Entrevista com Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

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'Também fiquei frustrado, mas foi o que conseguimos'

 

O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, rebateu as críticas ao pacote do governo de apoio à exportação. Ele disse que os empresários sabiam que o estoque acumulado de créditos fiscais não seria discutido. "Frustração dos exportadores? Frustração minha também, mas foi o que conseguimos."

 

O pacote prevê a devolução em até 30 dias de metade dos créditos tributários dos exportadores a partir de agora, mas não esclarece o que vai acontecer com os R$ 10 bilhões já em mãos do governo. Associações de exportadores classificaram o pacote de "calote oficial".

 

Jorge disse ainda que não existe invasão chinesa e que casos pontuais estão sendo combatidos com antidumping. Ele atribui o déficit da balança da indústria ao crescimento do País e à compra de máquinas.

 

Soja, minério e petróleo são responsáveis por metade do crescimento das exportações. O sr. está preocupado com a mudança na pauta exportadora?
Preocupado, não, porque é uma vantagem termos commodities para exportar. Com a Europa em crise, os Estados Unidos patinando, anunciar em maio revisão da previsão de exportações, de US$ 160 bilhões para US$ 180 bilhões, é alentador para o País. Significa que manteremos um superávit razoável.

 

Mas o déficit da indústria estava em US$ 7 bilhões apenas no primeiro trimestre.
Temos de avaliar por que isso ocorre. O crescimento das vendas de eletroeletrônicos, por exemplo, é impressionante. Em Manaus, o aeroporto não dá conta da chegada de material eletrônico importado. Parte disso é o mercado interno em crescimento. A indústria brasileira está crescendo. Seria um problema se as importações fossem de bens de consumo, mas compramos insumos e máquinas.

 

A crise europeia vai impactar a balança?
Claro, porque reduz a atividade econômica da região. Ao contrário do que fez o Brasil, é impossível aumentar o consumo na Europa. Já era difícil antes e ainda mais agora, com cortes de salários, pensões e aposentadorias. O comércio na Europa está praticamente paralisado.

 

Os exportadores classificaram como "calote oficial" o pacote do governo. O que o sr. achou?
Todos os exportadores sabiam desde o começo das conversas que não trabalharíamos no estoque (dos créditos), mas no fluxo. O estoque é alto e o governo não tem dinheiro para devolver tudo de uma vez. Isso vai ter de ser resolvido de alguma forma, mas interromper o fluxo já é da maior importância. Também ninguém é obrigado a aceitar. Se acham que não é bom, não façam. Se quiserem continuar mantendo seus créditos retidos, não entrem no programa. Foi o que nós conseguimos.

 

Qual foi sua avaliação pessoal do pacote?
Foi um avanço. As pessoas têm o direito de ter a memória curta e cobrar mais. É natural. Mas nos últimos anos fizemos o drawback verde e amarelo e o drawback integrado. Agora, numa situação de crise, está mais difícil exportar. As reclamações são naturalmente maiores. O estoque não foi aprovado nem no Congresso. É uma frustração do exportador? É uma frustração minha também. Gostaria muito que tivesse sido resolvido, mas não foi possível.

 

Muita coisa ainda não está clara sobre o Eximbank (banco de financiamento das exportações).
Não está claro porque estamos definindo uma série de coisas. Temos de definir até onde vai funcionar o Eximbank. Temos de alugar um prédio no Rio de Janeiro, que será a sede do banco, porque, como é subsidiária do BNDES, é mais simples.

 

Quanto o Exim vai emprestar?
O capital do banco deve começar próximo de dois dígitos, mas tem uma capacidade de alavancagem. Perto de R$ 10 bilhões. Você alavanca isso algumas vezes ? e é isso que temos de definir ainda. No início, a grande vantagem do Exim é concentrar tudo em um lugar só. Hoje o exportador tem de discutir com muita gente.

 

Ainda existem muitas linhas de financiamento à exportação no Banco do Brasil ...
Desde o começo, falamos que as linhas do BB continuariam, porque o banco é capitalizado. Não é possível trabalhar com exportadores do Rio Grande do Norte por meio do BNDES, que só tem uma agência no Rio.

 

Então a vocação do Eximbank é para os grandes exportadores?
No começo, sim, porque os pequenos estão espalhados pelo País inteiro. Estamos trabalhando com a Caixa Econômica Federal para também criar uma área de exportação. Já conversamos sobre isso, mas hoje todo o esforço da Caixa está concentrado no Minha Casa, Minha Vida. E com razão, porque o programa habitacional é prioritário.

 

O capital do BNDES cresceu muito. Qual é a perspectiva?
Não acredito que reduza. Pelo que você ouve dos candidatos, a tendência é crescer. Os três candidatos (Dilma, Marina e Serra) falam que as exportações vão ser prioridade. Você não pode ficar só com o mercado interno. Mas também não pode criar uma dependência da exportação tão grande como alguns países fizeram.

 

Há uma grande preocupação com as contas externas em 2011. É por isso que a exportação deve ser prioridade?
Já é uma prioridade nesse governo. O presidente Lula sempre me pergunta como estão as exportações e como vai ser o superávit. Tínhamos exportado US$ 200 bilhões antes da crise. A previsão era crescer 10%, para US$ 220 bilhões. Mas, dois anos depois da crise, vamos exportar US$ 40 bilhões a menos do que gostaríamos.

 

Existem setores se queixando de invasão de produtos chineses. O governo estuda alguma medida para conter as importações?
Ao avaliar os números, vemos que não existe invasão chinesa. Se existe dentro das regras do jogo, é porque ocorre algum problema no processo de produção interno. Se for por concorrência desleal, vamos aplicar antidumping. Temos aplicado bastante, mas não só contra a China, como também contra Suíça, EUA, Canadá. Uma das dificuldades para exportar hoje é que os grandes países exportadores querem ocupar espaço, inclusive em países em que tínhamos uma boa posição. Aumentou muito a concorrência. Por isso, foi tão acertada a decisão do presidente Lula de diversificar as exportações. Antes ninguém falava em vender para a África ou Oriente Médio. Na Venezuela, um país tão criticado, as exportações subiram de US$ 500 milhões em 1999 para mais de US$ 5 bilhões em 2008. E é um vizinho, com uma fronteira de centenas de quilômetros com o Brasil. Não podemos simplesmente colocar mecanismos contra a importação. Tudo que fizermos será dentro das regras da OMC (Organização Mundial de Comércio).

 

O governo se preocupa com esse maior apetite dos estrangeiros pelo mercado brasileiro?
Temos de trabalhar com inovação e produtividade. O futuro do Brasil está na inovação. As empresas inovadoras exportam 50% a mais que as outras. Não é uma questão de curto prazo. Os problemas do passado se refletem até hoje. O apagão mais sério hoje é o de mão de obra. Não temos engenheiros. Durante anos, eles foram para o sistema financeiro.

 

O Brasil vai retaliar a Argentina por causa dos bloqueios as importações de alimentos?
Por enquanto, não. Houve um compromisso da presidente Cristina Kirchner com o presidente Lula. Ela garantiu que isso não aconteceu e não vai acontecer. Vamos acompanhar.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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