Ações judiciais contestam rótulos nos EUA

Leia em 4min 40s

Nos últimos 18 meses, um grupo de advogados que enriqueceu processando empresas de tabaco voltou as atenções para o que espera será a próxima grande sensação: contestar rótulos de alimentos que apregoam opções saudáveis, mas que, segundo eles, são enganosos.

Provenientes de todas as partes dos Estados Unidos, os advogados decidiram entrar com processos em cortes federais do norte da Califórnia, onde as leis de proteção ao consumidor são abertas e os júris têm uma preocupação maior com a nutrição. "Até mesmo os juízes estão chamando essa jurisdição de Food Court", diz Pierce Gore, advogado que está atuando como coordenador de vários queixosos no Mississippi, Texas, Tennessee, Illinois e Nova York.

Até agora, três dezenas de processos que tentam obter o status de ação coletiva estão pendentes. A lista de produtos-alvo inclui o sorvete Ben & Jerry's, da Unilever, o iogurte Chobani, o chiclete Trident, da Kraft, os chocolates Hershey e as bebidas Ocean Spray, além dos chás Twinings, da Associated British Foods. Ao contrário dos processos contra a indústria do tabaco, esses casos não alegam que alguém foi fisicamente prejudicado ou sucumbiu ao vício, nem sugerem que os produtos são perigosos ou defeituosos. Segundo as ações, os consumidores estão sendo enganados por afirmações como "100% natural" e "sem adição de açúcar" nos rótulos.

"Hipertécnico nem chega perto de descrever esse litígio", diz William Stern, do escritório Morrison & Foerster, que vem tentando indeferir vários dos processos em nome da Unilever e de outros clientes. "Trivial é uma palavra melhor." As indústrias de alimentos afirmam que seus rótulos se mostram acurados quando lidos em sua totalidade. Stern atribui o aumento dos litígios a um acordo feito em 2009 pela Danone.

Sem admitir responsabilidade, a Danone dos EUA concordou em pagar US$ 35 milhões para resolver uma ação coletiva que alegava que ela fazia afirmações falsas sobre os benefícios digestivos de seu iogurte probiótico Activia. "Aquilo chamou a atenção de todo mundo", diz Stern. A Danone disse na época que entrou em um acordo para evitar custas legais ilimitadas.

Outras empresas, porém, estão lutando na Food Court - uma decisão cara. A disputa pré-julgamento, só para decidir se um juiz classifica uma ação como apropriada, pode demorar até dois anos e custar US$ 2 milhões para uma empresa, afirma Stern.

Gore diz que as corporações poderiam economizar dinheiro tornando seus rótulos menos prepotentes. A Danone, por exemplo, concordou em modificar algumas afirmações sobre as vantagens dos probióticos. "Esses processos são técnicos assim como o limite de velocidade é técnico", diz Gore. "As regras são criadas para proteger a todos e é preciso cumpri-las."

A Food and Drug Administration (FDA) elabora as regras para os rótulos, mas não tem recursos suficientes para fiscalizá-las, afirma ele. Portanto, os advogados dos consumidores começaram a atuar como fiscais autonomeados. Trabalhando com Gore estão veteranos das guerras do tabaco da década de 90, como o Barrett Law Group e o escritório Provot Umphrey Law Firm.

Após a indústria do tabaco nos anos 90, marcas de alimentos vendidos como opções "saudáveis" são alvo

Os lobistas corporativos vêm fazendo da Food Court a peça central de sua campanha perene para conter ações indenizatórias. A American Tort Reform Association, fundada por um grupo de empresas, coloca a corte do norte da Califórnia no topo de sua lista de jurisdições que considera especialmente hostis aos interesses empresariais. As cortes de West Virginia e Madison County, Illinois, ocupam a segunda e a terceira posições.

"Em todo mercado competitivo que já existiu, afirmações pitorescas e até mesmo exageradas sempre foram uma parte, no geral inofensiva, do argumento de venda", diz Darren McKinney, porta-voz da associação. Os casos da Food Court, acrescenta, são uma invenção dos advogados, que insinuam que seus próprios clientes são "imbecis a ponto de não conseguirem ler a lista de ingredientes, que está lá no rótulo junto com afirmações do tipo '100% natural'."

Gore responde que os processos vêm surgindo de maneira "orgânica", à medida que os consumidores notam que pode haver exageros nos rótulos. "Fico ofendido com a acusação de que os casos estão sendo gerados por advogados", diz.

Os depoimentos de alguns dos principais clientes sugerem outra coisa. Leon Khasin, um segurança corporativo que vive em San Jose, processou a Hershey em 2012 por causa de seus chocolates Special Dark Kisses. O rótulo dizia que o produto era uma "fonte natural de antioxidantes flavonóides". Em seu site, a Hershey diz que "compostos de plantas, que agem como antioxidantes nos alimentos, podem reduzir o risco de muitos tipos de doenças, de problemas de coração ao câncer".

O processo movido por Gore em nome de Khasin afirma que os rótulos da Hershey são "ilegais porque a FDA não definiu a caracterização 'fonte' por regulamentação e, assim, tal caracterização não pode ser usada em afirmações de conteúdo de nutrientes". Perguntado durante um depoimento, em março, como ele decidiu entrar com o processo, Khasin disse que sua esposa, à época secretária da firma de advocacia de Gore, a Pratt & Associates, recomendou a ele que conversasse com o advogado. "Quando o senhor se encontrou com o senhor Gore naquele dia, tinha qualquer desejo de processar a Hershey?", perguntou a ele o advogado da companhia, Travis Tu, do escritório Patterson Belknap Webb & Tyles. "Não, não tinha", respondeu Khasin, que também disse não se lembrar de ter dado importância a algum rótulo da Hershey antes. A Hershey entrou com um pedido de antecipação de julgamento. Um juiz federal de San Jose marcou uma audiência para novembro.



Veículo: Valor Econômico


Veja também

Alimentação pressiona IPC-S na 3ª prévia do mês, diz FGV

Desde o início de agosto, o grupo Alimentação vem apresentando acréscimos em sua taxa de var...

Veja mais
Comércio de BH espera perda de até 40% nas vendas na Copa do Mundo

Frustrados com o faturamento durante a Copa das Confederações, 76,55% dos empresários esperam menos...

Veja mais
Dólar e estoques altos projetam Natal fraco

A disparada do dólar e a desaceleração de vendas no varejo complicaram as negociações...

Veja mais
Celular, bebidas e alimentos serão reajustados por conta do dólar alto

Indústria avisa que os custos de produção já subiram e, por isso, vai corrigir as tabelas en...

Veja mais
IPR deve ficar estagnado

Ao longo dos sete primeiros meses deste ano a maioria dos produtos do agronegócio mineiro registrou retraç...

Veja mais
Aumento de preços já afeta café da manhã

Itens subiram 14,64% em 12 meses.Em julho, a inflação deu uma trégua, mas, no acumulado de 12 meses...

Veja mais
Compra por impulso é maior em supermercado

Consumidores brasileiros gastam mais por impulso nos supermercados do que em shoppings. A conclusão é de u...

Veja mais
Confiança do consumidor sobe 4,4% em agosto, diz FGV

A confiança do consumidor subiu 4,4% na passagem de julho para agosto, registrando 113,1 pontos, segundo divulgou...

Veja mais
Inflação da indústria sobe pelo efeito da desvalorização do real

A desvalorização do real ante o dólar influenciou preços de várias atividades da ind&...

Veja mais