Cenário econômico mais previsível permite a concessão de empréstimos com menor risco de calote
Márcia De Chiara
O forte aumento do crédito, apesar da alta da taxa de juros pelo Banco Central (BC) está relacionada ao bom momento da economia. Segundo o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, além dos prazos mais longos do crediário, hoje o nível de emprego está elevado e sem previsões de desaceleração, o que incentiva a concessão de crédito com menor risco de inadimplência.
O desemprego medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) recuou de 8,5% em abril para 7,9% em maio. Com isso, a taxa média no ano foi 1,6 ponto porcentual abaixo da registrada no mesmo período de 2007. Descontadas as influências sazonais, o desemprego, que estava em 8% em abril recuou para 7,6% em maio, o menor nível da série histórica iniciada em 2002.
Também o rendimento médio real teve alta de 2,4% de janeiro a maio, enquanto o pessoal ocupado cresceu 3,9%. Resultado: a massa salarial real cresceu 6,4% em maio em comparação ao mesmo mês de 2007 e continua sendo o fator-chave para o crescimento da demanda doméstica, apontado na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), do BC.
O diretor da RC Consultores, Fábio Silveira, destaca que hoje a liquidez é muito maior que no passado. “Não podemos comparar o choque de juros atual com os da década de 90.” Naquele período, em razão dos sucessivos ciclos de inadimplência, os recursos eram escassos para as empresas, que imediatamente cortavam os prazos dos empréstimos que concediam quando as taxas subiam.
“Hoje a história é outra”, diz ele, ponderando que, mesmo com esse aperto, a economia vai crescer cerca de 4%. Na opinião de Silveira, o aparente descolamento entre a alta dos juros e o ritmo de atividade é transitório. “O impacto dos juros demora um pouco mais, mas vai ocorrer.”
Para o sócio-diretor da MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros, o crédito já está ficando mais escasso, mas ressalta que o patamar de consumo é elevado. As vendas do comércio devem fechar o ano com crescimento de 9% contra 9,7% em 2007. “Vamos crescer mais lentamente”, diz o economista. Ele observa que, quando há crescimento econômico “a fila anda” e novas camadas de renda ingressam no mercado de consumo, o que ocorre hoje.
ECONOMIA PREVISÍVEL
O que explica esse aparente descolamento entre a política monetária e o crédito é o fato de a economia estar mais previsível, observa o diretor Financeiro do Banrisul, Ricardo Hingel. É exatamente essa previsibilidade de crescimento econômico e do emprego, que não existia no passado, que está fazendo com que os consumidores continuem comprando e os bancos emprestando por prazos mais longos, observa.
“Os prazos não foram encurtados porque o mercado está competitivo”, afirma Hingel. Ele acrescenta que a maior disposição dos bancos para o crédito resulta do fato de a Selic ser hoje menos atrativa para as aplicações em títulos do governo. Cinco anos atrás, quando a Selic era superior a 20% ao ano, a rentabilidade das operações de tesouraria era maior. Hoje a taxa é de 13% ao ano. Isso explica porque sobram mais recursos para as operações de crédito ao consumo.
“A liquidez hoje é excessiva”, afirma o economista da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo. Para ele, o BC atua sobre as expectativas do mercado subindo os juros, mas o lado real da economia é dado pela demanda e esta continua forte. Na opinião dele, a alta dos juros começará a fazer efeito na economia real no último trimestre deste ano ou no primeiro trimestre de 2009.
FINANCEIRAS
O relatório de Crédito do BC, divulgado semana passada, mostra que o spread, a margem do banco que é diferença entre o custo de captação e a taxa do empréstimo destinado às pessoas físicas, aumentou 1,2 ponto porcentual, de 33,5% em maio para 34,7% em junho. A inadimplência do consumidor, medida pelo atraso superior a 90 dias, ficou praticamente estável em 12 meses até junho e teve um acréscimo de 0,7 ponto porcentual de maio para junho.
“O resultado dos bancos neste semestre deverá ser melhor do que nos primeiros seis meses deste ano. O momento é favorável para instituições financeiras”, afirma o diretor Financeiro do Banrisul, Ricardo Hingel. Para Oliveira, da Anefac, o cenário atual terá impacto positivo para os bancos. Nos últimos tempos, os lucros dos bancos têm se superado a cada semestre. Nesta semana começa a ser divulgada a segunda safra de balanços de 2008, referente ao segundo trimestre do ano.
O superintendente de Economia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Nicola Tingas, rebate com argumentos a perspectiva de que os lucros dos bancos irão aumentar por causa da conjuntura de juros elevados e prazos longos.
Tingas diz que, nos últimos tempos, o custo de captação aumentou e o risco de inadimplência também. Esses dois componentes reduzem, na avaliação dele, os ganhos das instituições financeiras, apesar de as taxas de juros terem subido.
FRASE
Fábio Silveira
Diretor da RC Consultores
“Não podemos comparar o choque de juros com o da década de 90. É outra história”
Ricardo Hingel
Diretor do Banrisul
“Os prazos não foram encurtados porque há competitividade”
Veículo: O Estado de S.Paulo