Inflação dos alimentos sobe e atinge baixa renda

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A vida não está fácil para a doméstica Arlete de Sena Silva. A renda é apertada. Os gastos com remédios só aumentam. E os preços dos alimentos - principalmente o arroz, feijão e a carne - não param de subir, afirmou. "E é isso que nós compramos, não é? O restante é supérfluo", desabafou.

De segunda a sexta-feira, Arlete dorme fora de casa. Moradora de Ribeirão Pires, passa a semana na residência em que trabalha, em Santo André. Além da distância do marido, que é aposentado, ela se preocupa para manter a saúde financeira do casal. E qualquer inflação já é grande impacto no orçamento. Tudo é contado. "Só com remédio, mesmo recebendo alguns do governo, gastamos muito. Um colírio para o meu marido, para glaucoma, custa R$ 121 e dura só 20 dias", exemplificou.

Ao menos, ela está contente no trabalho, que iniciou em 2006, quando perdeu o antigo emprego de operadora de caldeira. Além de arrumar a casa, ela cuida de uma senhora com idade avançada. "Ela é meu bebê", afirmou com um sorriso no rosto.

A vida da Arlete é apenas mais uma em grande grupo de brasileiros, com renda familiar de até 2,5 salários-mínimos, o equivalente a R$ 1.555, que sofre com a inflação. Em maio, não foi diferente. Os preços subiram em média, para esses consumidores, 0,78%, segundo o IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1), do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Segundo o índice, essas famílias pagaram, em média, 0,79% pelos alimentos no mês passado, o que gera maior impacto nas classes de menor renda, destacou o coordenador do Instituto de Pesquisas da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Leandro Prearo.

"A alimentação é inelástica. Mesmo que aumentem os preços, as pessoas vão continuar comendo", afirmou Prearo. O pesquisador destacou que neste caso, as famílias acabam cortando gastos com outras despesas ou substituindo produtos.

No fim de semana teve carne de primeira como mistura na casa da auxiliar de serviços gerais Maria da Cruz de Souza. "Comprei, pois era sábado. Mas achei bem caro", disse, explicando que adquiriu, nas últimas semanas, apenas corte de segunda por causa da inflação das peças nobres. Maria sustenta a família com o dinheiro suado que ganha. Ela alimenta dois filhos e espera que as coisas melhorem, tendo em vista que sua filha de 19 anos está em busca de emprego.

Elisa dos Santos, que é doméstica e moradora de Santo André, disse que percebeu aumento nos valores dos alimentos básicos. Segundo o Ibre-FGV, o feijão-carioca está entre as cinco maiores influências para a inflação de maio às famílias com renda de até 2,5 salários-mínimos. O produto subiu 8,87%.

Prearo apresentou o peso da alimentação no orçamento das famílias do Grande ABC, com base na pesquisa socioeconômica da USCS. "Cerca de um terço da renda das classes D e E é destinada aos alimentos", pontuou. Enquanto as classes A, B e C, respectivamente, desembolsam 13%, 22% e 30% do rendimento do domicílio com esses produtos, o menos abastados gastam 36%. Formaram o IPC-C1 produtos dos grupos alimentação (0,79%), habitação (0,83%), vestuário (1,01%), Saúde (0,80%), Educação (0,29%), despesas diversas (4,46%), transportes (-0,01%) e comunicação (-0,33%).


Mercado de trabalho garante otimismo das famílias


A maioria das famílias brasileiras avalia que a situação financeira do domicílio em maio melhorou em comparação com o ano passado. Essa percepção é garantida pelo mercado de trabalho, que vem apresentando resultados estáveis ou positivos, dependendo da região, e aumentos de salários com ganhos reais, ou seja, acima da inflação. Esta é a conclusão do chefe da assessoria técnica da presidência do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), André Calixtre, após a divulgação da pesquisa IEF (Índice de Expectativa das Famílias).

Segundo o estudo, 77,8% dos brasileiros têm a percepção de que a situação financeira da sua família está melhor em relação ao mesmo período do ano passado.

O ajudante de pedreiro Saulo Delfino Moreira pertence a este grupo. Atualmente empregado, ele disse que sua família está em melhores condições do que em 2011. "Meu irmão conseguiu emprego novo", apontou ele como principal motivo para essa melhoria.

Por outro lado, 20,3% da população não estão contentes com a atual situação financeira, afirmando que as coisas pioraram, ilustra a pesquisa.

"Temos muitas dívidas", contextualizou o web designer Marcelo Leal. Ele contou que mora com a mãe e a irmã. Todos na casa trabalham, mas o endividamento acaba complicando a gestão orçamentária. "No ano passado estávamos melhores", garantiu.

A percepção dos brasileiros sobre as finanças familiares contribuiu para que o IEF acumulasse 67 pontos, mesmo resultado de abril, o que aponta otimismo. No sentido oposto, caiu o percentual de consumidores que esperam melhora na economia nacional nos próximos 12 meses, passando de 68,3% em abril para 66,8%.

Calixtre destacou que a percepção de piora e de alto endividamento é sensação de pequena parcela da população. "Esse é um problema mais comum para os ricos. Para aqueles que têm mais de dez salários-mínimos (R$ 6.220)."

Ele afirmou que grande parte da população não é bancarizada e não têm acesso ao crédito. Ontem, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) revelou, após realizar pesquisa em parceria com o Ibope, que 36% dos brasileiros não têm conta-corrente ou poupança.

Calixtre pontuou que os ganhos reais da renda no País tiram a força do impacto da inflação na avaliação das famílias. Isso porque o poder de compra segue o mesmo.

A fatia de brasileiros que têm dívidas aumentou de abril para maio. A parcela que declarou não estar endividada caiu de 54,6% para 53,5%. A dívida média domiciliar nacional atingiu R$ 5.540,86, queda de 0,9% ante abril.
 

 
Veículo: Diário do Grande ABC - SP


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