Com as projeções de IPCA mais baixo em 2017 e 2018, entrevistados indicaram que a taxa de juros deve recuar nos próximos meses; entretanto, houve divergências quanto às estimativas do banco
São Paulo - As projeções do Banco Central (BC) de recuo dos preços nos próximos anos devem ser acompanhadas por cortes na taxa básica de juros. Em relatório divulgado ontem, a autoridade monetária indicou que a inflação oficial deve diminuir para 4,4% em 2017.
Segundo especialistas entrevistados pelo DCI, a previsão de queda para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) não implica a manutenção da Selic no patamar atual. Entretanto, eles discordaram sobre o momento da diminuição da taxa.
"Devem ser feitos cortes ainda em 2016", resumiu Antônio Porto Gonçalves, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). De acordo com o entrevistado, a desaceleração dos preços nos últimos meses indicou que o BC pode alterar a taxa de juros já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em outubro.
"Se calcularmos a inflação em 12 meses com base nos resultados mais recentes, ela ficará perto de 5%, quase o objetivo para o ano que vem", justificou ele.
Coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero também apostou na redução da Selic em 2016, mas em dezembro. Ele ponderou que a alteração vai depender do futuro dos preços de alimentos e de medidas fiscais no Legislativo.
O economista José Luis da Costa Oreiro seguiu a mesma linha. "Parece que a estratégia não declarada [do BC] é reduzir a taxa só depois da aprovação do teto para gastos. É uma forma de pressionar os congressistas nesse sentido". Ele projetou um "corte simbólico" na Selic após o avanço da medida fiscal.
Em relatório divulgado ontem à tarde, o Itaú Unibanco também apontou a diminuição dos juros. "O RTI [Relatório Trimestral de Inflação] de hoje deu mais um importante passo nesta direção", indicou o documento, que destacou as projeções mais baixas para a inflação de 2017 e 2018.
As estimativas para os preços do ano que vem recuaram frente ao RTI anterior, que indicava IPCA de 4,7%. Para 2018, o BC esboçou índice ainda menor, de 3,8%.
Por outro lado, o desenho da entidade para este ano foi mais elevado e colocou o índice oficial em 7,3%. O cenário de referência do RTI levou em conta taxa de juros em 14,25% ao ano e câmbio de R$ 3,30.
Divergências
Os entrevistados questionaram, ainda, algumas das novas estimativas do BC, como a aposta em crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,3% em 2017. Para este ano, o banco manteve a previsão de queda (-3,3%) para a atividade econômica brasileira.
"É possível reduzir os preços e trazê-los à meta do governo [4,5%]. Mas o expediente que está sendo usado para atingir esse objetivo deve impedir um avanço maior do PIB, que pode inclusive ficar abaixo de 1% em 2017", disse Oreiro.
Segundo ele, o BC estaria mantendo a taxa de juros elevada para atrair capital estrangeiro e valorizar o real. Desta forma, a moeda seria usada como uma âncora cambial para impedir a alta dos preços.
"Mas, com a Selic em 14,25% ao ano e o real sem força, prejudicamos a indústria e a retomada da economia", completou ele.
Já Balistiero fez ressalvas quanto às expectativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2017. "Eu acredito que a inflação ficará entre 4,5% e 5% no ano que vem. A trajetória vai depender de alguns fatores, como o câmbio e os preços dos alimentos."
Câmbio
Fatores externos, como a elevação da taxa de juros americana ou a eleição de Donald Trump nos EUA, poderiam afetar a moeda brasileira, alterando os planos do BC.
Segundo Oreiro, a flexibilização da política monetária deve ser mais lenta se o real perder força. "Isso poderia acontecer se os preços das commodities voltarem a cair ou se houver aumento mais forte dos juros nos Estados Unidos", esboçou.
A eleição de Trump também poderia criar instabilidade no mercado, disse Balistiero. "É algo que ninguém está considerando e que poderia afetar parte da expectativa atual."
Outros cenários
O BC ainda fez projeções para a conjuntura econômica levando em conta mudanças no câmbio e na Selic.
Em um cenário de mercado, as estimativas apontaram inflação de 7,3% em 2016, de 4,9% em 2017 e de 4,6% em 2018. Neste caso, são utilizadas as trajetórias para a Selic e para a taxa de câmbio correspondentes às medianas das expectativas do levantamento Focus.
Também foram divulgados cenários híbridos. No primeiro deles, com taxa de câmbio
constante (R$3,30) e Selic conforme o Focus, o IPCA encerra 2017 em 4,8% e termina 2018 em 4,5%.
Já no segundo quadro, com Selic inalterada e câmbio de acordo com o levantamento de mercado, a inflação oficial cairia para 4,5%, no ano que vem, e para 4% no ano seguinte.
LDO
O diretor de Política Econômica do BC, Carlos Viana de Carvalho, afirmou, ontem, que as projeções fiscais contidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foram as consideradas pelo BC na formulação do RTI. Ao contrário do que ocorria na gestão anterior do BC, o relatório divulgado ontem não trouxe qualquer projeção de resultado primário do País.
Segundo ele, o progresso nas reformas fiscais pode contribuir para o cenário de política monetária. "Os impactos da dimensão fiscal vêm por vários canais", reiterou. Entretanto, Carvalho evitou falar sobre o futuro da Selic neste ano.
Fonte: DCI