Entre protecionismo e proteção, os acordos

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O ânimo do setor privado brasileiro com acordos de comércio será testado em breve, com a abertura, nesta semana, de uma consulta pública do Ministério do Desenvolvimento sobre temas interessantes: em que termos os empresários aceitam negociar um acordo de livre comércio com o Canadá; o que querem os empresários, no caso de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia; qual o prazo desejado para redução de tarifas; e que setores são considerados "sensíveis" e demandam proteção contra a concorrência dos europeus?

O governo e parte do setor privado têm uma forte razão para urgência nas negociações com a União Europeia: em 2014, o Brasil será excluído do Sistema Geral de Preferências (SGP) europeu, que concede tarifas de importação mais baixa a 10% das exportações brasileiras para o bloco. São quase € 3,6 bilhões em mercadorias como plásticos, calçados, automóveis, químicos, máquinas e até melões, cujos produtores se dizem ameaçados de perder o mercado, se forem submetidos às tarifas europeias normais.

Até a presidente Dilma Rousseff tem citado o SGP, que foi mencionado pelas autoridades brasileiras em conversas com negociadores da Europa. Os europeus dizem só haver uma possibilidade de manter as tarifas preferenciais aos brasileiros: em caso de negociação do acordo de livre comércio com o Mercosul. É de se imaginar que estejam usando o mesmo argumento com os argentinos, os sócios do Brasil menos dispostos a reabrir negociações de livre comércio. Apesar da crise, a União Europeia está disposta a levar à frente as negociações, garantem os diplomatas de lá.

Perda de vantagem tarifária preocupa governo brasileiro

Quem levantou o último alerta para o risco de desdenhar dos acordos de livre comércio foi o ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, em seminário na Câmara dos Deputados: o Brasil tem de avançar. Ficar parado, nesse caso, é retroceder, disse ele, preocupado com a proliferação de acordos de abertura de mercado assinados recentemente pelos países asiáticos, da Coreia à Índia. Cada acordo desses significa preferência para produtos já competitivos da Ásia contra exportadores brasileiros.

A opinião majoritária no governo é menos decidida, e mais sensível aos temores defensivos do setor privado. As resistências privadas, aliás, não começaram recentemente, com a crise econômica. Em toda negociação, sempre há resistências invisíveis, às vezes decisivas. O último acordo de peso tentado pelo Brasil, com os ricos países árabes do Conselho de Cooperação do Golfo, ainda no governo Lula, foi torpedeado pela indústria petroquímica nacional.

Sensível às demandas por proteção do setor privado, o governo recusa o rótulo de protecionista. Argumenta que só tenta proteger os fabricantes nacionais de desequilíbrios do mercado com os efeitos de programas anticrise nos EUA, Japão e Europa que desvalorizam as respectivas moedas em relação ao real, e, assim, deixam mais caros, menos competitivos, os produtos brasileiros. As autoridades reconhecem, porém, o papel das mazelas nacionais na falta de competitividade. É fato que, mesmo timidamente, o governo tem atuado para reduzir custos e deficiências de infraestrutura, trazer os juros a niveis civilizados, reduzir - ainda que modestamente - a carga tributária. Mas as empresas se queixam de que o ritmo é insuficiente.

A preocupação com a queda no desempenho do comércio exterior e seu impacto negativo no balanço de pagamentos do país é tema frequente de conversas de Dilma com auxiliares, mas, até agora, as ações para controle da importações ganharam maior destaque nas ações de governo que os esforços de conquista de mercados (eles existem, mas não com a dimensão espetacular das barreiras comerciais "de proteção" erigidas nos últimos meses).

A cada dia parece mais claro, inclusive no governo, como indica a manifestação de Patriota, que não é sustentável uma política de comércio sustentada pela defesa contra importações. Quem fecha mercados também perde competitividade, sugere o discurso do ministro.

É injusto acusar o governo de ter desprezado os mercados europeu e americano. Houve uma proposta formal de acordo Mercosul-Estados Unidos, rejeitada pelos americanos que não se dispõem a fazer um acordo fora do modelo aplicado ao Chile e outros parceiros, com regras que extrapolam a discussão comercial e limitam as opções de política industrial em temas como compras governamentais, proteção a investimentos e propriedade intelectual.

No caso da Europa, o governo ouviu dos próprios europeus, até recentemente, que boa parte das demandas brasileiras dependia do resultado da entorpecida Rodada Doha de liberalização na organização Mundial do Comércio. Apostar na OMC era uma saída racional, ainda que tenha fracassado.

Um complicador na discussão do governo sobre acordos de comércio é a necessidade de negociar por meio do Mercosul, com um sócio francamente avesso à abertura comercial, a Argentina, e outro pouco empenhado em discussões do gênero, a Venezuela. Sobre os venezuelanos, será possível ter maior clareza nesta quarta-feira, quando se reunirá o grupo técnico criado para facilitar a integração da Venezuela no Mercosul. Um subgrupo está dedicado às negociações comerciais e a prioridade será saber o ânimo venezuelano em relação à União Europeia e Canadá, negociações no horizonte.

Quanto à Argentina, é preciso encontrar uma fórmula para engajar o vizinho no esforço negociador. O fato de que esses acordos levam tempo para fazer seus efeitos, e incluem prazos para liberalização de produtos "sensíveis" é um argumento importante, embora não pareça suficiente para atrair o vizinho. A verdade é que, antes de imaginar o que se pode esperar da Argentina, é preciso verificar qual o interesse do setor privado brasileiro. É o que fará a consulta aberta nesta semana, que tem um peso considerável na formulação das futuras estratégias comerciais do Brasil.



Veículo: Valor Econômico


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