidos: China, Índia, Indonésia, Tailândia, Taiwan e até a Áustria.

 

Segundo Fernando Pimentel, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), a China é o maior fabricante de têxteis do mundo, mas outros países da Ásia também desenvolveram uma produção significativa.

 

Ele acredita que a tendência é o Brasil aplicar mais medidas antidumping à medida que cresce no mercado externo. "A arena internacional é bastante disputada e não existem freiras nesse jogo", disse.

 

Nelson Pereira dos Reis, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), explica que a prática de dumping é muito comum no setor.

 

Quando o mercado está mais fraco, as empresas preferem perder margens do que reduzir a produção. Por cotas industriais, as fábricas são obrigadas a trabalhar no limite.

 

"O mercado brasileiro foi muito atacado por fornecedores internacionais na crise porque a demanda caiu em todo o mundo", disse Reis. O setor tem hoje ao menos seis casos em análise no Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério do Desenvolvimento.

 

Em destaque
Os produtos têxteis respondem por 21,7% das sobretaxas em vigor. As barreiras contra a  importação de químicos respondem por 20,3%.

 

Veículo: O Estado de São Paulo

 

 


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