Comércio volta a avançar mais que indústria

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Tendência é que vendas no varejo cresçam mais rápido que produção industrial no resto do ano

 

O comércio voltou a crescer com mais força que a indústria no segundo trimestre deste ano, uma tendência que deve se manter nos próximos meses, numa inversão do quadro registrado entre janeiro e março. O acúmulo de estoques nos primeiros meses do ano e a forte competição do produto importado apontam para um quadro de baixo crescimento na produção industrial daqui para frente, ao passo que o comércio tende a se expandir a um ritmo um pouco mais forte, ainda que inferior ao dos melhores momentos de 2010, dada a perspectiva de desaceleração da renda e do impacto da alta de juros e das medidas de restrição ao crédito. A expectativa, desse modo, é que indústria e comércio voltem a repetir, com menor intensidade, o quadro observado de abril a dezembro de 2010.

 

A diferença de ritmo é mais forte em setores como tecidos, vestuário e calçados e móveis e eletrodomésticos, o que também começou a se verificar na construção, segundo cálculos da Rosenberg & Associados com base em números do IBGE. Já no setor de veículos e autopeças, indústria e comércio andam mais próximos.

 

No primeiro trimestre, a indústria de transformação cresceu 1,9% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, enquanto o comércio varejista ampliado (que inclui veículos, motos, partes e peças e material de construção) avançou 0,95%. Em abril, porém, a indústria de transformação caiu 1,8% na comparação com março, enquanto o varejo teve alta de 1,1%, com aumento de 1,7% em veículos, motos, partes e peças.

 

Para a economista-chefe da Rosenberg, Thaís Marzola Zara, o aumento de estoques indica um cenário pouco animador para a indústria. Até desovar os inventários, a perspectiva é de um ritmo mais fraco de expansão, diz ela, que vê um crescimento bastante modesto do setor, de apenas 2,5% neste ano. Em 2010, a expansão foi de 10,4%.

 

Os economistas Ana Paula de Almeida Alves e Fernando Honorato Barbosa, do departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, também veem a formação de inventários indesejados como um sinal poderoso de que a atividade na indústria passará por uma fase de acomodação. Os dois ressaltam que, no primeiro trimestre, "a indústria acelerou fortemente a produção, justamente em um momento de desaceleração do consumo, um fortíssimo indício de acumulação de estoques".

 

A sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI) também mostra acúmulo indesejado de estoques. Para a indústria geral, o indicador subiu de 50,5 pontos em março para 51,8 pontos em abril -um número acima de 50 indica que mais empresas relatam ter inventários acima do planejado do que abaixo. "O movimento é mais intenso entre as grandes empresas", diz o gerente-executivo da unidade de pesquisa da CNI, Renato da Fonseca. No caso dessas companhias, o indicador pulou de 51,1 para 53,4 pontos, um nível que, segundo ele, merece atenção.

 

Para Fonseca, a perda de ritmo da economia, com uma demanda que cresceu menos do que se esperava no primeiro trimestre, explica esse fenômeno. No entanto, como não está em curso uma parada abrupta da atividade, ele acha que os inventários estarão ajustados em poucos meses.

 

Os setores que mais relatam inventários excessivos são os de máquinas e materiais elétricos, vestuário, móveis, têxteis, máquinas e equipamentos e calçados. São justamente aqueles em que costuma haver maior descompasso entre a produção da indústria e vendas no varejo - nos setores de máquinas e materiais elétricos e em máquinas e equipamentos, há muitos bens de capital, mas também bens duráveis como eletrodomésticos.

 

A forte competição do importado nesses setores é fundamental para explicar essa diferença de ritmo, diz Thaís. Em abril, o nível de vendas de móveis e eletrodomésticos, por exemplo, estava 29% acima do registrado em setembro de 2008, na série com ajuste sazonal. Já a produção de eletrodomésticos em abril ficou 1,3% abaixo da de setembro de 2008. Em veículos, por sua vez, a importação, ainda que crescente, joga um papel menos relevante, acredita ela, o que ajudaria a entender por que produção e vendas andam mais colados.

 

Enquanto a indústria deve crescer a um ritmo modesto, o varejo tem perspectivas um pouco melhores, dizem analistas. A expectativa é de um crescimento mais forte do que no primeiro trimestre, quando houve um ajuste nas vendas de alguns bens, como automóveis, em função da base de comparação forte do quarto trimestre e dos efeitos das medidas de restrição ao crédito. Isso não quer dizer, contudo, que daqui para frente haverá uma expansão exagerada, avaliam tanto Thaís como os economistas do Bradesco.

 

A Rosenberg acredita num crescimento de 6% a 7% para o varejo ampliado no ano, enquanto o Bradesco projeta 5,7%. O mercado de trabalho ainda aquecido, mesmo com renda e emprego em desaceleração, deve ser um estímulo para o consumo, em ritmo não explosivo.

 

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, relativiza um pouco o acúmulo de estoques para explicar a trajetória da indústria neste ano. Ele não vê esse fenômeno como algo generalizado e intenso, ainda que possa explicar parte do aumento de produção no primeiro trimestre e do tombo de abril.

 

Montero também acredita que o varejo avançará mais rapidamente que a produção da indústria, especialmente devido à concorrência pesada do importado, num cenário de câmbio valorizado. "A "boca de jacaré' entre comércio e indústria vai continuar abrindo, mas certamente não como antes", diz ele, lembrando que há um enfraquecimento dos fatores que impulsionam a demanda, como queda de confiança do consumidor, piora nas condições de crédito e desaceleração da renda.

 


Veículo: Valor Econômico


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