No momento da vida em que as responsabilidades aumentam, seja pela chegada dos filhos ou a saída da casa dos pais, crescem também as contas a pagar. Com a crise econômica, esse peso da fase adulta tem trazido a uma geração a dor de cabeça de não pagar o que deve: mais da metade dos brasileiros com idade entre 30 e 39 anos estão inadimplentes, segundo dados divulgados ontem pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). De acordo com a pesquisa, 50,19% da população nesta faixa etária terminou o último semestre com o nome inscrito em alguma lista de devedores. E eles são 17 milhões de inadimplentes.
É a segunda vez que o SPC Brasil e a CNDL segmenta o estudo por faixa etária, antes ele era feito apenas por regiões. Em maio deste ano foi a primeira vez em que a idade dos inadimplentes foi levada em consideração e também havia 17 milhões de brasileiros entre 30 a 39 anos com contas a pagar em aberto. Para a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, a situação dessas pessoas se explica pelo fato de que “geralmente, nessa idade, elas já são chefes de família e têm um número maior de compromissos a pagar, como aluguel, água, luz, entre outras despesas domésticas. Todos esses fatores aliados à falta de planejamento orçamentário e os efeitos da crise econômica impactam negativamente na capacidade de pagamento”, explica a economista.
Ela destaca que é justamente nessa fase da vida, em que muitos já saíram de casa e estão construindo uma família, que a corrida ao crédito acaba sendo inevitável. “É um momento em que as pessoas tendem a adquirir dívidas e, diante de uma retração na economia como essa por qual passa o Brasil, o aperto é ainda maior”, afirma. O estudo não informa uma estimativa de quanto devem, em média, esses brasileiros, porém, quem está nessa faixa etária sabe que o orçamento está mesmo muito pequeno.
A coordenadora de um restaurante na Região da Savassi diz que deve, pelo menos, R$ 3 mil aos bancos. Com 32 anos, ela prefere não se identificar e revela que a sua parceira, com a mesma idade, está desempregada e não consegue uma boa recolocação no mercado. “Graças a Deus estou empregada, mas a situação está muito difícil. Tenho que cuidar da minha avó e da minha mãe e não tem sobrado dinheiro”, reclama. Ela diz que lembra da sua mãe na sua idade e que, naquela época, a realidade era outra. “Não tenho filhos e estou sentindo que meu bolso está cada vez menor. E não sei quando vou poder quitar o que devo.” confessa.
Para a química Daniela Tavares, de 39 anos, a explicação é simples: “Atualmente, as empresas preferem demitir essa faixa etária e contratar os mais novos com valores mais baixos”, palpita. Desemprega desde o início do ano, depois de trabalhar por 13 anos em uma empresa, Daniela tem duas filhas e diz que, por enquanto, não deve a ninguém, porém, sabe que seus colegas acima dos 35 anos estão com dificuldades para conseguir emprego e, alguns, estão endividados engrossam as estatísticas. “Tenho meu marido e as nossas contas estão em dia. A crise econômica acabou atingindo muito essa faixa etária”, comenta.
Mais jovens e também devendo
E não são somente os brasileiros na faixa de 30 a 39 anos que estão sentido os efeitos da recessão brasileira. Chama a atenção também, segundo a economista do SPC Brasil, o fato de que quase metade da população com idade entre 25 e 29 anos (48,58%) está negativada, totalizando 8,3 milhões de consumidores com contas em atraso. “Essa parte da população está nessa situação também pelas mesmas características, que envolvem o momento de vida profissional com a situação econômica do país”, afirma a economista.
Indinara Paula Araújo, de 28 anos, conta que, em 2014, abriu um salão de beleza, aproveitando o momento da Copa do Mundo. “Mas, com a situação econômica do país, vivenciamos a queda da clientela e, no final de 2015, tivemos que fechar as portas”, revela. Atualmente, restaram, segundo ela, as dívidas a pagar. “Somos uma geração que se arrisca mais, cujos resultados são muito cobrados. Quando você forma, cobram de você um emprego, sucesso profissional e estabilidade, enquanto vamos criando uma ansiedade. É por isso que, talvez, a inadimplência seja alta para os jovens”, observa a microempreendedora.
DESEMPREGO De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego está maior entre os jovens, de 14 a 17 anos (37,9%). Entre aqueles de 18 a 24, o percentual é de 24,1% e, entre os de 25 a 39 anos, é de 9,9%. “Os menores de 24 anos, geralmente, têm 'pra onde correr' o que, muitas vezes, não ocorre com os maiores”, compara a economista do SPC-Brasil. Nessa faixa muitas pessoas ainda não constituíram família e ainda vivem na casa dos pais.
Ainda de acordo com a pesquisa do SPC e CNDL, entre aqueles com idade de 18 a 24 anos, a proporção de endividados cai para 22,14% – em número absoluto, são 5,29 milhões de inadimplentes. Na população idosa, considerando-se a faixa etária entre 65 a 84 anos, a proporção é de 28,89%, o que representa, em termos absolutos, 4,39 milhões de pessoas que não conseguem honrar seus compromissos financeiros.
Veículo: Jornal Estado de Minas