Desoneração e alta do mínimo puxam reação tímida da indústria

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Impulsionada pela desoneração para itens da linha branca e pelo aumento do salário mínimo, a produção industrial reagiu em janeiro em alguns setores industriais. Levantamento feito pelo Valor com dez associações de indústrias e dez empresas mostra que a maioria observou números melhores no início deste ano do que no mesmo período de 2011.

Entre os segmentos que relatam aumento na produção em relação ao começo do ano passado estão papelão ondulado, aço, linha branca, materiais de construção, têxtil e eletroeletrônicos. Por outro lado, a forte queda na produção de veículos deve puxar para baixo o resultado consolidado do setor.

A demanda mais aquecida, o ajuste dos estoques e a evolução da produção reforçam a percepção dos empresários de que o fundo do poço para a atividade econômica ficou em outubro de 2011.

Destoando de outros segmentos importantes, em janeiro a produção da indústria automobilística caiu 19% sobre dezembro e quase 12% sobre janeiro de 2011. De acordo com a Anfavea, entidade que reúne as montadoras, o resultado se deve ao aumento dos estoques e às férias coletivas concedidas no período. Em consequência, na série livre de influência sazonais, o indicador de produção mensal calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deve cair em relação a dezembro, quando havia subido 0,9% em relação a novembro.

Em fevereiro, de acordo com dados preliminares, não houve retomada. Até o dia 24 deste mês, a média por dia útil de emplacamentos de automóveis e veículos leves recuou 2,4% na comparação com janeiro, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) dessazonalizados pela LCA. Ante o mesmo mês de 2011, a queda é de 1,3%. Apesar dos números pouco animadores, a Honda elevou este mês o nível de produção na fábrica de Sumaré (SP), com 510 veículos montados diariamente -antes, eram 300, em média.

Já a expedição de papelão ondulado, que acompanha de perto o ritmo da produção industrial, encerrou janeiro com alta de 1,9% em relação a igual mês de 2011, segundo Ricardo Trombini, presidente da Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO). Para fevereiro, a expectativa é de estabilidade em relação a igual mês do ano passado, devido ao Carnaval e também pela sazonalidade.

Em 2012, a ABPO espera que as vendas internas de papelão ondulado cresçam entre 2,5% e 3%, número superior ao de 2011, de 1,7%. "O governo está se esforçando para que a atividade retome o ritmo e aparentemente o pior já passou. Além disso, a desoneração fiscal e as tentativas de dificultar importações surtem efeito na produção local", diz Trombini, referindo-se à redução do IPI para a linha branca.

As vendas de aço plano, usado para fabricar desde carros até telhas para construção, cresceram 10% em janeiro frente a dezembro, número acima do previsto pelo Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda). Em relação a igual mês de 2011, o avanço foi de 5%. O ritmo mais forte do primeiro mês de 2012, porém, não dará o tom durante todo o ano, adverte Carlos Loureiro, presidente do Inda. "Temos a sensação de que fevereiro foi um pouco mais fraco por causa do Carnaval. Podemos até ter queda nas vendas."

Os estoques de aço entraram 2012 ajustados - 2,8 meses de vendas -, mas devem ser reduzidos nos próximos meses. Para 2012, o Inda projeta alta de 6% nas vendas de aço plano, número que, segundo o empresário, "não é nada brilhante" após a expansão de 11% em 2011. "O dólar está muito baixo e o grande volume de importação de máquinas e equipamentos não permite que nossos principais clientes cresçam."

O setor químico, que produz matérias-primas para diversas cadeias, trabalha com estimativa de crescimento entre 5% e 10% em janeiro na comparação com o mês anterior, embora a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) ainda não tenha os números fechados para o mês. A diretora de economia e estatística da entidade, Fátima Ferreira, atribui o resultado à sazonalidade, já que dezembro é um período em que as empresas realizam paradas programadas para manutenção. Em relação ao mesmo mês do ano passado, ela projeta que a produção tenha ficado estável, porque o começo de 2011 foi muito aquecido.

A Whirpool para a América Latina, fabricante das marcas Brastemp e Consul, acredita em um primeiro trimestre robusto para a produção após a redução do IPI para eletrodomésticos, conta o vice-presidente de relações institucionais e sustentabilidade da empresa, Armando Valle Jr. "Os primeiros três meses devem fechar com crescimento de dois dígitos em relação ao mesmo período de 2011", diz ele, que projeta encomendas mais fortes do varejo até 31 de março, quando está previsto o fim da isenção fiscal.

O início do ano também foi surpreendente para a Latina Eletrodomésticos, segundo Paulo Coli, diretor de operações. No entanto, a empresa está bastante reticente por causa da isenção do IPI. Segundo o executivo, os varejistas estão antecipando encomendas para estocar produtos com imposto reduzido e continuar a ofertá-los por preços mais baixos em abril. Com isso, estima, haverá queda de 30% na produção daquele mês e é possível que algumas empresas recorram a férias coletivas.

Estímulo governamental também é a aposta do setor de material de construção para vendas mais aquecidas. Walter Cover, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), espera reação da demanda em um cenário econômico favorável, que conjuga aumento dos investimentos por parte do governo e manutenção do nível de emprego, elevação da renda e mais crédito imobiliário.

No entanto, o resultado de janeiro ficou abaixo da expectativa, com recuo de 5,7% ante dezembro. Em relação a janeiro de 2011, o crescimento foi de 4%, mas frente a uma base baixa de comparação, diz Cover. Para 2012, a projeção de crescimento de 4,5% foi mantida.

Mesmo sem resultados fechados, a percepção da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) é que o setor começou 2012 um pouco melhor após a queda de 14,9% na produção em 2011, diz Aguinaldo Diniz Filho, presidente da entidade. "Houve pequena reposição de estoques nas confecções, mas continuamos preocupados com o aumento das importações, principalmente no setor de vestuário".

Wilson Périco, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), também não possui resultados para a produção de janeiro, mas adianta que a expectativa é de queda em relação a dezembro e algum crescimento frente a janeiro do ano passado. "Já estamos sentindo isso na geração de empregos, mas esperamos sinais de recuperação a partir de março por conta do dia das mães", diz. Puxado por TVs de última geração e motos, o faturamento do Polo Industrial de Manaus cresceu 16% no ano passado, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), percentual que, segundo Périco, pode ser superado em 2012.

Para o setor de motocicletas, essa não é a expectativa. Concentrada em Manaus, a produção do segmento caiu 4% entre janeiro de 2011 e igual mês de 2012, variação vista sem empolgação por Moacyr Alberto Paes, diretor-executivo da Abraciclo, a entidade que reúne os fabricantes. Após avanço de 16,8% em 2011, Paes espera expansão bem mais moderada para a produção de motos este ano, de 5%.

Os números da Associação Brasileira da Indústria de Energia Elétrica e Eletrônica (Abinee) indicam melhora nas encomendas em janeiro. Na comparação com igual mês de 2011, as vendas cresceram para 47% das empresas. Em dezembro, essa relação era de 39%. Em fevereiro, o indicador deve melhorar, estima Luiz Cezar Rochel, diretor de economia da Abinee.

Outro bom sinal para o setor veio dos estoques. A parcela das empresas com estoques de bens acabados em nível considerado normal saltou de 57% para 64% entre dezembro e janeiro.

 

Em um mesmo setor, cenários diferentes


A mesma disparidade entre setores - onde alguns começaram janeiro com sinais de leve recuperação e outros ainda estão com encomendas mais fracas que as de 2011 - aparece no interior dos setores quando se olha para as empresas. No setor têxtil e de calçados, enquanto algumas indústrias já discutem rever para cima projeções para 2012, por conta do aumento do salário mínimo, outras ainda sentem a forte concorrência dos produtos importados.

Evandro Müller, diretor financeiro da Buddemeyer, empresa sediada em Jaraguá do Sul (SC), não revela o percentual de crescimento da produção, mas diz que os primeiros meses deste ano foram mais fortes do que os primeiros meses de 2011. Não só as encomendas do varejo foram melhores, como houve redução de custos. Neste ano, o setor, por enquanto, não sente uma pressão proveniente da cotação do algodão como aconteceu no primeiro semestre do ano passado, quando o algodão praticamente triplicou de preço.

Depois de um período de demanda mais fraca entre agosto e novembro do ano passado, as indústrias calçadistas iniciam 2012 em ritmo mais acelerado. O grupo Priority, dono das marcas West Coast e Cravo & Canela, já garantiu alta de 25% no faturamento do primeiro trimestre, ante igual período de 2011, enquanto a Bibi, fabricante de calçados infantis, fechou janeiro com expansão de 11% e prevê alta de 5% em fevereiro.

Segundo Eduardo Smaniotto, diretor da Cravo & Canela, as vendas para o primeiro trimestre já foram concluídas, duas semanas mais cedo do que no ano passado na linha feminina e uma semana antes no segmento masculino. De acordo com ele, o sinal de que o ano começaria bem veio na Couromoda de janeiro, quando os lojistas foram "avidamente" às compras para repor estoques e buscar novas coleções. O aumento da renda da população, em geral, e do salário mínimo, em particular, é visto pelo diretor como fator de estímulo às vendas de calçados no país, que neste ano deve absorver até 93% da produção da empresa.

O dado negativo fica por conta da Argentina, que representava de 30% a 40% das exportações da empresa - em 2011, os embarques ao exterior absorveram 15% da produção. Em 2012, as vendas para a Argentina deverão despencar em função das barreiras às importações impostas pelo país vizinho.

Na Bibi, a alta de 11% em janeiro só não deve se repetir em fevereiro, porque o mês é mais dedicado às exportações, que, por gozarem de isenções tributárias, geram receita bruta menor, explica o diretor administrativo e financeiro Rosnei Alfredo da Silva. De acordo com ele, os lojistas iniciaram as compras com mais intensidade desde dezembro do ano passado.

Para 2012, a Bibi projeta faturamento entre R$ 135 milhões e R$ 142 milhões, o que corresponde a alta de 6,5% a 12%, em comparação com os R$ 126,7 milhões apurados no ano passado. A produção física deve permanecer estável, em torno de 3,2 milhões de pares, e o crescimento da receita virá com o lançamento de produtos de maior valor agregado, diz o executivo.

A Bibi também prevê problemas com a Argentina, embora no momento não esteja com grandes volumes à espera de autorização para embarque. O país vizinho absorve normalmente 25% das exportações da empresa, que por sua vez corresponderam, em 2011, a 16% do volume fabricado, lembra Silva.

De acordo com Ivo Lombardi, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Brusque (SC) e região (Sindivest) e dono da empresa Miss Beth, janeiro e fevereiro foram meses mais fracos de produção, porque houve um recuo nas encomendas dos varejistas. Em 2011, no mesmo período, a situação era diferente: havia reposição daquilo que foi vendido no fim do ano. Agora, no primeiro bimestre deste ano, a produção na região está cerca de 20% menor em relação a igual período no ano anterior. Segundo Lombardi, é crescente a dificuldade de concorrência com os importados. "A coleção de inverno, praticamente, virá de fora do país."

No Nordeste, a cearense Têxtil Bezerra de Menezes (TBM), também acredita que o pior ficou para trás. De acordo com seu presidente, Ivan Bezerra Filho, o primeiro bimestre registrou crescimento importante do volume de encomendas, quando comparado aos dois últimos meses de 2011. Na sua avaliação, a estabilidade cambial, os juros mais baixos, o reajuste do salário mínimo e o controle da inflação devem proporcionar um 2012 melhor.

"As fiações terminaram 2011 com estoque de 30 dias. Neste começo de ano estão sem estoques. Isso representa crescimento em torno de 12% nas encomendas", explicou o executivo. Ele acredita que o desempenho do primeiro bimestre tenha sido influenciado pela expectativa de anúncio, por parte do governo, de alguma medida visando proteger os empregos do setor têxtil, fortemente afetado pelas importações chinesas.

A Lupo está operando com 100% da capacidade de produção e vai inaugurar nova fábrica em julho para atender à demanda das grandes varejistas, que está aquecida. Segundo Valquírio Cabral Júnior, presidente da empresa, 2012 começou forte e 70% das peças de inverno já foram vendidas.

"O setor de expedição trabalhou durante todo o Carnaval para atender às encomendas. Em 30 anos de Lupo, nunca tinha visto isso", comenta o empresário, para quem a produção deve crescer 11% este ano, após expansão de 9% em 2011. O resultado melhor, sustenta Cabral Jr, virá na esteira do recuo da inflação, que deve aumentar o poder de fogo dos consumidores. "A economia está bem depois da queda que aconteceu no varejo no segundo semestre e agora as encomendas voltaram fortes", diz.

Para o empresário, os indícios de que 2012 será um ano melhor já apareceram em janeiro, quando a produção avançou 13% em relação a igual mês de 2011. A empresa esperava aumento de 12%.


Veículo: Valor Econômico


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