Governo americano pressiona contra alta de tarifas de importação pelo Brasil

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O governo de Barack Obama faz ameaças ao Brasil por causa de sua política de elevação de tarifas de importação, insinua que poderia responder com barreiras contra bens brasileiros e faz um alerta: a atitude do Brasil pode afetar a relação entre os dois países.

Numa carta enviada ao chanceler Antonio Patriota, o governo americano ainda diz ter sido informado de que as barreiras adotadas pelo governo Dilma Rousseff nas últimas semanas não seriam as últimas. Uma nova leva de elevação de tarifas está sendo examinada por Brasília e seu debate público está programado para ocorrer em outubro.

Datada de 19 de setembro, a carta é o sinal mais claro desde o início da crise econômica da insatisfação do governo americano com a atitude do Brasil. Assinada pelo representante de Comércio do governo Barack Obama, Ron Kirk, o protesto ocorre num momento em que o presidente precisa mostrar que está defendendo os interesses de empresas e trabalhadores americanos. Em menos de dois meses, os Estados Unidos terão eleições.

O governo brasileiro classificou de "injustificável" e "inaceitável" o documento.

'Termos fortes'. Diante da crise nos países ricos, Obama e outros líderes de países desenvolvidos contam cada vez mais com as exportações aos países emergentes. Mas, para isso, precisam que esses mercados mantenham suas portas abertas.

"Escrevo para declarar nos termos mais fortes e claros a preocupação dos EUA em relação aos aumentos de tarifa planejados e propostos no Brasil e no Mercosul", indica Kirk já na primeira linha.

O motivo da carta foi a decisão do governo brasileiro de elevar o Imposto de Importação para cem produtos, medida que já havia sido precedida por outras barreiras. O Brasil insiste que tem o direito legal de elevar essas tarifas, pois as aplicadas no Brasil estão próximas de 12%, e o compromisso internacional do País na Organização Mundial do Comércio (OMC) aponta para um teto de 35%.

O governo americano, porém, diz que não está seguro de que as tarifas estejam de acordo com a lei. "O aumento de tarifas no Brasil vai, de forma significativa, restringir o comércio e representa claramente uma medida protecionista", diz Kirk.

Para a Casa Branca, os produtos protegidos pelo Brasil atingem de forma desproporcional as exportações americanas. Além disso, teriam sido adotadas barreiras no ano passado, cujo resultado seria "uma deterioração nas condições de acesso ao mercado do Brasil".

De forma diplomática, Kirk faz duas ameaças. A primeira é que a atitude do Brasil poderia minar a relação bilateral. A segunda, mais velada, é de que essa reação poderia se espalhar por outros parceiros comerciais, que "poderiam responder na mesma moeda".


Itamaraty reage e ataca política do dólar barato


Patriota responde a carta de representante de Comércio dos EUA e diz que o Brasil tem sido obrigado a enfrentar 'elevação artificial' do real

O governo brasileiro reagiu duramente à carta em que o representante de Comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, criticou a política do País de elevação de tarifas de importação. O ministro das Relações Exteriores, Antônio de Aguiar Patriota, recebeu o documento ontem à tarde e à noite divulgou uma resposta.

Em tom duro, ele ressaltou que os EUA praticamente dobraram as exportações ao Brasil, beneficiados por um "ambiente distorcido de desalinhamentos cambiais e escancarado apoio governamental". Ele atacou a política de expansão monetária americana, chamada de afrouxamento quantitativo, que torna o dólar barato ante outras moedas e dá mais competitividade aos produtos americanos. E reafirmou a intenção de usar "todos os instrumentos legítimos" em defesa do mercado.

Mais cedo, o porta-voz do Itamaraty, embaixador Tovar Nunes, já havia reagido à carta dos EUA, tachada de "injustificável" e "inaceitável". "Não gostamos nem do conteúdo nem da forma. Consideramos injustificadas as críticas, não têm fundamento", afirmou. "Temos um relacionamento muito bom com os EUA e essa forma de comunicação não é aceitável, não ajuda e não reflete esse bom relacionamento."

O tom do texto de Kirk, que tem o posto equivalente a um ministro do Comércio Exterior, incomodou o governo brasileiro. Há uma semana, o embaixador americano na Organização Mundial do Comércio, Michael Punke, também havia reclamado da decisão brasileira de aumentar as tarifas de importação de 100 produtos e a reação de Patriota não foi tão dura.

Em entrevista ao Estado, o ministro afirmou que considerava naturais as críticas feitas na organização, um fórum onde os países podem levantar suas "preocupações comerciais". Ainda assim, lembrou que o Brasil é um dos quatro países que mais importam produtos americanos e que medidas dos Estados Unidos benéficas às suas empresas, como o chamado afrouxamento quantitativo realizado há uma semana, também prejudicam economias emergentes.

"O Brasil tem levantado na OMC um debate sobre câmbio e comércio e vê com muita preocupação essas medidas de afrouxamento quantitativo, que têm impacto extremamente deletério sobre economias em desenvolvimento. Economias que inclusive estão ajudando o mundo desenvolvido com o seu dinamismo econômico e com a absorção de produtos exportados pelos Estados Unidos e países europeus", disse o ministro. "Além da retórica temos de olhar para realidade, e há questões que precisam ser legitimamente debatidas. O Brasil as tem levado à OMC e esperamos que também sejam tratadas com seriedade".

A diferença agora é, especialmente, o tom da carta do representante americano. No texto, Kirk não só começa dizendo que escreve para declarar "em termos fortes e claros" a preocupação dos Estados Unidos com a política brasileira, como acusa o governo brasileiro de tomar medidas protecionistas e de mirar especificamente as importações americanas. Além disso, o tom de ameaça - Kirk diz que medidas como essa podem levar a respostas à altura e prejudicar as relações dos dois países - foi considerado desrespeitoso.

O Brasil teve, em 2011, um déficit comercial de US$ 8,2 bilhões com os Estados Unidos. Este ano, entre janeiro e agosto, a diferença na balança comercial já alcança US$ 2,7 bilhões contra o Brasil. Além disso, as ações americanas para proteger seu comércio também não costumam levar em conta os problemas que causam nos outros países.

A recente decisão do Federal Reserve, o banco central americano, de comprar US$ 40 bilhões em títulos públicos para injetar dinheiro na economia foi classificada pela presidente Dilma Rousseff como um "tsunami monetário", que fortalece artificialmente as moedas dos demais países e prejudica o comércio. No quesito subsídios, o Congresso americano negocia uma nova lei agrícola, a Farm Bill, que pode ser ainda mais danosa para os produtos agrícolas que a atual.



Veículo: O Estado de S.Paulo


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