Como mais uma medida para conter os efeitos do Covid-19 na economia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou, no último domingo (22), a Medida Provisória (MP) 927 que permite às empresas suspenderem contratos de trabalho e salários por até quatro meses.
Diante de uma enxurrada de críticas que foram dos sindicatos de trabalhadores até o presidente do Congresso, Rodrigo Maia (DEM) – que a chamou e capenga e prometia devolvê-la ao Palácio do Planalto -, o Executivo voltou atrás no início da tarde de ontem.
O famoso e natimorto artigo 18 fazia parte de uma lista de medidas para o enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda que sobreviveram:
Teletrabalho – o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho;
Antecipação de férias individuais – o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado;
Concessão de férias coletivas – o empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas e deverá notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, não aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1943.
Aproveitamento e antecipação de feriados – durante o estado de calamidade pública, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados;
Banco de horas – ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública;
Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho – durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1°, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais;
Diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio.
E ainda consideram-se convalidadas as medidas trabalhistas adotadas por empregadores que não contrariem o disposto na medida provisória, tomadas no período dos 30 dias anteriores à data de entrada em vigor da MP.
De acordo com a advogada Cláudia Al-Alam Elias Fernandes, a retirada do artigo não chegou a ser uma surpresa, já que era considerado inconstitucional por muitos especialistas. A queda em si, porém, não deixa de ser desastrosa por ter contribuído ainda mais para um clima de insegurança econômica e jurídica.
“No dispositivo que criava a possibilidade da suspensão do contrato de trabalho a MP falava muito em acordo direto entre empregadores e colaboradores, afastando os sindicatos das negociações. Esse era um ponto claro de dúvida. Esse é um problema a menos, é verdade. Mas outro problema criado é a sinalização para o mercado, tanto para empresas como para trabalhadores. Nós não sabemos o que fazer. As idas e vindas do governo pioram o clima que já é péssimo. Não precisamos de incertezas. O governo deveria ser responsável por serenar os ânimos, não por gerar o caos”, explica Cláudia Fernandes.
Para ela, itens como a antecipação de férias individuais e antecipação e aproveitamento de feriados são muito mais assertivas e menos polêmicas na busca por instrumentos que garantam a sobrevida das empresas e dos empregos. Já a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; é considerada igualmente desastrosa.
“A chamada antecipação de férias sem o pagamento antecipado e o pagamento do um terço é uma forma das empresas economizarem em cima do trabalhador, mas, mesmo assim, é do ponto de vista jurídico é algo bem mais simples de ser feito. Quanto à suspensão dos exames periódicos – exceto o demissional – é uma economia feita em cima da saúde do trabalhador. Em um momento de caos na saúde essa é uma ideia extremamente insensível”, pontua a advogada.
A medida provisória complementa a Lei 13.979, editada em fevereiro, já no contexto da pandemia de Covid-19 e que considera as ausências decorrentes das medidas sanitárias para contenção da epidemia como faltas justificadas.
Categoria de temporário vira alento para setores
Teletrabalho, ameaça de desemprego em massa, possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e pagamento de salário – já descartada – são hipóteses que balançam o mercado de trabalho brasileiro em tempos da Covid-19.
Em meio ao caos e à insegurança jurídica ampliada com as idas e vindas do governo federal com o pacote de medidas implementado pela MP 927, uma categoria de relação trabalhista surge quase como um alento para vários setores: o trabalho temporário.
A modalidade, regulamentada pelas Leis 6.019/74 e 13.429/17 e Decreto 10.060/19, estabelece a possibilidade de as “empresas tomadoras” contratarem “trabalhadores temporários” em função de “demanda complementar de serviços” que são demandas oriundas de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, que tenham natureza intermitente, periódica ou sazonal. Ou seja, justamente o que acontece agora.
De acordo com o diretor do Grupo Selpe Consultoria e Tecnologia em RH, Glaucus Botinha, é possível enxergar uma série de vantagens para setores que já têm ou terão picos de demanda durante a crise, como logística, saúde, entregas domiciliares, laboratórios farmacêuticos, entre outros.
Entre as vantagens estão prazos ampliados, desburocratização e flexibilidade. O contrato temporário pode ter duração de 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 90 dias se o motivo justificador da contratação perdurar. Não é mais necessária a autorização do Ministério do Trabalho para prorrogar um contrato temporário. Não há a figura e o custo do Aviso Prévio já que a contratação está atrelada ao período da demanda complementar.
Existem outros pontos positivos, segundo o especialista, entre eles a segurança jurídica. A nova legislação amplia as hipóteses de contratação e flexibiliza as contratações as diversas necessidades das empresas. E também a saúde e a segurança do trabalho: a Lei 13.429/17 estabelece as responsabilidades de tomadores e empresas de trabalho temporário no que tange segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores temporários, modernizando e dando segurança jurídica as relações.
“O temporário tem regras específicas. Não é hora de inventar jeitinhos”, alerta o especialista.
Empresas terão alívio em crise
Para o advogado trabalhista do L.O. Baptista Advogados Peterson Vilela, a Medida Provisória (MP) 927 vai ajudar as empresas durante a crise e gerar um alívio, porém elas precisam cumprir algumas obrigações e estão sujeitas a penalidades. Um ponto importante é a questão da validade da MP. O Decreto de Calamidade Pública fica em vigor até o dia 31 de dezembro.
“Tudo isso é inédito na história do Brasil. Nunca vivemos uma situação sanitária e com tantas implicações econômicas sequer parecida. Então é preciso permanecer atento a todas novas medidas editadas pelo governo e fazer tudo no âmbito desses novos ordenamentos.
A MP deve ser votada (agora sem o artigo 18) com alguma negociação, mas não deve caducar. É importante que as empresas documentem suas ações para evitar futuros problemas na Justiça do Trabalho”, alerta o advogado.
“Indico às empresas, principalmente as menores, que façam uma espécie de ‘diário da crise’. Documentem cada decisão para que isso seja uma espécie de memorial a ser apresentado no caso de qualquer questionamento na Justiça. E que as mudanças sejam sempre registradas. Não é preciso fazer um documento escrito para o colaborador assinar – até porque é pra todo mundo ficar o máximo possível em casa – um e-mail é documento, mas precisa ser preservado na sua integralidade”, pontua a advogada Cláudia Fernandes.
Fonte: Diário do Comércio