O forte impacto que a crise do novo coronavírus terá sobre a economia brasileira fez com que os diretores do Banco Central decidissem ontem cortar a taxa básica de juros do país acima do que era esperado pelo mercado. Por unanimidade, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC reduziu a Selic de 3,75% ao ano para 3%, o menor patamar já registrado na História. Deve ocorrer uma nova redução na próxima reunião do grupo, que acontece em junho.
No comunicado da decisão, a diretoria do BC afirmou que a conjuntura econômica atual chancela um corte de juros maior, como o anunciado. Mas os diretores ponderaram que há “potenciais limitações” para o tamanho de futuros cortes da taxa básica de juros local.
Analistas esperavam um corte menos agressivo, para 3,25%. A última vez que o BC cortou a taxa básica em 0,75 ponto percentual foi em outubro de 2017.
A Selic é a taxa em que bancos, administradoras de cartões e instituições financeiras se baseiam para calcular os juros que serão cobrados de seus clientes nas diferentes modalidades oferecidas. Com uma Selic mais baixa, outras taxas tendem a cair também, o que torna o crédito mais barato.
Estímulo necessário
Dois integrantes da diretoria do BC defenderam um corte ainda maior do que o promovido. A ideia era garantir “todo o estímulo necessário de imediato”, junto com a indicação de que a taxa ficaria inalterada pelos próximos meses.
Os demais diretores consideraram melhor, no entanto, fazer uma redução mais moderada e acumular mais informações sobre o que acontecerá com a economia brasileira até a próxima reunião do grupo, prevista para 16 e 17 de junho.
No comunicado, a direção do BC indicou que poderá fazer um “último ajuste” na Selic, que poderia até ser uma nova redução de 0,75 ponto percentual, o que jogaria a Selic a inéditos 2,25%.
“Para a próxima reunião, condicional ao cenário fiscal e à conjuntura econômica, o Comitê considera um último ajuste, não maior do que o atual, para complementar o grau de estímulo necessário como reação às consequências econômicas da pandemia da Covid-19”, afirmou o comunicado.
Para o superintendente de pesquisas macroeconômicas do Santander, Mauricio Oreng, o BC “acelerou” a queda da Selic porque viu um espaço adicional para essa decisão, dado o tamanho da retração da atividade econômica prevista.
Segundo Oreng, o baque na produção industrial, que teve queda de 9,1% em março em relação a fevereiro, foi importante para mostrar o tipo de impacto que o país pode sofrer este ano:
— O BC colocou a discussão da pandemia e mostrou que já há efeito de queda de demanda forte. E março refletiu apenas parcialmente os efeitos da pandemia, que devem se agravar em abril. O BC ponderou se deveria fazer um corte mais profundo de uma vez, mas escolheu fazer isso de forma gradativa. Indicou que o plano de voo é cortar mais 0,75, dependendo da evolução do cenário econômico.
Para o economista do Santander, o agravamento do quadro das contas públicas acabou por restringir a atuação da autoridade monetária.
No comunicado do BC, os diretores ressaltaram que a diminuição de incertezas no âmbito fiscal é um dos elementos essenciais para definir os próximos passos da política de juros do país.
Ajuda certa
Para o economista Lucas Carvalho, analista da Toro Investimentos, a redução de juros, principal instrumento de política monetária do Banco Central, ainda tem eficácia, mesmo no atual cenário, em que a taxa está na mínima histórica.
Para o especialista, o sucesso desse instrumento depende da expectativa futura das pessoas em tomarem crédito e dos bancos de emprestarem recursos.
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— Acredito que a política monetária ainda tenha eficácia. Neste momento, há muita incerteza e dispersão de dados, que fazem as projeções de recessão para o país variarem de queda de 3% a 5%. Considerando que no período pré-pandemia a economia estava retomando o crescimento, esse movimento pode ser retomado após a pandemia, com pessoas e empresas tomando financiamentos, em um patamar de juro muito baixo. Por isso, avalio que a política monetária, desde que acompanhada de outros instrumentos, neste momento, é eficaz — disse Carvalho.
Entre os instrumentos de que a autoridade monetária dispõe, Carvalho cita a redução do dinheiro que os bancos são obrigados a deixar parados no próprio BC, o que é conhecido tecnicamente como depósitos compulsórios. A liberação desses recursos pode virar dinheiro no curto prazo, por meio de empréstimos a empresas e pessoas. Outra medida importante, cita o analista da Toro, é a possibilidade de o BC comprar títulos públicos e privados, medida prevista no Orçamento de Guerra, aprovado ontem pelo Congresso Nacional.
— São medidas importantes neste momento, que garantem liquidez ao mercado — afirmou Carvalho.
Para ele, emitir dinheiro neste momento, medida apontada por alguns economistas como alternativa para financiar os gastos do governo com ações de combate à pandemia, trata-se de uma opção arriscada, já que o efeito colateral pode ser a volta da inflação:
— Mesmo neste momento em que temos uma inflação muito baixa, acredito que a emissão de dinheiro não é a melhor solução. Esses recursos podem gerar inflação no futuro, em vez de estimular a economia.
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, disse que já esperava um corte de 0,75 ponto e prevê uma nova redução na próxima reunião, de 0,5 ponto:
— É um corte grande, mas, infelizmente, a tragédia econômica em função da pandemia também é.
Segundo o economista-chefe para América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, “o Brasil está se dirigindo rapidamente ao desconhecido território financeiro dos juros zero”.
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) elogiou a decisão do Copom e lembrou que as expectativas para a inflação continuam abaixo da meta, de 4%. Em março, o IPCA acumulado em 12 meses ficou em 3,3%. Em nota, citou ainda a desaceleração global, que levou à queda nos preços das commodities e à volatilidade nos mercados.
Bradesco e Itaú anunciaram que vão reduzir a taxa de juros de suas principais linhas de crédito a partir da próxima segunda-feira.
Fonte: O Globo