Desde o início de abril, as empresas estão autorizadas a suspender os contratos de trabalho por tempo determinado e a reduzirem, de forma proporcional, o salário e a jornada dos trabalhadores.
Chamado de Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, a iniciativa do governo federal foi implementada por meio da medida provisória (MP) 936, e tem o objetivo de atenuar os impactos da pandemia do novo coronavírus sobre a economia brasileira.
No entanto, o programa trouxe algumas mudanças em direitos previstos em lei e em benefícios concedidos pelas empresas que aderiram à medida. Para tirar algumas dúvidas sobre essas alterações, o G1 ouviu os advogados Cássia Pizzotti (trabalhista) e Rodrigo Campos (previdência social) do Demarest Advogados e Érika Mello (trabalhista) do Pires & Gonçalves Advogados Associados.
A seguir, eles comentam mudanças ocorridas em 10 benefícios e direitos trabalhistas:
1. Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)
Suspensão temporária: neste caso, não há recolhimento do FGTS por parte do empregador até o final do prazo da suspensão do contrato de trabalho.
Cássia, do Demarest, lembra que as empresas que faturaram acima de R$ 4,8 milhões no ano de 2019, são obrigadas a pagar uma ajuda compensatória ao trabalhador de no mínimo 30% do salário, durante o período de suspensão. Porém, o FGTS não vai incidir sobre esse valor, já que a ajuda compensatória "não tem natureza de salário".
Redução de jornada e salário: aqui o FGTS continua sendo recolhido, mas com base no valor do salário reduzido. Exemplo: se um trabalhador tem um salário de R$ 2.000 que foi reduzido em 70%, isso significa que ele passou a ganhar R$ 600. É justamente sobre os R$ 600 que será calculado o valor do recolhimento do FGTS, por parte da empresa.
Pelas regras da MP, o governo federal faz uma complementação do salário, com base no cálculo do seguro-desemprego. No exemplo acima, o governo entraria com uma complementação de 70% do valor da parcela do seguro a que o empregado teria direito se fosse demitido.
Porém, este auxílio não será considerado na hora de calcular o valor do depósito do FGTS, já que ele não tem natureza de salário, explica a advogada do Demarest.
Érika, do Pires & Gonçalves, lembra que a MP 927 autorizou o empregador a parcelar o recolhimento do FGTS dos meses de março, abril e maio, sem a incidência de atualização, multa e encargos.
2. Contribuição ao INSS
Suspensão temporária: neste caso, a contribuição previdenciária patronal fica suspensa. "Como a empresa não vai pagar nenhuma remuneração ao trabalhador, ela também não vai recolher nenhuma contribuição em nome dele", afirma Rodrigo, do Demarest.
Os empregadores que suspenderam os contratos, mas que estão pagando ajuda compensatória aos empregados, também não precisam recolher o INSS sobre este valor, já que ele não tem natureza salarial.
Por outro lado, o advogado explica que o trabalhador pode continuar contribuindo ao sistema público de aposentadoria normalmente, se ele quiser.
"O trabalhador pode recolher em nome próprio como segurado facultativo para manter o mês como válido por tempo de serviço", conclui.
Redução de jornada e salário: para as reduções de jornada e salário, a base de cálculo da contribuição patronal será o salário reduzido, ou seja, o valor que a empresa passou a pagar ao trabalhador. Assim como no caso do FGTS, a complementação salarial feita pelo governo não será considerada na hora de a empresa calcular o INSS.
Aqui o trabalhador também pode continuar contribuindo ao sistema previdenciário normalmente.
4. Contagem do 13º Salário
Suspensão temporária: A advogada do Demarest explica que no caso da suspensão os meses não trabalhados não entram na contagem da proporcionalidade do 13º salário. Ou seja, eles não serão considerados quando chegar a hora de a empresa calcular o valor do benefício.
Redução de jornada e salário: para Cássia, a redução de jornada e salário não muda em nada a contagem da proporcionalidade do 13º salário, pois o contrato de trabalho continua ativo.
Além disso, a advogada do Pires & Gonçalves diz que "não existe norma legal específica que prevê que, para empregados com remuneração fixa, a variação da remuneração durante o ano impactaria na base de cálculo do valor do 13º salário".
Ela observa, porém, que o cenário pode mudar se a redução proporcional foi acertada em acordo coletivo, junto com sindicatos.
"Nas reduções proporcionais firmadas por acordo coletivo com o sindicato, é possível que haja previsão específica mantendo inalterado, reduzindo ou proporcionalizando o 13º salário do ano no qual ocorreu a redução e, nesse caso, a regra estabelecida pela norma coletiva é a que prevalece", diz Érika.
5. Férias e pagamento do 1/3
Suspensão temporária: neste caso, as férias também ficam suspensas. Érika explica que, durante o período de suspensão, o contrato de trabalho fica "paralisado" e que, portanto, os meses que o trabalhador ficou em casa não é contado como tempo de serviço para aquisição do direito às férias.
"Supondo que o empregado tenha 4 meses trabalhados até 30 de abril e a suspensão inicie no dia 1º de maio pelo prazo de 60 dias, no restabelecimento do contrato ele retoma a contagem do período aquisitivo de onde parou, ou seja, computando o 5º mês".
Redução de jornada e salário: a MP 936 não altera o direito a férias dos trabalhadores que tiveram sua jornada e salário reduzidos. Porém, uma outra medida provisória, a 927, flexibilizou as regras de pagamento das férias durante o período de calamidade pública. As advogadas destacam alguns pontos importantes abaixo:
• Com a nova MP, o empregador foi autorizado a fazer o pagamento das férias até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do período da licença. Por exemplo, se o trabalhador entra de férias no dia 10 de maio, a empresa pode depositar remuneração até o 5º dia útil do mês de junho. Pela CLT, a remuneração das férias tem que ser paga até 2 dias antes do trabalhador sair de licença
• Já o adicional de 1/3 do salário pode ser depositado até o dia 20 de dezembro deste ano. Este benefício é sempre pago junto com as férias
• O trabalhador também pode avisar que vai sair de férias com 48 horas de antecedência e não um mês antes como previsto pela CLT
• Já a antecipação de 50% do 13º salário pode vir com uma remuneração menor, caso o salário do mês anterior já tiver sido reduzido. Neste caso, a antecipação terá por base o valor reduzido. Por outro lado, quando o período de calamidade terminar e o salário for reestabelecido, o empregador terá que complementar a diferença quando for pagar segunda metade do 13º salário
5. Vale Transporte
Suspensão temporária: a empresa fica dispensada de pagar o vale transporte. Cássia explica que este benefício é previsto em lei, mas tem uma finalidade: o deslocamento casa-trabalho. Portanto, não havendo esse trajeto, a empresa não é obrigada a pagar.
Redução de jornada e salário: Se o trabalhador continua indo de transporte público até a empresa, o direito ao vale-transporte (VT) permanece válido.
Se a redução de jornada provocou uma diminuição dos dias de trabalho, o valor do vale transporte será reduzido para contemplar apenas esses dias, já que nos demais não haverá deslocamento, afirma Érika Mello.
Já a advogada do Demarest diz que se durante a pandemia a empresa contratou um ônibus fretado para levar os funcionários, ela pode deixar de pagar o VT.
O mesmo vale para os empregadores que passaram a pagar táxi ou motorista particular para os trabalhadores: não é obrigatório depositar o VT.
6. Vale Refeição e Alimentação
Suspensão temporária: se o vale-refeição (VR) e o vale-alimentação (VA) fazem parte do pacote de benefícios da empresa ou estão previstos em convenção coletiva, os trabalhadores têm direito a continuar recebendo.
As duas advogadas afirmam que a MP 936 é bem clara sobre este ponto. Na seção IV (art. 8º, § 2º, inciso I) da medida provisória, o governo afirma que as empresas devem fazer "jus a todos os benefícios concedidos" aos seus empregados durante o período de suspensão temporária dos contratos.
Redução de jornada e salário: trabalhadores continuam recebendo, desde que o VA e VT façam parte do pacote de benefícios da empresa ou estejam previstos em convenção.
A advogada do Demarest lembra que, no caso das empresas que fornecem alimentação aos empregados em refeitório próprio, mas que os liberaram para trabalhar em casa, o empregador deve consultar o que prevê a convenção da categoria.
"Se o funcionário está trabalhando em casa, mas na empresa tinha direito de comer no refeitório, a empresa não é obrigada a pagar [o VT e o VR], exceto se há alguma previsão na convenção coletiva", diz Cássia.
7. Plano de saúde e odontológico
Suspensão temporária: devem ser mantidos, já que a MP prevê a manutenção de todos os benefícios que fazem parte do pacote de benefícios concedidos pelo empregador ao empregado.
Redução de jornada e salário: devem ser mantidos, seja para quem está trabalhando presencialmente ou em casa.
Sobre este ponto, Érika Mello diz que o empregador deve ter atenção quando os planos têm co-participação ou desconto dos empregados.
"Nesse caso, é importante que as empresas equilibrem o acordo de redução do salário levando em consideração esses itens, pois a redução drástica da remuneração pode fazer com que o desconto dos valores da co-participação reduza ainda mais ou zere a remuneração do empregado, o que pode gerar questionamento futuro pela extensão e prejuízos desproporcionais da medida".
8. Licença-maternidade
Suspensão temporária: se a trabalhadora já estiver em licença maternidade, a suspensão do contrato não se aplica a ela. A empresa tem que continuar pagando o valor integral do último salário anterior ao afastamento. Segundo a advogada do Demarest, quando acaba o período de licença maternidade, as mulheres entram na regra da suspensão.
Redução de jornada e salário: as regras da suspensão também valem no caso de redução de jornada.
"Empregadas já em gozo de licença-maternidade não serão afetadas durante o período de licença, e o empregador continuará arcando com o valor do último salário anterior ao afastamento do trabalho, sendo que a redução só poderá ocorrer quando retornarem ao trabalho", diz Érika.
9. Auxílio-creche
Suspensão temporária: o trabalhador continua recebendo se for um benefício previsto em convenção coletiva.
Redução de jornada e salário: também continua recebendo se for um benefício previsto em convenção coletiva. "Auxílio creche é um benefício que não está previsto em lei e que as empresas, geralmente, não colocam nos seus pacotes. Quando este auxílio é oferecido, em 99,9% dos casos, ele existe porque foi acertado em convenção coletiva", diz Cássia.
10. Bolsa de estudo
Suspensão temporária: a continuidade ou não das bolsas de estudo concedidas aos trabalhadores vai depender da política interna da empresa e do que ficou acordado entre empregador e empregado sobre este tema. "É um benefício que não tem previsão legal e que é instituído por política interna da empresa", diz Cássia.
Redução de jornada e salário: é o mesmo caso da suspensão. Tudo depende da política interna da empresa e do acordo entre empregador e empregado.
Fonte: G1